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La migliore offerta

Ano: 2013

Realizador: Giuseppe Tornatore

Actores principais: Geoffrey Rush, Jim Sturgess, Donald Sutherland

Duração: 124 min

Crítica: Sempre que o realizador italiano Giuseppe Tornatore, um dos maiores artistas europeus da sétima arte ainda em actividade, apresenta um novo filme, tem que acarretar com o rótulo, nos pósteres e nos trailers, de ‘realizador de Cinema Paraíso’. Apesar de nunca mais ter repetido o sucesso crítico e comercial daquele que foi o apenas o seu segundo filme (em 1988), a verdade é que a carreira subsequente de Tornatore como realizador, embora espaçada, oferece outras obras, não tão perfeitas é certo, mas igualmente dignas de interesse, quer pela sua magia (‘La Leggenda del pianista sull’oceano’, 1998, uma obra prima), quer pelo retrato nostálgico da Sicília da infância do realizador (‘Malena’ de 2000, ‘Baaria’ de 2009).

‘La Migliore offerta’, em português ‘A Melhor Oferta’, poderá ser diferente, em termos de história, dos seus maiores sucessos como realizador, mas não é assim tão diferente conceptualmente. Isto não é mau, pois o filme foca-se menos na envolvente e no ambiente em que se movem as personagens e muito mais nas personagens em si, na sua psicologia, nas suas nuances, e no arco emocional que descrevem desde o início ao fim do filme. 

A história centra-se na personagem de Geoffrey Rush, um dos mais proeminentes críticos de arte e leiloeiros a nível mundial. É-nos apresentado como um homem abastado mas recluso, viciado na ordem e no trabalho. Raramente olha mulheres nos olhos e usa sempre luvas. Os seus fatos são todos iguais, come nos melhores restaurantes e é exímio a detectar obras de arte falsificadas. Por isso os maiores museus e casas de leilões mundiais contratam sempre os seus serviços. O que não sabem é que, com ajuda de um cúmplice, Donald Sutherland, Rush por vezes avalia oficialmente mal certos quadros (sempre retratos de mulher) que depois compra anonimamente, a um preço mais baixo, para si. Na solidão da sua penthouse, à noite, é nessa sala secreta, onde guarda todas essas grandes obras, que se sente saciado.

Este equilíbrio, esta rotina, que o filme estabelece, é quebrada no seu dia de anos. Por rotina e superstição atende sempre a primeira chamada desse dia pessoalmente (em vez de ser o seu assistente). É de uma jovem mulher que deseja vender o espólio da grande mansão que os seus pais lhe deixaram como herança, e quer que seja Rush a avaliar e a leiloar esse espólio. Primeiro Rush quer deixar isso para um subalterno, mas a insistência e a estranha personalidade da mulher ao telefone intrigam-no. Mais intrigado fica ainda quando nunca encontra essa mulher, nem sequer na própria casa dela. Este mistério exacerbado pela relação pelo telefone, aliado ao interesse que tem em certas obras que existem na casa dela, atraem-no cada vez mais à personalidade que não conhece. E um dia descobre que essa mulher sobre de agorafobia, e que vive num quarto fechado dentro de casa. Entre os dois, através de uma porta fechada, desenvolve-se uma relação, sem Rush alguma vez a ter visto.

O filme aborda este duplo conflito na personalidade de Rush. Primeiro a quebra da sua rotina de homem só que vive exclusivamente para as obras de arte que colecciona, que descobre um amor obsessivo (e mais tarde, quando se esconde na casa, voyeurista) por uma mulher que nunca viu que está do outro lado de uma parede. E segundo o seu interesse por reconstruir um autómato de suposto elevado valor cujas peças vai encontrando por entre o espólio da mansão. Para isso conta com a ajuda de um jovem mecânico, Jim Sturgess, um ‘ladies man’ que também lhe dá conselhos sobre como conquistar a mulher misteriosa (interpretada por Sylvia Hoeks quando finalmente aparece). Obviamente, a personalidade de Rush vai mudando e vai-se quebrando. Há um elo emocional entre as duas pessoas de cada lado da parede, e o homem de rotina estrita vai-se lentamente decompondo, subjugado em partes iguais ao amor que desconhece, à obsessão (quer laboral quer corporal), e à curiosidade da satisfação do mistério. O actor Geoffrey Rush encarna na perfeição este arco descendente da personagem.

Claro que esta concepção esconde outros segredos. Desde cedo o filme dá-nos pistas que as coisas não são exactamente o que parecem, e que Rush poderá estar a ser enganado. Ou melhor, há algo que não bate certo em toda a história da mansão e da mulher fechada no quarto. Mas o que é interessante é que o próprio Rush parece saber isso, mas mesmo assim embrenha-se mais, porque não consegue resistir a saciar os seus desejos. E qual o segredo do autómato?

