Realizador: Duncan Jones
Actores principais: Jake Gyllenhaal, Michelle Monaghan, Vera Farmiga
Duração: 93 min
Crítica: ‘Source Code’ é o segundo filme de Duncan Jones, filho de David Bowie. Jones não viveu muito tempo à sombra do pai e, após ter estudado na London Film School e ter trabalhado na indústria da publicidade e dos videojogos, em 2009 realizou o seu primeiro filme, ‘Moon’ (já criticado neste blog). E aí surpreendeu toda a gente.
De quando em quando a imprensa gosta de dizer que apareceu o “novo Kubrick”, mas no caso de Jones o epíteto poderia ajustar-se, ou pelo menos, com a promessa de ‘Moon’, poderia ajustar-se daqui a uns anos. Como escrevi na minha crítica “considerando as atenuantes; ser um filme de ficção científica moderno de muito baixo orçamento de um realizador estreante, ‘Moon’ é bom. É surpreendentemente bom.” Jones teve o bom gosto de o filmar ao estilo da velha escola, não se focando nos efeitos especiais (uma raridade nos dias que correm) mas sim na tensão da trama e na bem desenvolvida psicologia da sua personagem principal, brilhantemente interpretada por Sam Rockwell. E apesar do filme se esgotar com o seu twist (tem alguma dificuldade em encontrar um foco depois de o revelar), ‘Moon’, como escrevi, “conta com um charme discreto uma boa história”. Não é por acaso que se tornou quase imediatamente um mini-clássico de culto do género da ficção cientifica. E não é por acaso que quando ‘Source Code’ começou a ser promovido em 2011, muito boa gente (eu inclusive) arrebitou as orelhas. Conseguiria Jones corresponder às expectativas que haviam sido criadas em seu redor? Ou teria sido ‘Moon’ um one hit wonder?
"O filme está muito bem realizado e por momentos até chega a ser interessante, ao contar de forma discreta e subtil uma história moderna de ficção científica. Mas (...) é desapontante constatar que ‘Moon’ continua a ser um muito melhor filme. Pois há uma coisa que ‘Moon’ tinha e que falta a ‘Source Code’: charme. Charme para conseguir cativar através dos ambientes, das personagens, das alegorias, das ideias."
Após chegarmos ao final dos parcos 93 minutos de ‘Source Code’ descobrimos que nem uma coisa nem outra são inteiramente verdadeiras. O filme está muito bem realizado (de novo Jones prova que tem um olho exímio) e por momentos até chega a ser interessante, ao contar mais uma vez de forma discreta e subtil (ou seja, sem o espalhafato de acção ou efeitos especiais) uma história moderna de ficção científica. Mas considerando que Jones agora contava com um orçamento seis vezes superior e já não era um novato, é desapontante constatar que ‘Moon’ continua a ser um muito melhor filme. Pois há uma coisa que ‘Moon’ tinha e que falta a ‘Source Code’: charme. Charme para conseguir cativar através dos ambientes, das personagens, das alegorias, das ideias. ‘Moon’ fazia-o e portanto conseguíamos desculpar alguma displicência no final da história. Já ‘Source Code' não.
Um detalhe que poderá ser importante é que, ao contrário de ‘Moon’, ‘Source Code não é escrito por Jones. O argumento já existia, uma obra original da autoria de Ben Ripley, que até então só havia escrito dois direct-to-video (duas sequelas de ‘Species’) e um filme para a televisão (‘The Watch, 2008). Portanto, a produção já estava em marcha quando Jake Gyllenhaal, o actor principal, sugeriu aos produtores o nome de Jones para realizador, após ter visto ‘Moon’. O quanto isto foi decisivo nunca saberemos, mas o que é certo é que enquanto ‘Moon’ é um artístico, quase poético, trabalho de amor, ‘Source Code’ está muito mais em modo blockbuster, ou pelo menos em modo ‘sci-fi de baixo orçamento a tentar ser um blockbuster’. Este parece ser, primeiramente, o motivo pelo qual este filme não consegue ser tão puro nem tão bom quanto o primeiro.
Tecnicamente, não podemos dizer que Jones passou do meio independente inglês para o meio blockbuster de Hollywood. ‘Source Code’ é uma co-produção américo-canadiana, praticamente toda filmada no Canadá, e produzida por duas produtoras pequenas, a Mark Gordon Company (que apesar de produzir series como ‘Grey’s Anatomy’ ou ‘Criminal Minds’ tem muito pouca experiência de cinema), e a Vendome Pictures (que apenas produziu um par de filmes como ‘Larry Crowne’, 2011). E de facto, tal como ‘Moon’, ‘Source Code’ está concebido num padrão clássico com a aura de uma obra independente, algo que não é muito comum ver hoje em dia. O genérico, por exemplo, que mostra várias imagens aéreas de um comboio a percorrer os subúrbios de Chicago (destaque para a incrivelmente nítida fotografia), é dado ao som de uma banda sonora sinfónica incrivelmente tensa, da autoria de Chris Bacon, fazendo recordar a abertura de thrillers ou filmes de ficção científica da velha escola. E no resto do filme, a música terá sempre um enorme destaque na faixa áudio, marcando o passo e o tom da película.
