O leitor provavelmente não saberá, mas passei os últimos três anos a dar aulas na Universidade. É verdade, até ver, escrever críticas e crónicas de cinema não é o meu ganha pão, mas antes um hobbie que levo muito, muito a sério. Assim sendo, tenho um day job (tem que ser!) e portanto, depois de anos como investigador universitário, e após ter obtido um doutoramento, consegui uma cobiçada e arduamente obtida colocação como Professor, uma oportunidade que agarrei com vontade e prazer.
Nos últimos três anos vivi um sonho profissional (no meu alter ego de Engenheiro, bem entendido) e mais de 300 alunos passaram pela minha sala de aula. Contudo, com muito pena minha esta etapa da minha vida chegou agora ao fim. A semana passada dei a minha última aula... por agora. Não tive uma ovação ao estilo 'Oh Captain, my Captain' como Robin Williams em 'Dead Poets Society' (1989), obviamente, mas é sempre bom saber que há alunos que valorizam o nosso trabalho e não nos esquecem, que nos respeitam e que nos fazem ver que conseguimos contribuir um pouquinho para formar o seu carácter. E isso é sempre bom. E na realidade, também eles contribuíram para que eu pudesse re-formar também um bocadinho o meu.
Ninguém sabe o que o futuro nos reserva e espero um dia conseguir regressar a uma sala de aula. Até lá, e em jeito de despedida deste período da minha vida, fica um countdown de dez grandes professores, de vários tipos, formas e feitios, que gostei, e continuo a gostar de ver, no cinema. Como todos os Tops de EU SOU CINEMA, não só é totalmente subjectivo como só inclui filmes que eu já vi, pelo que alguns professores cinematográficos que deram que falar como o de Edward James Olmos em 'Stand and Deliver' (1988), o de Hilary Swank em 'Freedom Writers' (2007) ou o de Ryan Gosling em 'Half Nelson' (2006) não foram considerados, porque não os posso julgar. Também não considerei mentores ou explicadores privados (Yoda, Anne Bancroft em 'The Miracle Worker', 1962; Mel Gibson em 'The Man Without a Face', 1993; Sean Connery em 'Finding Forrester', 2000) para me cingir à sala de aula. E claro, é perfeitamente natural, fazendo isto de memória, que me esteja a esquecer de algum completamente óbvio. O leitor que se pronuncie,
Um bem haja a todos os professores por esse mundo fora!
Um bem haja a todos os professores por esse mundo fora!
10. Kimble (Arnold Schwarzenegger) em 'Kindergarten Cop' (1990)
Disciplina: Pré-escolar
Escolhi começar por aqui um pouco por piada. Mas a verdade é que esta bem sucedida comédia de acção (um daqueles filmes que só faz sentido porque foi feito naquele período mítico entre o final dos eighties e o início dos nineties) tem, talvez surpreendentemente, muito que se lhe diga. À cabeça é apenas uma espécie de comédia policial sobre um machão detective da polícia interpretado por Arnold Schwarzenegger que se vê obrigado, por via das circunstâncias, a disfarçar-se de professor do pré-escolar para tentar encontrar o filho de um traficante de droga em fuga. Mas esta premissa leva a algo inesperadamente mágico. Kimble é inicialmente aterrorizado pelos pequeninos mas depois conquista-os aos poucos, com um instinto que revela o bom coração que na realidade tem. Não vai propriamente inspirar nobres valores nestes miúdos de cinco anos, mas vai fazê-los passar bons bocados, quer brincando com animais, aprendendo a ser bombeiro ou montando pequenas peças de teatro. Não é esse o propósito mais nobre de um professor; enriquecer os alunos e cumprir o objectivo da sua classe? Ainda por cima, é um professor que quando é preciso sabe defender-se bem, como quando dá uma lição a um pai que maltrata um miúdo e claro, salvando o filho do traficante. Tudo somado, este Kimble conquista os corações dos miúdos, dos pais, dos restantes professores da escola, incluindo da bela Penelope Ann Miller, e dos espectadores. Um musculado pacote de sucesso.
9. Richard Dadier (Glenn Ford) em 'Blackboard Jungle' (1955)
Disciplina: Inglês
De todos os actores clássicos, Glenn Ford é dos que gosto menos. Não aprecio o seu estilo nem a sua entoação vocal. Enfim, não vou, nem nunca fui muito com a cara dele. Isto é, com a notável excepção de duas obras: o excelente 'The Four Horsemen of the Apocalypse' (1962) e em menor escala, este 'The Blackboard Jungle'. Na realidade, já não vejo este filme há mais de uma década, mas foi daqueles filmes que vi várias vezes na adolescência porque fazia parte da grelha do canal TCM, o local onde descobri o clássico cinema americano. Ford interpreta Richard Dadier (a quem os alunos insistem em chamar Daddy-O) um humilde professor de inglês que começa a dar aulas num liceu numa zona problemática da cidade. Na era de filmes sobre jovens rebeldes como 'The Wild One' (1953) e 'Rebel Without a Cause' (1955) este é provavelmente o primeiro filme a abordar a problemática dentro da sala de aula, e isso talvez compense o facto de perder um pouco o seu rumo com algumas intriguisses precisamente fora da sala de aula. Destaque para um jovem Sidney Poitier como o aparente líder dos rebeldes. Quinze anos depois seria ele próprio o professor de uma classe problemática num filme bem reputado, 'To Sir, with Love' (1967), que ainda não vi.
