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47 Ronin

Ano: 2013

Realizador: Carl Rinsch

Actores principais:  Keanu Reeves, Hiroyuki Sanada, Kô Shibasaki

Duração: 119 min

Crítica: Confesso que tenho estado um bocado alheado dos mais recentes blockbusters provenientes de Hollywood. A disponibilidade para ir ao cinema fora de casa não é muita e por isso sou um pouco mais criterioso nas minhas escolhas. Geralmente acabo por ver um ou outro uns meses mais tarde em casa, mas a verdade é que muita coisa me passa ao lado. Não creio estar a perder muito, pois uma variedade destes êxitos explosivos que vi nos últimos tempos (como ‘Pacífico Rim’ – crítica aqui) despontaram bastante, embora haja sempre um ou outro que vale mesmo a pena (como ‘Lone Ranger’ – critica aqui). Porque um bom blockbuster é, como já defendi nestas páginas varias vezes, uma forma de cinema necessária. O escapismo, o entretenimento e o mix de acção e comédia que podem proporcionar resultam em obras que, embora não duradouras, cumprem a sua missão plenamente; a de proporcionar uma boa ida ao cinema entre família e amigos.

Agora ’47 Ronin’ é daqueles blockbusters que não é uma coisa nem outra. Nem é entretenimento acéfalo com carradas de efeitos especiais e nula qualidade cinematográfica, nem é um blockbuster ‘de família’ ou ‘de ação’ em pleno que proporciona uma boa dose de entretenimento. É tão fraco e tão mau, mas de uma forma tão inocente e simplória, que não gera a repugnância nem a necessidade de um ataque frontal como gerou ‘Pacífico Rim’. Gera apenas, se alguma coisa, um pouco de condescendência e até alguma simpatia, pelo esforço que produtores, argumentistas e realizador (um estreante Carl Rinsch), coitadinhos, fizeram, com um material de base tão fraco (outro filme que vi recentemente, ‘Scorpion King’, 2002, gerou-me este mesmo sentimento).

Mas a realidade é que o material de base de ’47 Ronin’ não deveria ser fraco. A história de base provém da mitologia japonesa e é extremamente famosa neste país. Alias, diz-nos o imdb que esta história já foi filmada 7 vezes, sempre em japonês. Há inclusive uma versão de 1941 do fabuloso realizador Kenji Mizoguchi, que infelizmente nunca vi. Mas não há que enganar. Esta é uma história épica de vingança. Um senhor feudal japonês é traído e forçado a cometer harakiri, ou seja, suicidar-se para manter a honra da sua família. Os seus samurais são expulsos e tornam-se ronin (samurais sem um senhor). Estes juram vingança e anos mais tarde, os 47 que sobram fazem um ataque suicida à fortaleza onde está o homem que traiu o seu senhor, com o intuito de se vingar. Concebido para o cinema dos dias de hoje, estava aqui material para uma espécie de ‘300’ (2006), e que, bem construído, poderia resultar num excelente filme de acção entrelaçado com mitologia japonesa.

Infelizmente, esta versão de 2013 tenta ser um ‘300’, sem as gloriosas cenas de luta, mas tenta também ser um ‘The Last Samurai’ (2003), bem como um grande drama social. Em termos de luta, fantasia e efeitos especiais, há infelizmente poucas achegas, e quando explodem no ecrã fazem-no de uma forma tão fraquinha que não atingem nem seduzem ninguém. Onde estão as partes de fantasia, de criaturas mágicas e mitológicas (há cerca de 3 em todo o filme, o resto é tudo humanos de carne e osso), onde estão as lutas desenfreadas (já vi ataques suicidas melhores em filmes dos anos 1950 e 1960 como em ‘Seven Samurai’, 1954, de Kurosawa), onde estão os efeitos especiais? Em relação a este último ponto saliento a cena, tal Senhor dos Anéis, em que os ronin cavalgam numa colina verdejante e passam por uma estátua gigantesca de buda talhada na pedra. Antes que a câmara apanhe em pleno esta estátua, antes que o público se aperceba dela, há o corte para outra cena. Recordou-me a passagem pelos portões no final de ‘Fellowship of the Ring’ (2001). Mas aí vimos em longos planos as estátuas, enquanto a companhia remava. Milhões de dólares para desfrutarmos do efeito em pleno por longos segundos. Em ’47 Ronin’ vemos milhões de dólares desperdiçados em algo que o público nem consegue apreciar. Porquê? Porque o filme dá muito mais ênfase à sua parte dramática, e renega os efeitos visuais, a pancadaria, e a mitologia japonesa para mero plano de fundo e contextual. É certo que esta escolha ousada poderia resultar muito bem e tornar o filme muito mais inteligente. Mas isso não acontece, com estes actores, com este realizador, e com esta adaptação da história.