"‘Source Code’ parte de uma premissa relativamente interessante (...), mas à medida que a história se desenrola ficamos com a sensação de que poderia ter sido muito mais ambicioso (...) A história que daria um clássico de culto nos anos 1950 parece desproporcionada oferecida assim ao espectador (...) A música exagera as emoções que a acção não consegue produzir, e a tentativa de criar mistério leva a um argumento rico em vagueza"
Mas se há o (bom) esforço por parte de Jones de criar um ambiente fílmico que poderia encaixar num ‘Twilight Zone’ ou num ‘Alfred Hitchcock Presents’, mas com o cunho da composição cinematográfica moderna, o filme cai na teia do blockbuster de baixa qualidade muito por causa das suas decisões argumentais. Como ‘Moon’, ‘Source Code’ parte de uma premissa relativamente interessante (isto é, se aceitarmos a sua completa incredulidade), mas à medida que a história se desenrola ficamos com a sensação de que o filme poderia ter sido muito mais ambicioso, poderia ter ido muito mais longe. A história que daria um clássico de culto nos anos 1950 parece desproporcionada oferecida assim ao espectador, com técnicas cinematográficas modernas e actores de topo. Aliás, isso até faz o filme parecer excessivamente artificial. A música exagera as emoções que a acção não consegue produzir, e a tentativa de criar mistério leva a um argumento rico em vagueza; ou seja, onde as personagens sabem perfeitamente o que se está a passar mas que por mero acaso, assim parece, nunca o dizem quando falam entre si – obviamente para que o espectador não perceba o twist antes do tempo.
Por este motivo, pela sua previsibilidade e por não ter muita substância por detrás da sua fachada (como se prova pelo final totalmente bacoco) o filme acaba por nunca ter realmente a tensão e o suspense que almeja. Tudo o que tem é uma tensão falsa que o filme se esforça desesperadamente por tentar, sem sucesso, convencer o espectador que é verdadeira. E depois envereda por um final demasiado comercial, completamente fora de tom com o resto da obra.
Depois do intenso genérico, o filme não perde tempo com contextualizações e mergulha o espectador imediatamente na acção. Jake Gyllenhaal (no pico da popularidade no cinema das “massas” após ‘Brokeback Mountain’, 2005; ‘Love & Other Drugs’, 2010; ou ‘Prince of Persia: The Sands of Time’, 2010) tem uma interpretação suficientemente credível (essencial para vender uma história destas) como Colter Stevens, um soldado Americano que serviu no Afeganistão. Na primeira cena acorda, atordoado, no comboio que será cenário para a maior parte do filme. À sua frente, Christina (a perfeita Michelle Monaghan, mas não será demasiado perfeita?) fala com ele naturalmente, chamando-lhe Sean. Numa manobra semi-kafkiana, Colter apercebe-se que está dentro de um corpo que não é o seu. Nós espectadores vemo-lo até ao final do filme como Gyllenhaal, mas com a subtileza típica de Jones (um breve plano num espelho) apercebemo-nos que todos os outros passageiros o vêm com outra cara, a do tal Sean.
"Visualmente, Jones é bem-sucedido em criar uma atmosfera claustrofóbica cativante no comboio, que advém desta sucessão de sequências de oito minutos (...). Aliás, o lado mais interessante deste loop é o adensar psicológico da personagem de Gyllenhaal. (...) A sua demanda por conseguir desactivar a bomba e salvar os passageiros mesmo sabendo (...) que são só figuras virtuais dá-lhe um propósito emocional extra."
Mas Colter não tem muito tempo para perceber o que se está a passar nem o filme perde muito tempo com questões existencialistas. Após oito minutos precisos uma bomba explode e todas as pessoas no interior do comboio morrem. Ou não? Colter acorda de novo, preso ao assento do que parece ser uma cápsula (será o seu antigo helicóptero despedaçado?). Ainda mais confuso e ainda mais atordoado, Colter consegue estabelecer contacto com a central de comandos através de um monitor. A sua interlocutora é Colleen, uma oficial interpretada por Vera Farmiga que, diga-se, tem uma interpretação muito interessante porque dá dimensão a um papel plano apenas com a sua expressividade (ou seja é uma coisa dela, não do argumento nem da realização). O superior de Colleen é o Dr. Rutledge, um Jeffrey Wright de regresso ao cinema após três anos de ausência, numa interpretação plena de excentricidade.