8. Louanne Johnson (Michelle Pfeiffer) em 'Dangerous Minds' (1995)
Disciplina: Inglês
Não é um filme, nem uma personagem que marcaram uma geração. Mas marcaram um momento no tempo, em meados dos nineties. Inundado por uma banda sonora rap (incluindo o mega-sucesso 'Gansgters Paradise') e com uma forte temática social e inspiracional alimentada pelo génio produtivo e de marketing de Don Simpson e Jerry Bruckheimer, 'Dangerous Minds' foi um massivo sucesso de bilheteira. Eu tinha apenas 10 anos de idade e lembro-me perfeitamente de todo o mediatismo à volta deste filme e da personagem de Michelle Pfeiffer, a professora substituta, ex-marine, que quando tudo falha para ensinar uma turma problemática cheia de convenientes representantes de minorias raciais, recorre ao pouco convencional. Quem não queria ter uma professora que levasse os alunos à feira popular, oferecesse chocolates, ensinasse karaté e encontrasse paralelismos entre o rap, Bob Dylan (e mal sabia ela que ele iria ganhar o Nobel!) e o poeta Dylan Thomas? Como em 'Blackboard Jungle' os problemas pessoais dentro e fora da sala de aula cruzam-se e, como de costume, o pouco convencional não é bem visto pelas autoridades competentes, com trágicas consequências. Entre o pungente, o inspiracional e a magia de Hollywood, o filme pode estar fabricado com uma fórmula demasiado segura, conveniente e estereotipada, mas por outro lado é inegável que não esquecemos, mais de vinte anos depois, a força por detrás da voz doce de Pfeiffer.
7. Julius Kelp (Jerry Lewis) em 'The Nutty Professor' (1963)
Disciplina: Química
Nunca percebi muito bem porque é que 'The Nutty Professor' se tornou com o tempo o filme mais conhecido de Jerry Lewis, visto que é um dos menos conseguidos da sua época dourada. Mesmo assim, quando se fala de professores, é preciso destacar o seu hilariante "professor chanfrado" que está constantemente ausente das listas de grandes professores cinematográficos por essa internet fora. Talvez seja porque é "apenas" cómico e não inspirador. Na sua versão moderna da história de Jekyll e Hyde, Lewis incarna Kelp, um extremamente tímido e desastrado professor de Química de liceu, completo com dentuça saliente, cabelo desgrenhado e óculos na ponta do nariz, que tem o hábito de literalmente fazer explodir a sala de aula na sua atrapalhação com reagentes e tubos de ensaio. Gozado pelos estudantes que fazem dele gato sapato e atraído pela divinal Stella Stevens, a única que o trata bem, Kelp cria uma fórmula para soltar o seu alter ego: Buddy Love - belo, irresistível, charmoso, mas também convencido e arrogante. Mas no final, Kelp vai perceber que para encontrar a felicidade não precisa do seu alter ego. Ou precisa? Um daqueles professor insossos que torna difícil a um aluno manter-se acordado numa aula, mas que acaba por se rir em último lugar. Ganhou o respeito dos alunos, ganhou o coração da rapariga mais gira da turma, e ganhou gargalhadas do espectador. Nada mau. Eddie Murphy entraria no inferior remake de 1996.
6. Dewey Finn (Jack Black) em 'The School of Rock' (2003)
Disciplina: Quarta classe / Música
Pessoalmente, gosto muito de Jack Black. Acho que é um grande comediante que, como todos os grandes comediantes modernos, tem o azar de viver numa era de cinema descaracterizado que não consegue fazer jus aos seus talentos. Isto é, com excelentes excepções. Esta é uma delas. Em 'School of Rock', Black está soberbo (a melhor interpretação da sua carreira?!) precisamente porque está no seu melhor meio: tem toda a liberdade para as suas grandes improvisações cómicas, enquanto gravita em redor do seu assunto preferido: o rock n' roll. Como Dewey, Black interpreta um rockeiro falhado que, sem emprego, finge ser o seu colega de casa e aceita uma posição como professor substituto numa prestigiada escola privada. Obviamente sem talento para as disciplinas que tem de leccionar, descobre por acaso que há uma banda em bruto por entre os seus alunos. Por isso cria em segredo, e com uma deliciosa classe, a sua própria "escola de rock" com o intuito de ganhar o primeiro prémio na 'Batalha das Bandas'. Claro que o filme tem muitos tiques comerciais, mas é uma obra ternurenta e apaixonada (não fosse o seu realizador Richard Linklater), onde professor e alunos trocam importantes valores entre si e amadurecem emocionalmente, Mas será de supor que os alunos irão ter todos que repetir o ano, não? Afinal, ninguém aprendeu a matéria do currículo na maior parte do ano...
