Realizador: Stephen J. Anderson, Don Hall
Actores principais (voz): Jim Cummings, Craig Ferguson, John Cleese
Duração: 63 min
Crítica: Sábado. Abril de 2011. 10h30 da manhã. Uma sala de cinema cheia de criancinhas, alguns pais, e eu e a minha namorada (pois havíamos ganho bilhetes). Ante-estreia do então novo filme de Disney ‘Winnie the Pooh’.
Cheio de sono, não estava à espera de muito. Apesar de ser o único lançamento oficial do colosso Disney Animation Studios de 2011, não tinha sido exactamente muito promovido. ‘Tangled’ tinha sido lançado no Natal anterior, nem seis meses antes, e dai a nada, em Junho, estrearia ‘Cars 2’, da Pixar (pertencente à Disney desde 2006), e esse sim é que seria o grande lançamento da temporada e que estava a ser alvo de toda a atenção. Entre estes dois portentos milionários, ‘Winnie the Pooh’ parecia um bocado perdido. Ainda por cima, nos últimos 7 anos, desde ‘Home on the Range’ (então anunciado como o último filme de animação tradicional que a Disney faria), a Disney propriamente dita só tinha voltado atrás na sua palavra uma única vez, ao lançar no cinema um filme que não de animação por computador: ‘Princess and the Frog’ (2009). Todos os restantes filmes de animação tradicional que a Disney havia produzido desde 2004 tinham provindo dos seus estúdios subsidiários (como o DisneyToons Studios), focalizados em produzir obras menores, geralmente directas-para-DVD, onde se incluíram, nos últimos anos, alguns filmes do universo Winnie the Pooh, nomeadamente ‘Tiger Movie’ (2000) – uma delícia de filme – e, após o sucesso comercial deste, ‘Piglet’s Big Movie’ (2003) e ‘Pooh Heffalump Movie’ (2005). Os 3 têm o logotipo do DisneyToons Studios e nenhum deles faz parte da lista oficial de clássicos da Disney. Aliás, apenas um filme deste universo, o original: ‘The Many Adventures of Winnie the Pooh’ (1977), é que fazia, até então, parte desta cobiçada lista (é o nº 22).
Como disse, cheio de sono, não estava à espera de muito. Este 51º clássico oficial da Disney, ensanduichado entre ‘Tangled’ e ‘Wreck-it Ralp’ (que estava em fase final de produção), de apenas 63 minutos, parecia ter sido feito para o mercado de DVDs como os seus antecessores, para apelar apenas a um público infantil. Parecia que a decisão de o lançar no cinema tinha ocorrido quase que por acaso, com vista a obter um maior rendimento (tal como aconteceu este último Verão com o filme ‘Planes’ da Pixar/DisneyToons). Mas de repente, quando as luzes se apagaram e o filme começou, engoli todos estes pensamentos. Fiquei completamente siderado. O filme era, e é, magnífico. É engraçadíssimo, visualmente apelativo, didáctico, oferece uma moral e entretém como poucos.
Como a maior parte dos filmes de animação recentes vem acompanhado de uma curta, sobre o simpático monstro de Loch Ness, que pode ser descrita com todos os adjectivos que enumerei no parágrafo anterior. Um verdadeiro regalo para as crianças.
Depois, o filme propriamente dito começa. Narrado pelo glorioso John Cleese, com a sua mais bela pronuncia britânica, ‘Winnie the Pooh’ não só segue o formato visual que já se tornou norma nos filmes deste universo, como o extravasa, sem contudo se tornar exagerado. Ou seja, o narrador interage com as personagens, estas saltam (literalmente) para fora do livro, mas também no próprio livro, tropeçando nas letras (cujos trocadilhos que se formam também são usados para efeitos da história), trepando os parágrafos, virando as páginas, até que a câmara faz zoom numa imagem e a história prossegue no mundo mágico que estas personagens habitam. Este formato, que se tornou normal desde o filme de 1977, é reformulado de uma forma tão inventiva neste filme que quase parece original, o que proporciona uma acrescida dinâmica e um acrescido ritmo às transições de cena.