Quando um filme começa com uma voz off longuíssima que nos tenta explicar não só o que é o Japão, o que é a mitologia japonesa, o que é um shogun, um samurai, um ronin, mas, para além disto tudo, como uma criança misteriosa é encontrada na floresta, criada pelo senhor feudal, se apaixona pela filha deste quando cresce, mas que é sempre tratado como um pária porque não é japonês, tudo em 5 minutos, então sabemos que algo não está muito bem com o filme. Essa criança claro, é Keanu Reeves, que não sei bem o que está a fazer aqui. Diz tudo com um tom extremamente solene, moroso e incrivelmente monótono, como se estivesse a actuar por favor. Se calhar está. Se calhar o facto de outro filme, ‘Man of Tai Chi’ estar prestes a sair, realizado pelo próprio Reeves, justifique esta falta de esforço. Reeves actua aqui apenas para conseguir financiar o seu próprio filme e recordar o seu nome ao público? É mais que provável!

Depois desta longa introdução há a primeira cena de acção, saída directamente da ‘Princesa Mononoke’ (1997): o ataque de um animal mitológico (quase o único que aparece em todo o filme) que só é detido a muito custo por Reeves. Não só Reeve não leva o crédito pelo seu feito (ostracizado pela nésima vez no filme) como o público tem de esperar mais de uma hora para ver qualquer coisinha com ritmo outra vez. Até lá desenrola-se a trama de base de 47 Ronin. A filha do senhor feudal (Kô Shibasaki) ama Reeves mas este sabe que o seu amor nunca poderá existir devido à barreira social que os separa. O mau desta historia (Tadanobu Asano) que deseja casar com esta bela filha, e a sua bruxa (a sedutora actriz Rinko Kikuchi, que elogiei minimamente em ‘Pacific Rim’ e que foi nomeada para o Óscar em ‘Babel', 2006) que aparentemente quer o mal pelo mal (nunca são muito bem explicadas as suas razões) urdem um plano para trair e apoderar-se das terras do senhor feudal. Como não podia deixar de ser, Reeve é o único que topa a marosca, mas como é apenas o ‘mestiço’ ninguém lhe liga nenhuma… Passados muitos momentos de tédio, o senhor feudal morre, a filha fica noiva do mau, os samurais são expulsos, o chefe dos samurais (Hiroyuki Sanada) é, tal Bruce Wayne, enfiado num poço, para, e passo a citar, ‘a sua vontade ser quebrada’, e Reeve é vendido como escravo.

E neste momento faço a pergunta dos 100 mil euros. Porque é que o mau não mata os nossos dois heróis, Reeve e o chefe dos samurais? Teria evitado muita complicação futura. Quando 1 ano depois, o chefe dos samurais é libertado do poço e deixado à sua sorte, a sua vontade está tudo menos quebrada. A primeira coisa que faz é procurar Reeves e os restantes samurais para se vingar. E Reeves também está na ilha dos escravos à espera do seu momento. Esta é a primeira de muitas decisões estúpidas dos maus que dão muito pouca credibilidade ao filme. Parece um filme do James Bond. Falam sempre mais um bocadinho, antes de matar quem devem matar. Mas quem eu não entendo mesmo é a bruxa, que durante dois terços do filme faz a vida negra aos nossos heróis, deturpa mentes, seduz bons, mata pessoas, prevê o futuro. Contudo, quando uma emboscada mata quase todos os ronin (menos os tais 47), ela não consegue ver, com os seus poderes, que os 47 sobreviveram. Há um cerco, o iniciar de um fogo, um monte de setas disparadas, e muita luta de espadas. De alguma forma pouco explicada, Reeves e os restantes heróis escapam pelo meio das chamas. Mas a bruxa vai-se embora toda contente; ‘foram todos mortos’! Não consigo perceber.

