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Reds

Ano: 1981

Realizador: Warren Beatty

Actores principais: Warren Beatty, Diane Keaton, Edward Herrmann

Duração: 195 min

Crítica: ‘Reds’ é um dos filmes mais estranhos, mas ao mesmo tempo mais brilhantes que alguma vez foram catalogados como ‘sagas épicas’. Aliás, o seu rótulo deverá ser, mais correctamente, ‘saga épica política’ (um género que não apela à maior parte do público – nem a mim geralmente), e chamo-lhe estranho porque acaba por ser muito mais que isso, o que não é nada normal neste tipo de filmes. A epicidade acaba por ser maioritariamente uma fachada e o filme constrói o seu suporte, em vez disso, num lado muito mais emocional e íntimo. A maior parte das massivas 3h10min de duração do filme é passada num retrato humano e engraçado do seu casal principal (Warren Beaty e Diane Keaton), através de um argumento fantástico e cheio de humor, e com a preciosa ajuda de um leque de soberbos actores secundários (Jack Nicholson, Maureen Stapleton, Edward Herrmann). Só a mais de meio é que o filme de repente se lembra que tem que envolver política na trama, mas mesmo quando o faz, nunca se esquece do fio condutor da história pessoal que está a contar. Ou seja, a história é de personagens primeiro e de política depois. Ao contrário da maior parte dos filmes deste género (ou de todos excepto este) onde os eventos é que são importantes e as partes ‘humanas’ são espetadas a cuspo no filme só para o ‘encher’, em ‘Reds’ a parte política do filme é condicionada pelas personagens retratadas e flui delas naturalmente. É esta forma de contar a história que torna o filme tão original, e tão bom.

Na verdade, ‘Reds’ não é um trabalho nem tão grandioso, nem tão épico, nem tão opulento, nem tão melodramático como a maior parte dos épicos (como os de David Lean, por exemplo), e é realizado de uma forma muito menos artística e vistosa. Em vez disso, é um trabalho que provém do coração, muito mais íntimo, e que afecta o espectador sem ser condescendente nem forçando sentimentos. A principal razão para isto acontecer é provavelmente o facto de o filme não ser realizado por um experiente realizador, mas sim pelo próprio actor Warren Beatty. Apenas no seu segundo filme como realizador (após ter co-realizado o simpático ‘Heaven can Wait’ de 1978) Beatty foi um dos primeiros de uma longa lista de actores que se tornaram realizadores para fazer projectos pessoais, e que acabaram por ganhar Óscar de Melhor Realizador sem alguma vez ter ganho um Óscar de Melhor Actor (como Robert Redford, Clint Eastwood, Kevin Costner ou Mel Gibson). Para além deste Óscar, ‘Reds’ acabou por ganhar mais dois (Fotografia e Melhor Actriz Secundária para Maureen Stapleton) num total de 12 Nomeações. Aliás, este é o último filme a ter sido nomeado para as 4 categorias de actuação, o que reflecte mais uma vez como este é um filme de actores, pessoal, muito mais que um filme de eventos ou de uma avalanche de técnica cinematográfica.

‘Reds’ conta a história (supostamente) verídica de John Reed (um nome conveniente!), um jornalista político que na década de 1910 ficou fascinado pela ideologia comunista e pela revolução russa, e que acabou por se tornar o líder do Partido Comunista dos Estados Unidos. Obviamente, foi perseguido pelo Governo Americano e acabou os seus dias a viver na Rússia, exilado. Este layout poderia dar azo a um filme extremamente polémico e controverso (que certamente ganharia notoriedade por causa disso), mas Beatty (não só realizador mas também co-argumentista, ao lado de Trevor Griffiths) nega tudo isso pela forma brilhante como decide construir o filme, e pelo tom que lhe decide dar.

A história é contada num estilo semi-documental, entrecortando a acção (episódios da vida de Reed) com entrevistas verdadeiras a pessoas que realmente o conheceram. Este saltar entre a ficção filmada e as entrevistas verdadeiras é feito de uma maneira incrivelmente fluída, através de um trabalho de edição notável e um uso fabuloso, e eu quero mesmo dizer fabuloso, da narração em voz off para as sequências de passagem de tempo. A voz off é um artifício comum em filmes, e infelizmente uma grande parte das vezes é usado em exagero para explicar coisas que a falta de qualidade dos realizadores não permite explicar por imagens. Mas aqui, a voz off é introduzida como deve ser, e torna-se uma parte integrante do filme e da sua imagem como o é, por exemplo, o uso da banda sonora.