5. Hypatia (Rachel Weisz) em 'Agora' (2009)
Disciplina: Filosofia, Matemática e Astronomia
Sempre achei 'Agora' uma obra-prima, um dos melhores filmes da década de 2000 e um filme que foi muito, muito injustamente tratado pela crítica. É um filme que facilmente poderia ter ganho o Óscar de Melhor Filme, Melhor Realizador e Melhor Actriz para Rachel Weisz, que está extraordinária como Hypathia, uma professora da famosa Academia de Ciências de Alexandria no século I que se vê envolvida num turbilhão político, social e religioso. Parece óbvio que a crítica ao dogmatismo religioso (as tensões entre Cristãos e Judeus marcam o filme) foi o motivo pelo qual foi atirado para debaixo do tapete, mas ler o filme assim é ridículo. 'Agora' é um poderoso retrato social que, contado da perspectiva de Hypathia, evita destramente o pastoso lugar comum dos filmes sobre personalidades históricas feministas, mesmo que no final ela acabe por ser uma mártir. Hypathia é uma personagem multidimensional habilmente construída; uma professora que mantém as suas convicções até ao fim, devotada à ciência (a cena em que tenta impedir a destruição da Biblioteca de Alexandria é incrivelmente poderosa) e que acima de tudo quer incutir nos seus alunos a capacidade de pensarem por eles próprios, livres de dogmas injustificados e com uma visão una da humanidade. Uma poderosa personagem num poderoso filme, e um dos melhores exemplos de professoras femininas na história do cinema, sem qualquer dos clichés que marcam o género.
5. Jean Brodie (Maggie Smith) em 'The Prime of Miss Jean Brodie' (1969)
Disciplina: Segundo ciclo
Em 1969, Maggie Smith ganhou o Óscar de Melhor Actriz por uma devastadora performance (no bom sentido) como uma professora de miúdas de 12 anos numa escola privada em Edimburgo durante a década de 1930. O que parece ao início mais um 'Goodbye, Mr. Chips' ou um 'Dead Poets Society' de repente transforma-se numa obra complexa com uma enorme ambiguidade. Pois assim é a Jean Brody de Maggie Smith, e aí está a riqueza, mas ao mesmo tempo o estranho timbre, do filme. Longe da professora inspiradora do costume, embora com um carisma hipnotizante na sua atitude "so british", Brody, que insiste que está a viver o seu "prime" (os melhores anos da sua vida) dedica-se aos seus ideias com uma obcessividade excessiva. Por vezes, parece uma mini-versão de Mussolini ou Franco (ditadores que idolatra só porque são líderes), e tem atitudes polémicas e excessivamente egoístas em relação às suas "protegidas", sempre com a desculpa de que lhes está a dar preciosos ensinamentos de vida. Mas os "monstros" que criamos são aqueles que voltam para nos atormentar. Uma obra prima difícil de classificar, que pode ser tida como uma soberba alegoria de como as boas ideias podem deturpar-se a uma escala massiva e como o mini-poder de ser professor pode corromper. Mas é muito mais do que isso, precisamente porque Brody é um ser emocionalmente multifacetado e porque a alegoria do filme está assente numa assustadora e acutilante realidade.
3. Indiana Jones (Harrison Ford) em 'Raiders of the Lost Ark' (1981)
Disciplina: Arqueologia
Indiana Jones é muitas coisas, mas tecnicamente é "apenas" um professor universitário que de vez em quando tem de percorrer o mundo em busca de artefactos arqueológicos para alimentar o museu da Universidade. Isso dá um cunho especial à personagem (um misto entre o nerd e o habitual herói de acção - uma fórmula que a partir daqui seria muito imitada) bem como uma inesperada profundidade. Os grandes filmes fazem-se também nos pequenos, e credíveis, detalhes das suas personagens principais. E as cenas no primeiro e no terceiro filme onde somos brindados com pequenos pedaços da vida académica de Indy são absolutamente deliciosas. Destaque para a aluna que escreve "love you" nas pálpebras em 'Raiders of the Lost Ark' (o ar incrédulo de Harrison Ford!) e para a cena em 'Indiana Jones and the Last Crusade' em que Indy literalmente foge da torrente de alunos que o querem consultar, saltando pela janela do gabinete. No fundo, Indy é um grande professor para ter numa aula prática no terreno, mas é um professor que negligencia bastante os seus alunos na tutoria teórica...