Felizmente, este é um filme que se constrói lentamente e que se aprecia pelo seu crescimento e desenvolvimento, pela beleza da realização e da actuação e não pelo twist que acaba por acontecer. Assemelha-se a algo mais sumptuoso, como por exemplo os filmes sobre Tom Ripley (mais o de Wenders de 1977 do que o de Minghella de 1999), embora sem a vertente mais degradante, do que propriamente a um ‘Wild Things’ (1998) ou um ‘The Usual Suspects’ (1995). O twist é bom, sem dúvida, mas é previsível. Adivinhei-o meio hora antes do filme terminar. Isto é mau para o filme, é certo, mas há algo positivo. Uma vez revelado, não há aquela explicação mastigada para que o público perceba (como acontece por exemplo em ‘Wild Things’ e suas sequelas nos créditos finais). O filme trata o público com inteligência. Não há nenhum flahsback para vermos certa personagem actuar de certa maneira, nem vemos a consequência do golpe em nenhuma personagem senão a de Rush. E esta é a mais valia do filme. Foca-se exclusivamente na ascensão e queda, no arco emocional, de Rush. Há uma série de eventos e depois um twist, mas isso é talvez o menos importante. O importante é o caminho que a personagem percorreu. Algo de semelhante foi feito por Almodóvar em ‘La Piel que Habito’ em 2011. Aí o twist era bem melhor e muito mais imprevisível, mas no final de contas, o filme era também sobre a psicologia da personagem de Banderas, e não um thriller superficial só para saber se o público consegue adivinhar ou não o que realmente aconteceu.

Nas suas famosas entrevistas a Hitchcock, Truffaut diz-lhe que tem sempre cuidado na escolha dos títulos para os seus filmes, pois mesmo que o filme seja bom, um título sujeito a trocadilhos (especialmente a trocadilhos de cariz mais insultuoso) pode fazer com que os críticos (que geralmente estão mais preocupados com a poesia da sua crítica do que com o filme) destruam o filme. Poder-se-ia escrever por exemplo ‘O filme ‘A melhor oferta’ é a pior oferta que o cinema este mês oferece’. Na realidade, não por estas razões, acho que o título escolhido é mesmo a pior coisa que o filme oferece, já que é muito insosso comparado com o material apresentado. O filme ‘A Melhor Oferta’ acaba não por ser a melhor nem a pior oferta que as salas de cinema nos têm oferecido, mas é no entanto algo que sem dúvida tem muito mais qualidade do que aquilo que presentemente chega da América. Não é um grande filme, mas é um bom filme (e quão raro é dizer isto nos dias de hoje). É um filme realizado por um mestre, de grande execução técnica e excelente design de produção. Tem uma sólida performance de Rush e uma performance, não sólida mas pelo menos entusiasta, dos três actores principais mais jovens (Liya Kebede, Sturgess e Hoeks). É um filme que seduz na sua construção e nos leva consistentemente por um bem trabalhado percurso emocional. Acaba por não ser muito profundo mas é convincente, e o twist poderá ser previsível a partir de certo ponto mas é sólido e sustém o filme. E, como disse, o final é inteligente, e foca-se onde se deve focar em vez de andar a explicar coisas que o público poderá facilmente entender se pensar naquilo que viu. Para além do mais a cena final acaba com uma nota muito interessante e, pelo menos para mim, emocionalmente inesperada. A personagem de Rush foi uma que gostei muito de conhecer, pois é uma personagem forte e bem construída, algo que mais uma vez é raro nos dias que correm.

O filme conta também com uma banda sonora do glorioso Ennio Morricone. ‘Il Maestro’, hoje com 85 anos, tal como John Williams (de 81) está já semi-retirado mas continua a fazer bandas sonoras para ‘os amigos’. Depois de ter dado a Tornatore duas das melhores bandas sonoras que o cinema já conheceu (para ‘Nuovo Cinema Paradiso’ e ‘La Leggenda del pianista sull’oceano’), as suas composições para ‘La migliore offerta’ não são tão melódicas, nem tão belas nem tão poéticas. Mas o filme também não pedia tais composições. Em vez disso ‘il maestro’ opta por melodias mais subtis e um uso de coros para reflectir a sumptuosidade das obras de arte. Como não podia deixar de ser, é uma boa banda sonora que ajuda a conduzir emocionalmente o filme, embora com menor interesse para se ‘suster sozinha’, num cd ou num concerto, por exemplo.

O cinema de Tornatore é bom cinema. Sim, ‘La migliore offerta’, tal como em termos de banda sonora, é pior que ‘Nuovo Cinema Paradiso’ e é pior que ‘La Leggenda del pianista sull’oceano’ porque não é uma obra-prima, mas é mais um bom e sólido filme que o realizador junta ao seu cânone. Seguindo a lógica que Truffaut tem dos críticos poderei, honestamente, dizer que esta semana (e provavelmente este mês) ‘La migliore offerta’ é sem dúvida a melhor oferta que as salas de cinema em Portugal têm para oferecer ao seu público, ao seu público que quer ver Cinema, com ‘C’ grande.



PS: Neste filme pode-se ver como é que um robô autómato pode ser usado de uma forma lógica e consequente para o argumento. No filme ‘Hugo’, tal como já mencionei numa crónica anterior, o autómato (muito parecido com o deste filme, senão igual) só existe para fogo-de-vista, e detém um segredo que na realidade não existe, que não conduz a história (somente a enche), e que não oferecerá nenhuma mensagem ao rapazinho, embora toda a gente no filme ache que sim. O mesmo já não acontece me ‘La migliore offerta’. O autómato tem um propósito bem claro e o enfoque que o filme tem nele é perfeitamente justificado.

1 comentários:

Porque todos somos cinema, está na altura de dizer o que vos vai na gana (mas com jeitinho).

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Miguel. Portuense. Nasceu quando era novo e isso só lhe fez bem aos ossos. Agora, com 31 anos, ainda está para as curvas. O primeiro filme que viu no cinema foi A Pequena Sereia, quando tinha 5 anos, o que explica muita coisa. Desde aí, olhou sempre para trás e a história do cinema tornou-se a sua história. Pode ser que um dia consiga fazer disto vida, mas até lá, está aqui para se divertir, e partilhar com o insuspeito leitor aquilo que sente e é, quando vê Cinema.

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