A primeira hora e meia do filme retrata a relação de Reed com a personagem interpretada por Diane Keaton, uma escritora com um espírito livre (talvez demasiado livre para a época de 1910) e que acabaria por se tornar sua esposa, no contexto de uma sociedade pré Primeira Guerra Mundial e que pouco depois tem que aprender a lidar com esta Guerra. O argumento nesta fase é muito divertido, mas lentamente vai incutindo uma sensação de “ameaça” – a ideologia comunista, que paira nos círculos onde estas personagens se movem. Mesmo assim, o enfoque está sempre no casal primeiro, e só depois no meio social que frequentam, onde se incluem personalidades famosas como Eugene O’Neil (interpretado na perfeição por Jack Nicholson), que acaba por ter um caso com a personagem de Keaton, ou os líderes revolucionários comunistas interpretados por Edward Herrmann e Maureen Stapleton. Esta última passa praticamente despercebida durante duas horas, mas as suas cenas no último terço do filme têm um inegável fascínio que a marcam (talvez ainda a marcam mais por ocorrerem perto do final do filme), e que foram suficientes para que o Óscar de Melhor Actriz Secundária lhe fosse atribuído sem grande contestação.

Só após a Revolução Russa no final da década de 1910, e após assistirmos à viagem de Reed até à Rússia para conhecer os seus mentores e ser oficialmente reconhecido como líder do Partido Comunista Americano é que o filme, aí sim, se torna muito mais político. Enquanto o seu mundo, o seu estilo de vida, e o meio onde se movia ruem à sua volta, Reed luta para se manter fiel aos seus princípios, aos princípios do comunismo, e por propagar a sua mais bela essência, na inocência da teoria. Às vezes está só nesta luta que acaba por ser trágica, mas Keaton inevitavelmente regressa, com uma certeza cíclica. O seu amor é poderoso, mesmo que se passe um intervalo de anos. E o melhor do filme é que não precisa de forçar nenhuma cena para nos mostrar isso. O público sabe-o instintivamente.

Warren Beatty tornou-se, como se sabe, muito envolvido na política quando atingiu a meia-idade (nos 30 anos que já se passaram desde ‘Reeds’ apenas fez mais 6 filmes, o último já em 2001), mas em ‘Reeds’ foi suficientemente inteligente para não se deixar cegar por um ataque frontal ao sistema, nem se deixar tentar pela facilidade de fazer juízos de valor. Beatty criou uma obra prima, uma história centrada em personagens e não em ideologias, uma história centrada em pessoas e não em política. Mas claro, sub-repticiamente, os princípios estão subjacentes à trama e tentam penetrar na tela em várias alturas do filme, mesmo que uma forma discreta. Mas cabe ao público decidir aceitá-los ou não. O filme nunca os força, nunca os impinge.

‘Reeds’ é um épico de 3 horas sobre a história mais básica existente: o amor de um homem com uma mulher. Simplesmente, o casal vive numa altura de grande consternação social, e portanto as personagens dividem-se entre encontrar o seu lugar, demarcar uma posição e ser relevantes, e manter o seu relacionamento amoroso a par de tudo isto. Mas uma vertente nunca anula a outra. O filme tem uma mensagem política inerente, sim. Ataca algumas da tradições mais básicas do sistema americano, sim. Mas nunca teria sido aceite pelos americanos, nem teria ganho Óscares se não fosse subtil nem ascendesse acima disso. Ascende. E de que maneira.

Este é o último grande filme de Beatty, quer como realizador quer como actor, mas que despedida de peso foi do cinema relevante! Eu sou uma pessoa completamente ateia em termos políticos, mas não deixo de amar este filme, especialmente a sua primeira parte. É acima de tudo, uma história íntima, de personagens, muito bem construída, que nunca se deixa afogar pelo contexto. Arrisco-me a dizer que é o segundo melhor ‘épico russo’ alguma vez feito, a seguir, claro, a ‘Dr. Zhivago’ (1965) de David Lean.

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Miguel. Portuense. Nasceu quando era novo e isso só lhe fez bem aos ossos. Agora, com 31 anos, ainda está para as curvas. O primeiro filme que viu no cinema foi A Pequena Sereia, quando tinha 5 anos, o que explica muita coisa. Desde aí, olhou sempre para trás e a história do cinema tornou-se a sua história. Pode ser que um dia consiga fazer disto vida, mas até lá, está aqui para se divertir, e partilhar com o insuspeito leitor aquilo que sente e é, quando vê Cinema.

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