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Os livros da minha estante: ‘Little Book of John Wayne in the Movies’ de Timothy Knight

Depois de ter apresentado os livros 'Film Music: From Violins to Video' de James L. Limbacher e ‘Animazione’ de Gabriele Lucci, chega a vez de introduzir ao caro leitor outra obra prima literária que descansa confortavelmente na minha estante, ‘Little Book of John Wayne in the Movies’ da autoria Timothy Knight.

Eu comprei este pequeno grande livro sobre o Duke numa feira do livro que costuma haver regularmente num mercadinho perto de minha casa. O preço foi ridículo, uns meros 6,50€. Depois de descobrir o quão bom era o livro tentei comprá-lo para oferecer a um familiar, mas já não o encontrei. Só muitos meses depois é que o voltei a ver, no mesmo local, desta vez a cerca de metade do preço. Comprei-o claro, e que rica prenda foi. Não o voltei a ver desde então, pelo menos ao vivo (no amazon só está à venda em segunda mão).

O preço barato é mais do que adequado àquilo que é o típico livro desta série ‘Little Books’ da editora G2 Entretainment e distribuído pela DemandMedia. São livros pouco maiores do que a palma de uma mão e que constituem compêndios acessíveis de várias facetas das artes e do espectáculo, do desporto e da história. Eu próprio comprei mais tarde o ‘Little Book of Westerns’ de Sophie Samuel (por 4 euros, creio) e fiquei extremamente desapontado. É pouco mais que uma listagem dos westerns da história do cinema (vale por isso), visto que muitas imagens são de péssima qualidade e os textos se limitam à sinopse detalhada do filme com um ou outro pedaço de trivia. Já folheei numa loja o ‘Little Book of Horror’ e fiquei com a impressão que poderia estar a correr um risco semelhante.


Mas há algo que distingue os livros desta série escritos por Timothy Knight, ou pelo menos este de John Wayne em particular, visto que não li nem folheei os restantes livros que ele escreveu, nomeadamente sobre Audrey Hepburn, Marilyn Monroe e Elvis. E o que os distingue é a exaustiva dedicação e a perspicácia dos textos. Mesmo não sendo propriamente grande ensaios cinematográficos, são textos sóbrios, sintéticos e inteligentes, que acima de tudo possuem uma grande paixão: pelo Duke, pela sua persona, pela sua aura, pelos seus filmes. Para um leitor que desconhece John Wayne, esta perceptível paixão de Knight é um enorme incentivo para começar a descobri-lo, filme a filme. Para quem o conhece, folhear estas páginas é uma viagem que vale sempre a pena percorrer; para revisitar filmes, cenas e frases icónicas, e claro, ficar com vontade de os rever. Como não me canso de dizer, é esse o objectivo de um grande livro sobre cinema: incentivar-nos a rever grandes filmes, e dar-nos a conhecer novas pérolas cinematográficas.

Precisamente, o livro foi lançado para fazer par com um documentário de DVD igualmente intitulado ‘John Wayne in the Movies’ do mesmo autor. Ambos, livro e documentário, pretendem ser uma grande viagem pela vida e obra desta lenda do cinema americano cujo nome de nascimento foi Marion Michael Morrison. E pelo menos este livro (nunca vi o documentário) consegue-o. É apenas um livro, mas é mais do que uma viagem visual. É uma viagem cinematográfica… que cabe na palma da mão.

A introdução é breve mas encapsula aquilo que será o livro. Não é um retrato histórico do homem, nem é uma análise puramente cinéfila: é uma análise da carreira de um artista, dos filmes que o moldaram e dos filmes que ele ajudou a moldar. As páginas estão fortemente ilustradas (não nos cansamos de ver a cara de Wayne), vão surgindo várias citações em letra maior (do próprio Wayne, de personagens que interpretou, ou de celebridades sobre ele) e na parte inferior da página temos um pequeno rectângulo com aquelas que são, para o autor, as seis maiores interpretações da sua carreira, completas com uma pequena imagem e meia dúzia de linhas descritivas. A letra é diminuta, sim, mas é incrível a quantidade de texto que se conseguiu pôr em páginas tão pequenas. É sem dúvida um livro cheio de conteúdo. As seis interpretações são as de ‘Red River’ (1948), ‘Sands of Iwo Jima’ (1949), ‘The Quiet Man’ (1952), ‘The Searchers’ (1956), ‘True Grit’ (1969) e ‘The Shootist’ (1976). Não podemos deixar de concordar (embora para mim ‘Rio Bravo’ deveria ter tido lugar nesta lista), o que mais nos liga à visão do autor.


O único senão deste livro é o facto de não percorrer, efectivamente, toda a carreira de Wayne. O Duke entrou em mais de 150 filmes (que se encontram listados, com letra ainda mais pequena, na última página) não só porque sempre foi um prolífero e dedicado actor, mas principalmente porque, antes de atingir o estrelato em 1939 com ‘Stagecoach’, entrou em dezenas e dezenas de filmes de série B ao longo da década de 1930. Estes filmes menores, de baixo orçamento e curta duração estão hoje maioritariamente esquecidos (alguns até perdidos), e não seriam de todo relembrados, como centenas de outros desta altura, se não fizessem parte da filmografia de Wayne. Neste livro, Knight decide passá-los à frente, apenas com uma brevíssima referência à sua existência na introdução.