2. John Keating (Robin Williams) em 'Dead Poets Society' (1989)
Disciplina: Inglês
Um dos professores mais populares da história do cinema, o Keating de Robin Williams foi o homem que virou uma geração inteira (eu incluído) para os poemas de Walt Whitman (Oh Captain, My Captain!) e para um velho lema: carpe diem - aproveitem o dia! Keating é o novo professor de inglês de uma prestigiada escola privada americana durante a década de 1950, e desde o primeiro dia decide mandar o arcaico programa da escola para as urtigas e começa a ensinar os seus alunos com uma nova e desafiante visão pessoal. Interpretar poesia não é decorar e repetir os pensamentos de um qualquer crítico num livro bafiento. Interpretar poesia é senti-la, é vivê-la, é também escrevê-la. Claro que os novos métodos de Keating vão entrar em conflito com os valores seculares da escola. E claro que os seus jovens alunos, numa idade impressionável, vão levar longe de mais esta demanda pela liberdade emocional e pessoal, com trágicas consequências. A fórmula de 'Dead Poets Society' está perigosamente próxima do lugar comum (Roger Ebert detestou o filme e incluiu-o no seu livro dos piores de sempre) mas para mim, felizmente, não chega lá. A paixão de Robin Williams é contagiante, e o filme tem uma intensa bravura e uma rica capacidade de comover. As suas emoções são verdadeiras, e isso faz toda a diferença, especialmente quando comparado com as várias imitações que já teve como 'The Emperor's Club' (2002), onde Kevin Kline parece ser exactamente a mesma personagem, ou o muito menor 'Mona Lisa Smile' (2003), a versão feminina com Julia Roberts.
1. Mr. Chips (Robert Donat) em ‘Goodbye, Mr. Chips' (1939)
Disciplina: Latim
Para mim, 'Goodbye, Mr. Chips' é o melhor filme sobre um professor que alguma vez foi feito, Acompanhando a odisseia de Charles Chipping (a quem os alunos chamam, primeiro com malícia, mas depois com ternura, Mr. Chips), desde o seu primeiro dia como um jovem professor inexperiente até à velhice em que já é o director da escola, 'Goodbye Mr. Chips' é uma verdadeira obra prima. Os anos vão passando e ele vai envelhecendo, mas os alunos permanecem eternamente jovens, caras novas que trazem novas histórias e novos desafios. A beleza do filme está nestes círculos que se entrecruzam, uma vida com várias vidas, e na forma como Chips permanece, sobrevive, luta, evolui, para ensinar num novo dia, para ser o melhor professor que pode ser, sempre em prol dos alunos. E não há adjectivos para descrever a performance de Robert Donat como Mr. Chips. É uma das melhores que o cinema alguma vez viu. É só preciso dizer que ganhou o Óscar de Melhor Actor (numa altura em que os Óscares eram sérios), num ano que parecia ter um vencedor totalmente indiscutível: Clark Gable em 'Gone With the Wind'. Em 1969 Peter O'Toole seria Chips no remake musical, mas nunca vi esse filme para não manchar a memória perfeita que tenho deste filme clássico e de Robert Donat.
Para mim, 'Goodbye, Mr. Chips' é o melhor filme sobre um professor que alguma vez foi feito, Acompanhando a odisseia de Charles Chipping (a quem os alunos chamam, primeiro com malícia, mas depois com ternura, Mr. Chips), desde o seu primeiro dia como um jovem professor inexperiente até à velhice em que já é o director da escola, 'Goodbye Mr. Chips' é uma verdadeira obra prima. Os anos vão passando e ele vai envelhecendo, mas os alunos permanecem eternamente jovens, caras novas que trazem novas histórias e novos desafios. A beleza do filme está nestes círculos que se entrecruzam, uma vida com várias vidas, e na forma como Chips permanece, sobrevive, luta, evolui, para ensinar num novo dia, para ser o melhor professor que pode ser, sempre em prol dos alunos. E não há adjectivos para descrever a performance de Robert Donat como Mr. Chips. É uma das melhores que o cinema alguma vez viu. É só preciso dizer que ganhou o Óscar de Melhor Actor (numa altura em que os Óscares eram sérios), num ano que parecia ter um vencedor totalmente indiscutível: Clark Gable em 'Gone With the Wind'. Em 1969 Peter O'Toole seria Chips no remake musical, mas nunca vi esse filme para não manchar a memória perfeita que tenho deste filme clássico e de Robert Donat.
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