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The Charge of the Light Brigade

Ano: 1936

Realizador: Michael Curtiz

Actores principais: Errol Flynn, Olivia de Havilland, Patric Knowles

Duração: 115 min

Crítica: Em 1935 a Warner Brothers decidiu realizar um filme de aventuras de piratas para revitalizar o género. Emparelharam um actor australiano virtualmente desconhecido (não a primeira opção para o papel) – Errol Flynn, uma figura esbelta e musculada, com uma jovem actriz em ascensão, que se tornaria nem uma década mais tarde uma das estrelas mais brilhantes da história do cinema – Olivia de Havilland, doce, profunda, magnífica, com uma grande queda para o melodramático (pode ler aqui a crítica de ‘The Heiress’, para mim a melhor performance dela). O filme, ‘Captain Blood’ (1935), foi um estrondoso sucesso de bilheteira e a Warner Bros. encontrou ouro cinematográfico com o seu novo par romântico. Rapidamente, tentaram capitalizar na sua electrizante química e no seu claro apelo de bilheteira, com uma série de filmes, produtos de estúdio duros e puros, fantásticas heranças de uma era em que a repetição (de fórmulas, de actores, de equipas técnicas) não era feita a cuspo e sem imaginação, como hoje, mas vinha imbuída de qualidade e de novas ideias, para criar um produto verdadeiro, único e cinematograficamente estimulante. No total, Flynn e de Havilland fizeram 8 filmes em conjunto entre 1935 e 1941, e não há praticamente nenhum que fique a dever aos outros. 

Uma das grandes razões para a gigantesca qualidade dos filmes deste par romântico está certamente no facto de 7 destes 8 filmes terem sido realizados por Michael Curtis, o húngaro que foi responsável pelas maiores obras da época de ouro do cinema americano. Conta-se no seu repertório o glorioso ‘Casablanca’ (1942), o magnífico ‘Yankee Doodle Dandy’ (1942) e o extraordinário ‘Mildred Pierce’ (1945), todos eles obras-primas perfeitas, ou quase perfeitas. Anos antes destes filmes, e após décadas no cinema mudo e como realizador da linha de montagem da Warner, Curtis teve em ‘Captain Blood’ um momento de consumação que marcaria uma nova fase da sua carreira. É só enumerar as suas obras-primas que se seguiram com o par Flynn-deHavilland: ‘The Adventures of Robin Hood’ (1938), ‘Dodge City’ (1939), ‘Santa Fe Trail’ (1940). Os restantes não são maus, simplesmente são menos bons, mas a infeliz verdade é que ‘The Charge of the Light Brigade’ inclui-se neste segundo grupo, e é um dos piores filmes que o par fez junto.

Hollywood teve sempre uma grande paixão por histórias de exércitos heróicos que se lançam para uma batalha épica final que seguramente irão perder, por estarem em menor número, desde ‘Forte Apache’ (1948) a ‘Braveheart’ (1995), passando por ‘Glory’ (1989) e ‘The Last Samurai’ (2003), e chegando a ‘300’ (2006). ‘Charge of the Light Brigade’ não é excepção a esta fórmula. Inspirado num poema de Lord Tennyson, escrito em 1854, que descreve os feitos heróicos da brigada ligeira do exército inglês durante a Batalha da Balaclava na Guerra da Crimeia, o filme tem uns últimos 15 minutos magníficos – a cena da tal batalha final – filmada de uma forma épica, mas a verdade é que não tem, ao longo de uma hora e meia, uma construção suficientemente digna desse final climático.

O filme conta a história, como não podia deixar de ser, de um punhado de homens de um regimento que esteve presente nessa batalha e que acabou por ter um fim trágico, no contexto da ocupação inglesa do Médio Oriente durante o século XIX. Flynn é o capitão desse regimento, e de Havilland é, claro, a sua esposa (ou já começa como esposa ou acaba por o ser no final destes filmes todos), embora tenha namorado no passado com o irmão de Flynn (interpretado por Patric Knowles). Este triângulo amoroso tem como intuito servir de contraponto às cenas de ‘exército’, dos treinos, da preparação, da tensão que antecede a grande batalha, mas não resulta muito bem pois é excessivamente melodramático e roçando o telenovelesco, mesmo para os limites que de Havilland estava habituada a atingir. Por outro lado, a história dos bastidores da batalha, das intrigas políticas, e das manobras do exército para trás e para a frente, tem um ritmo que, apesar de não ser o ideal e de ser um bocado lento, acaba por ser muito mais suportável e dá a consistência ao filme que as suas partes mais sentimentais não conseguem. Mesmo assim, esta construção de tensão, este desbobinar de eventos para a explosão final do ataque suicida, provavelmente resultou muito melhor para o público da altura do que para o de agora. Creio que o público moderno já viu a concepção da tensão muito mais bem trabalhada, e explosões muito mais épicas, para ficar surpreendido ou mesmerizado por qualquer coisa que este filme possa oferecer nesse sentido. Este ponto de viragem ocorre quando o regimento é traído pelo Khan e muitas mulheres, crianças e soldados são mortos. É então que o restante regimento se ergue para o poético ataque suicida. O final, obviamente, é trágico, mas é suficientemente poderoso e relevante para mudar o rumo da guerra. No entanto, não é suficientemente poderoso nem relevante para mudar o rumo do filme.