Assim, assumidamente, o livro começa em ‘Stagecoach’ – o primeiro grande filme de Wayne e a sua primeira memorável interpretação – e vai até ‘The Shootist’, o seu último filme, filmado quando Wayne já estava a morrer de cancro. Um a um, são descritos ao todo cinquenta filmes, muito embora no período retratado Wayne tenha feito quase mais três dezenas. São contudo estes cinquenta que para o autor constituem a quintessência de Wayne. E mais uma vez, não podemos deixar de concordar no geral, embora (mais uma vez) ache um pouco escandaloso uma ou outra ausência (‘Hatari!’, 1962 por exemplo).

O livro encontra-se assim dividido em quatro partes, respeitantes a cada uma das décadas da sua actividade pós ‘Stagecoach’: 1939-1949 (18 filmes analisados); 1950-1959 (12 filmes analisados); 1960-1969 (12 filmes analisados); e 1970-1976 (8 filmes analisados). Cada parte é introduzida por um texto de quatro páginas que contextualiza o período na carreira de Wayne em termos profissionais, pessoais e da sua aceitação, quer perante a crítica, quer perante o público. Cada texto é acompanhado pelas citações e imagens mais marcantes de Wayne nesse período, bem como, num rectângulo inferior (análogo àquele que continha as seis melhores interpretações), pela apresentação das seis principais leading ladies de Wayne em cada período. É uma interessante ideia de Knight, não muito comum de ver em livros sobre uma determinada celebridade, já que momentaneamente vira o foco para outros profissionais. Assim temos oportunidade de ler um curto parágrafo sobre grandes atrizes como Marlene Dietrich, Susan Hayward, Lauren Bacall, Angie Dickinson, a mítica Maureen O’Hara, Ann Margret, Katherine Hepburn e tantas outras deusas de Hollywood que contracenaram com Wayne em determinados momentos das suas carreiras.


E depois, claro, vêm os filmes. Os filmes menos relevantes são descritos ao longo de duas páginas, enquadrados por quatro imagens. Os filmes mais importantes são descritos ao longo de quatro ou seis páginas, com um correspondente aumento no número de imagens. Os textos de Knight, apesar de não serem muito extensos (é um livro de fácil leitura) percorrem a contextualização do filme, algumas notas de produção, a sinopse, a sua recepção crítica e importância (ou não) na carreira de Wayne. O autor é no entanto algo comedido a dar a sua opinião como crítico. Nota-se o seu entusiasmo por alguns filmes, mas não faz grandes juízos de valor nem positivos ou negativos, optando por citar em vez disso excertos das críticas da época. Mas talvez seja uma abordagem adequada. O autor coloca-se numa posição de historiador, reflectindo a importância e o legado de Wayne na sua influência, década a década, no público, nos críticos e no próprio cinema. 

Página a página, filme a filme, vamos revisitando os grandes marcos da sua carreira. Somos relembrados de grandes actrizes com quem contracenou, de grandes realizadores que o dirigiram, de grandes cenas, de grandes filmes. Acima de tudo, somos relembrados da presença maior que a vida deste possante actor, e da forma como foi amadurecendo, foi limando a sua arte – algo brusca inicialmente e depois progressivamente mais subtil – sem esquecer o seu multifacetado talento; herói de guerra, cowboy, um portento a dar um soco bem dado, mas também alguém sem medo de abertamente parodiar a sua própria imagem. Página a página, filme a filme, o autor é eficaz a salientar estas várias nuances da personalidade cinematográfica de Wayne. Voltamos à questão inicial da paixão e do prazer. Pelo homem e pelos seus filmes. Pela glória do entretenimento. Pela glória do espírito americano, que na sua pureza - que Wayne representa - é um espírito universal. Aí reside o seu verdadeiro apelo cinematográfico. Um livro sobre Wayne só resultaria se o captasse. E esse capta.

Tudo somado, ‘Little Book of John Wayne in the Movies’  é um livro de bolso fascinante sobre a carreira de John Wayne. As suas 176 páginas ricamente ilustradas (embora nem todas as fotografias tenham boa resolução) permitem que seja folheado com um tranquilo à vontade, saboreando a carreira de Wayne através das suas poses mais icónicas, das suas cenas mais marcantes e da beleza das suas co-actrizes. Ao mesmo tempo, a qualidade sintética mas tematicamente abrangente dos textos, e a ousadia de percorrer individualmente cinquenta obras, permite que o livro se foque naquilo que é importante: no actor e no cinema. É isso que queremos. Um livro imperdível, que não ocupa espaço nenhum e que cumpre a sua função: honrar o legado de John Wayne. Ideal quer para velhos fãs, quer para novos cinéfilos, curiosos por passar a conhecer esta figura maior do cinema de Hollywood. E depois é só escolher o filme por onde (re)começar. Um livro destes torna essa escolha fácil e apetecível.

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Miguel. Portuense. Nasceu quando era novo e isso só lhe fez bem aos ossos. Agora, com 31 anos, ainda está para as curvas. O primeiro filme que viu no cinema foi A Pequena Sereia, quando tinha 5 anos, o que explica muita coisa. Desde aí, olhou sempre para trás e a história do cinema tornou-se a sua história. Pode ser que um dia consiga fazer disto vida, mas até lá, está aqui para se divertir, e partilhar com o insuspeito leitor aquilo que sente e é, quando vê Cinema.

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