Numa espécie de ‘Groundhog Day’ (1993) da ficção científica, Colter vai reviver os seus oito minutos exactos dentro do comboio mais uma ou duas vezes antes que lhe expliquem o que se está a passar. Aliás, este é um dos males do filme, como já referi. Não creio que houvesse problemas em Colleen explicar imediatamente a Colter os traços gerais da sua missão. Em vez disso, com meias verdades e olhares incómodos, vai-lhe contando coisas apenas a conta-gotas, só para Colter, e o espectador, andarem à nora mais uns minutos. Colter está dentro do Source Code, um programa governamental secreto concebido pelo Dr. Rutledge que permite a um operador reviver precisamente os últimos oito minutos da vida de alguém. Não é viajar no tempo. É uma espécie de Matrix (não são eles que dizem, sou eu!) onde as últimas memórias, retidas no cérebro, de todos os que faleceram são implantadas. Aparentemente Colter tinha compatibilidade cerebral com esse tal Sean e por isso foi o escolhido para a missão, embora ele não se lembre de a ter aceite. Obviamente, quer Colter quer o espectador imediatamente suspeitam que não lhes estão a dizer toda a verdade. E com razão.
Basicamente, os dois oficiais primeiro convencem, e depois obrigam Colter a regressar uma e outra vez ao comboio ‘virtual’ para reviver continuamente aqueles oito minutos. Eles explicam-lhe que o atentado ocorreu nessa mesma manhã, portanto é urgente que ele descubra quem implantou a bomba, para que mais possíveis atentados, previamente anunciados pelo mesmo bombista, possam ser evitados nas próximas horas. Revivendo os mesmos padrões cíclicos num período extremamente limitado, Colter vai andar à caça da bomba e do bombista, enquanto tenta salvar os passageiros e especialmente a bela Christina, por quem obviamente se apaixona.
"Este filme tinha todos os ingredientes para ser, não um filme brilhante do género, mas pelo menos um suficientemente interessante. O problema é a grande incapacidade de gestão da história e a forma como faz trinta por uma linha para esconder a simples linearidade, e a pobreza, da sua narrativa (...) O filme, que daria uma boa curta-metragem de 20 minutos, precisa de usar todos os estratagemas e mais alguns para se esticar até aos 90"
Visualmente, Jones é bem-sucedido em criar uma atmosfera claustrofóbica cativante no comboio, que advém desta sucessão de sequências de oito minutos (dentro da acção isto é, pois em termos de tempo de filme a duração destes segmentos acaba por ser um pouco variável). Aliás, o lado mais interessante deste loop é o adensar psicológico da personagem de Gyllenhaal. Mesmo sabendo que está num mundo virtual, a forma como de cada vez teme mais o final dos oito minutos e a mais uma “morte” (o seu cérebro sente a dor, mesmo que irreal) é o aspecto que mais dá credibilidade à sua personagem. E a sua demanda por conseguir desactivar a bomba e salvar os passageiros mesmo sabendo (tal como o Dr. Rutledge lhe repete várias vezes) que são só figuras virtuais e já morreram todos nessa manhã, dá-lhe um propósito emocional extra que aumenta a dimensão da sua personagem. Muito mais, diga-se, que as questões existencialistas que o filme vai atirando: onde está realmente (que cápsula é esta da qual não consegue sair?!) e qual é o verdadeiro segredo do Source Code.
Contudo, as valências de ‘Source Code’ praticamente terminam aqui. Admitamos que a premissa do filme é totalmente irrealista. Tudo bem, nunca foi isso que nos impediu de desfrutar de um bom filme de ficção científica, e à cabeça este filme tinha todos os ingredientes para ser, não um filme brilhante do género, mas pelo menos um suficientemente interessante. O problema é a grande incapacidade de gestão da história e a forma como faz trinta por uma linha para esconder a simples linearidade, e de certa forma a pobreza, da sua narrativa. Há várias coisas que o filme podia ter trabalhado muito mais. Colter descobre a bomba praticamente na sua primeira sequência no Source Code, sem qualquer dificuldade ou tensão, mas depois demora mais de uma hora até se lembrar de a ir lá desactivar, ou pelo menos tentar encontrar alguma pista que lhe indique o paradeiro do bombista. Estes “esquecimentos” são típicos deste filme, tal como a forma como Colleen se esquece a explicar as coisas devidamente a Colter, só porque sim. De cada vez que ele está prestes a regressar ao comboio ela dá-lhe mais uma pista. Porque não lhe diz tudo da primeira vez? Obviamente porque o filme quer esticar artificialmente o seu suspense, mas qualquer espectador com dois dedos de testa não se deixa enganar.