‘The Charge of the Light Brigade’ tem várias falhas conceptuais, é certo. Os ingleses são todos retratados como uns santos, enquanto os árabes são todos retratados como seres manhosos, enganadores e astutos (apesar de, claro, os Ingleses estarem a ocupar uma terra que não é deles, mas enfim…). Excluindo a cena da batalha final e do massacre, o momento alto do filme, este acaba por ter muitos poucos momentos que cativem o espectador e o puxem para o universo que está a retratar. E a tentativa de conceber uma história de base para as personagens, uma série de eventos pessoais e emotivos que transcendem a batalha, não resulta muito bem (décadas depois ‘Pearl Harbor’ ainda tornaria o conceito de “histórias-pessoais-pré-batalha” em algo ainda pior…). Mas por outro lado, ‘The Charge of the Light Brigade’ é um filme clássico de estúdio, uma obra consistente no reino do cinema de acção/aventura da década de ouro de Hollywood (quando finalmente chega à acção e à aventura!), tem aquele carisma e aquela qualidade que é difícil de definir e que só os filmes desta época possuem, apresenta uma filmagem ampla de espaços abertos que extravasa a filmagem em ‘cenários’ como poucos filmes da época (digna de fazer inveja a John Ford), tem um par de actores polvilhados de química, tem um final épico onde as estrofes do poema vão aparecendo no ecrã formando um efeito comovente e, para além disto tudo, tem um fantástico elenco. De Havilland é uma mestre em tudo o que toca, e há várias aparições de actores ingleses então ainda muito novos e que se tornariam grandes estrelas um par de décadas mais tarde, como David Niven, Nigel Bruce ou Donal Crisp. Só Flynn é que, tal como em toda a sua carreira, tem ainda grande dificuldade nas cenas em que tem de debitar uma grande quantidade de jargão sentimental.

Há dois filmes que gostaria de referenciar neste momento. O primeiro é ‘Gunga Din’, a obra-prima de George Stevens filmada em 1939 e que conta com Cary Grant no papel principal. Este é um dos meus filmes preferidos e a verdade é que quando vejo ‘The Charge of the Light Brigade’ consigo encontrar vários paralelismos entre as duas obras. ‘Gunga Din’ é também baseado num poema (neste caso de Kipling) sobre a Índia ocupada por Britânicos no século XIX e é também um filme de acção/aventura de exteriores num cenário exótico (e muito cenário de estúdio à mistura). Mas o que ‘Charge of the Light Brigade’ tenta ter em sentimental e humano, ‘Gunga Din’ tem em comédia de acção e de situação. ‘Gunga Din’ é o percursor de Indiana Jones, dos filmes da Múmia e de todas as extravagâncias cinematográficas que aliam guerra com acção com heroísmos com humor com piadas para a câmara. Entre os dois, e já que são conceptualmente parecidos, recomendo bem mais ‘Gunga Din’ que ‘Charge of the Light Brigade’, a não ser claro, que o leitor seja um fã incondicional do duo Flynn-deHavilland, ou prefira heroísmos trágicos climáticos. Mas há ainda um outro filme que poderá ser mais interessante que este clássico sobre a Batalha da Balaclava. Estou a referir-me ao remake de 1968 ‘The Charge of the Light Brigade’, realizado por Tony Richardson e que conta com as actuações de Trevor Howard, Vanessa Redgrave, John Gielgud e David Hemmings. Este filme alia o retrato realista da guerra à ideologia cinematográfica alienista dos anos 1960, e inclui pitadas de flower-power e paralelismos óbvios à revolução social dos jovens desta década do ‘swinging London’. O resultado deste épico de 2h20min é estranho e chega a ser surreal, mas é surpreendente. Mesmo não sendo realizado no estilo clássico que muito me apela, bem que poderá ser a versão cinematográfica mais forte deste evento histórico. 

‘The Charge of the Light Brigade’, versão de 1936, acaba por ter pontos por ser o produto de uma máquina de produção bem oleada que só muito dificilmente produzia um produto mau. Mas empalidece perante os filmes contemporâneos de Curtiz ou do próprio par Flynn-deHavilland, tem uma construção demasiado mixuruca que nem o fabuloso final consegue compensar e acaba por ser batido quer por outros filmes de estrutura análoga, quer, de certa forma, pelo seu próprio remake. E isso é raro. Se o leitor quer conhecer o par Flynn-deHavilland sob a batuta de Michael Curtiz, então ‘Captain Blood’, ‘The Adventures of Robin Hood’ ou ‘Dodge City’ são as melhores maneiras de começar. ‘They Died with Their Boots On’ (1941), o último filme do par e o único que não é de Curtiz (é de Raoul Walsh) também descreve um ataque suicida (o do General Custer, interpretado por Flynn, contra os índios em Little Big Horn) e é também mais bem conseguido que ‘The Charge of the Light Brigade’. Portanto, infelizmente, apesar das suas inerentes qualidade, em termos históricos este é um filme que acaba por ficar um bocado perdido e afogado por outras obras que são mais consistentes, mais relevantes, e acima de tudo, melhor cinema.


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Miguel. Portuense. Nasceu quando era novo e isso só lhe fez bem aos ossos. Agora, com 31 anos, ainda está para as curvas. O primeiro filme que viu no cinema foi A Pequena Sereia, quando tinha 5 anos, o que explica muita coisa. Desde aí, olhou sempre para trás e a história do cinema tornou-se a sua história. Pode ser que um dia consiga fazer disto vida, mas até lá, está aqui para se divertir, e partilhar com o insuspeito leitor aquilo que sente e é, quando vê Cinema.

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