Saltando de dentro para fora do livro de contos, as ilustrações ganham vida em mais uma aventura do pequeno e fofo (pelo menos exteriormente) ursinho viciado em mel. Uma manhã Pooh acorda e, como não podia deixar de ser, está completamente esfomeado. Mas, azar dos azares, todos os seus potes de mel estão vazios. Em vão procura um pote de mel que sacie a sua fome. Quando não o acha em casa, sai para prosseguir com as suas buscas. Ao mesmo tempo, o burro, sempre deprimido como de costume, perdeu a sua cauda, e após uma consulta com os seus amigos, há a decisão de dar como recompensa um pote de mel a quem quer que a encontre. Todas as personagens deste universo, o maravilhoso tigre, o porquinho Piglet, o mocho, o coelho e até o rapaz humano, Christopher Robin (o elo de ligação ao mundo imaginário), partem em busca da cauda desaparecida. Mas quem a busca mais veementemente é Pooh, desejoso do pote de mel que sacie a sua fome cada vez mais crescente. Volta e meia, Christopher ‘desaparece’, deixando uma nota a dizer que “volta já” (‘back soon’ em inglês) e então todos os animais entram em pânico, a pensar que ele foi raptado por uma criatura chamada Backson. Aí juntam forças (e a pouca coragem!) para o tentar capturar!
Como o leito já percebeu, ‘Winnie the Pooh’ é um marco notável da animação para crianças. A sua história incrivelmente simples constitui uma aventura que fará as delícias dos mais pequenos, porque é rica em momentos divertidos, didácticos (sobre o alfabeto e a construção de palavras), canções que ficam no ouvido, e uma mensagem que reflecte a clássica moral da amizade e da lealdade. E tudo isto é dado através de um desenho belíssimo, que se afasta daquele presente normalmente na animação, para reflectir o aspecto das ilustrações de um livro para crianças.
A única coisa que parece estar sempre fora do lugar, não só neste filme, como em todos os do universo de Winnie the Pooh já desde 1977, é a personalidade de Pooh. Pooh é, na realidade, o herói mais egoísta e egocêntrico da Disney. Se decompusermos a sua personalidade, vemos que é de certa forma repugnante. Pooh está apenas interessado em encontrar algo para comer, e se repararmos bem, ele faz coisas bem mesquinhas para conseguir isso, incluindo usar as outras personagens para os seus próprios propósitos egoístas. Geralmente tudo acaba bem mas fica-me sempre um travo azedo na boca quando penso nalgumas atitudes que Pooh tem nestes vários filmes. Personagens brilhantes como o Tigre, por exemplo, criam muitos mais laços de afecção com o público (terá sido essa a razão do relativo estrondoso sucesso de ‘Tiger Movie’?!). Pooh tem um aspecto fofo, mas as suas atitudes não reflectem os valores Disney e isso cai-me sempre mal.
Independentemente disto, ‘Winnie the Pooh’ é um filme mágico. Se não o viu no cinema e se tem crianças, este é certamente um filme excelente para as colocar em contacto com a melhor magia que a Disney consegue produzir. Se não tem, bem, sempre pode alimentar a criança que há dentro de si. Só a Disney, a verdadeira Disney, é que consegue, mesmo 90 anos depois da sua formação, atingir o coração das crianças ou da criança que há em cada adulto, com um simples e humilde produto de 1h. É completamente cativante e enternecedor como ainda o conseguem fazer, quando querem. Este é o tipo de filme com o qual cresci, e que agora se encontra à deriva no meio do gigantesco mercado de animação por computador pós-Pixar. Este é o tipo de filme com o qual as crianças de agora deveriam crescer, e é bom saber que a Disney ainda não se esqueceu como é que eles se fazem, e que ainda consegue arranjar espaço, de quando em quando, para os lançar no grande ecrã em vez de o fazer apenas ‘directo-para-DVD’.
Agora que John Lasseter, o grande motor da Pixar desde a sua formação, é o director de produção da Disney, e agora que a concorrência no mercado da animação é gigantesca, a Disney tem enveredado por um novo caminho. ‘Wreck it Ralp’ (2012) por exemplo, é um produto que poderia sair tanto da Pixar, como do Blu-Sky Studios ou da Illumination Entretainment. Mas se a Disney olhar para os números, verá que o seu maior sucesso da última década foi ‘Tangled’, que só é de animação por computador por acaso (é um filme todo feito ao estilo da animação tradicional, excepto no visual final). ‘Tangled’, ‘Princess and the Frog’ e ‘Winnie the Pooh’ são provas que a Disney ainda pode fazer, quando quer, excelente animação, e provas também que o público ainda está receptivo a ser cativado por universos mágicos e simples. Não é preciso encher o ecrã de efeitos para fazer boa animação. Não é preciso gastar milhões de dólares para ser bem conseguido. ‘Winnie the Pooh’ custou pouco, é simples, mas é tudo o que se pode querer de bom cinema de animação destinado a todas as crianças, incluindo as que já cresceram.
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