Depois toda a gente no filme acredita que o bombista está no comboio oito minutos antes da bomba rebentar. É precisamente por esse motivo que mandam Colter para o Source Code. Mas não podia com igual probabilidade o bombista ter implantado o dispositivo lá noutra altura qualquer, e estar seguro bem longe dali? Não podia o bombista ter saído do comboio uns minutos antes do momento em que Colter inicia a sua sequência? Claro que podia. Estar no comboio, como acaba por estar, é uma incrível coincidência que torna tudo demasiado fácil, até para o espectador. Mesmo assim Colter fica mais de meio filme à procura dele, simplesmente porque decide não ligar ao óbvio e anda a perseguir um monte de pistas falsas, suspeitando de toda a gente, até do seu alter-ego Sean. De novo o motivo é simples: o filme, que daria uma boa curta-metragem de 20 minutos, precisa de usar todos os estratagemas e mais alguns para se esticar até aos 90 minutos de duração…
"Mas no fundo tudo isto até seria aceitável num filme mediano de ficção científica não fosse o seu incrivelmente estúpido final. Pela primeira vez na história do cinema, deparamo-nos com um filme cujo twist final, em vez de surpreender o espectador e explicar os pormenores restantes da história, retira todo o sentido ao filme e destrói completamente as poucas valências que ainda tinha."
Mas no fundo tudo isto até seria aceitável num filme mediano de ficção científica não fosse o seu incrivelmente estúpido final. Pela primeira vez na história do cinema, deparamo-nos com um filme cujo twist final, em vez de surpreender o espectador e explicar os pormenores restantes da história, retira todo o sentido ao filme e destrói completamente as poucas valências que ainda tinha. Para mim, este é um dos piores twists da história da ficção científica, senão o pior. Se o filme tivesse acabado cinco minutos antes, ainda o poderíamos interpretar como uma simpática alegoria emocional e existencialista, enraizada na problemática de Colter, um soldado que tenta fazer último serviço ao seu país e a si próprio, redimindo-se ao salvar os passageiros de um comboio numa realidade virtual que supostamente não existe. Mas assim sendo, acabamos por ter um final horripilantemente Hollywoodesco, que não faz o mínimo de sentido, só para “tudo estar bem quando acaba bem”. Isto mais enfatiza a fraca qualidade do argumento e do argumentista, que estaria muito mais em casa no Canal Sci-Fi do que a escrever filmes para o talento visual de Duncan Jones.
Ao rever ontem ‘Source Code’ depois de o ter visto no cinema em 2011, recordei-me que realmente não há muito a dizer sobre esta obra. Vi um filme recentemente, ‘Remainder’ (2015), que padece do mesmo mal. Ambos são filme que entretêm minimamente, partem de interessantes premissas sci-fi e são suportados por um bom elenco. Mas no final tentam ser demasiado inteligentes para o seu próprio bem, e na sua tentativa de criar reviravoltas existencialistas acabam com um invólucro oco nas mãos. ‘Source Code’ tenta ser um thriller inteligente com ramificações filosóficas. E por momentos quase conseguia, maioritariamente graças ao domínio fílmico de Jones. Mas por mais que tente, nunca consegue esconder que a história é simplória e linear, está pessimamente desenvolvida e termina num forçado tom esperançoso comercial que seria minimamente suportado se fizesse sentido. Mas não faz.
"Se o filme tivesse acabado 5 minutos antes, ainda o poderíamos interpretar como uma simpática alegoria emocional e existencialista, enraizada na problemática de Colter (...) Mas assim sendo, acabamos por ter um final horripilantemente Hollywoodesco (...) Source Code’ tenta ser um thriller inteligente com ramificações filosóficas (...) Mas acaba com um invólucro oco nas mãos."
A próxima paragem de Jones seria ‘Warcraft’, um filme que esteve vários anos a desenvolver mas que acabou por ser um dos maiores fiascos do Verão de 2016. Portanto continua a ser ‘Moon’ o seu grande filme de referência. Já de acordo com o imdb há ai um ‘Source Code 2’ a caminho. Por mim tudo bem. Mas que desta vez que não se arruíne o filme com técnicas fraquinhas de blockbuster e finais patéticos.
Adorei o filme e sinceramente não me parece que a pessoa que escreveu a critica tenha entendido o verdadeiro sentido do filme
ResponderEliminarComo é óbvio, isso é sempre uma possibilidade. O que é uma pena, porque se não entendi então não desfrutei do filme devidamente. Por outro lado o que é "o verdadeiro sentido do filme"? Aquele que o realizador ou o argumentista lhe deram? Ou aquele que cada espectador interpreta por si? Portanto, há só um "verdadeiro sentido do filme"? Ou há tantos sentidos quantos espectadores?
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