Mas os próprios bons também fazem escolhas estúpidas. Quando ainda são muitos (uns 94, não sei) decidem que não são em número suficiente para atacar a fortaleza do mau. Por isso concebem um plano de atacar a sua comitiva na estrada, quando ele vai a um santuário. É aí que sofrem a tal emboscada e ficam reduzidos a 47. Mas, apenas com 47, o que imediatamente fazem a seguir é atacar a fortaleza. Agora com menos já dá? Como assim?

E por fim o próprio filme também não se percebe bem o que quer. No início e no fim tem voz off, mas nunca a meio. Por outro lado há 2 legendas apenas. Quando o mau aparece pela primeira vez aparece a legenda ‘Lord Kira, senhor de não sei donde’, embora na cena seguinte ele seja apresentado na corte, da mesma maneira. Porquê a legenda? Do mesmo modo, os ronin em determinada altura decidem ir para uma cidade procurar armas. Na cena seguinte chegam a uma cidade. E prontos, lá aparece a legenda com o nome dela. Surpresa, surpresa, é a mesma! Acham os produtores que o público não percebe onde os nossos heróis estavam a chegar? Esta forma de tratar o espectador como um mentecapto tira-me do sério. Ao menos que fossem coerentes, e fizessem isso no filme todo. Desta forma parece que puseram a legenda só nos sítios onde a audiência de teste disse que não estava a perceber a história.

Bem, resumindo, resumindo, nenhuma destas falhas é muito grave, até porque o filme não enfatiza o seu material como se fosse a nona maravilha do mundo. Creio que todos os envolvidos estavam perfeitamente cientes do material que estavam a conceber e isso dá pelo menos alguma honestidade ao filme. É uma pena que as cenas de efeitos especiais sejam parcas e insossas. Reeves é ele próprio detentor de poderes mágicos, mas jurou a si próprio que nunca os utilizaria. Quando o faz, mesmo no fim (pois é a única forma de vencer a bruxa), só o faz uma vez. Dura 2 segundos no ecrã. E prontos, a bruxa morre. É uma pena que isto não seja nada explorado (aliás todos os maus têm mortes mixurucas). É uma pena também que quem escreveu as partes dramáticas tenha-as baseado numa grande caldeirada de lugares comuns, e é uma pena que o filme demore mais de uma hora a chegar ao sumo. A vingança, o ataque dos 47, dura muito menos que a história de ‘amor’ e a história do ‘pária Reeves’. Não se percebe para que é tanta historieta. O filme nem é drama de época, nem é filme de acção, nem é filme de fantasia. Fica no limbo entre estes estados e nenhum deles satisfaz porque nenhum é explorado em pleno. Cada um parece que fica a meio, e da junção dos meios gera-se o filme. Falta sempre o último acto, a ponderação do que ocorreu, o clímax emocional. Acontece qualquer coisa e pronto, passa-se à seguinte. Inclusive o sacrifício final dos 47, o seu próprio harakiri, passa-se como se nada fosse. E mais uma vez, não entendo isso. Não sei se é da montagem, se da realização, se do argumento. Tal como o produto final, o trabalho de cada um destes departamentos parece ficar a metade.

’47 Ronin’ é um filme pouco estimulante intelectualmente, que vai passando tranquilamente, sem que a fraca qualidade do seu material ofenda por aí além o espectador, sem que o repugne completamente e sem que o faça ter vontade de sair da sala. É cinema medíocre mas que se aguenta, um esforço simpático mas muito fraco, é um filmezeco semi-heróico, semi-inspiracional, semi-dramático, semi-fantasioso, de semi-acção. Sempre semi. Nunca completo.

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Miguel. Portuense. Nasceu quando era novo e isso só lhe fez bem aos ossos. Agora, com 31 anos, ainda está para as curvas. O primeiro filme que viu no cinema foi A Pequena Sereia, quando tinha 5 anos, o que explica muita coisa. Desde aí, olhou sempre para trás e a história do cinema tornou-se a sua história. Pode ser que um dia consiga fazer disto vida, mas até lá, está aqui para se divertir, e partilhar com o insuspeito leitor aquilo que sente e é, quando vê Cinema.

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