O caro leitor, se tem por hábito acompanhar estas páginas, sabe perfeitamente que nutro, e sempre nutri, uma grande paixão pela obra dos estúdios Disney. É inegável a gigantesca importância deste estúdio para a história do cinema em geral (em termos criativos, técnicos, sentimentais) e para a história do cinema de animação em particular, que virtualmente não existiria sem ele. Não é apenas o facto da Disney ter sido a pioneira na animação americana, e o primeiro estúdio a produzi-la a grande escala e em formato de longas-metragens. É o facto de quase sempre ter produzido obras de incrível beleza e pureza, emocional e cinematográfica. Desde os primeiros acordes de ‘Plane Crazy’ às Silly Symphonies, de ‘Snow White and the Seven Dwarves’ a ‘Mary Poppins’, de ‘Beauty and the Beast’ a ‘Moana’, o valor do legado do velho Walt, e de tantos outros nas suas pisadas; Ub Iwerks, os “nove velhos” (se não sabem quem são, pesquisem), ou Clements e Musker, é incalculável. Constitui a infância, os sonhos de fantasia, as promessas de esperança, o sorriso no rosto de gerações e gerações.
Por esse motivo, sempre tive um especial carinho pela parcela da minha estante dedicada aos filmes da Disney. Sempre gostei de coleccionar filmes e tenho uma gigantesca colecção (estamos a falar de números da ordem do milhar) criada desde os bons velhos tempos do VHS quando era uma criança a crescer nos anos 1980. Nesse formato, os filmes da Disney em Portugal eram em brasileiro e claro, num horripilante 4:3 ‘pan scan’ (vejam a minha crónica contra esta “invenção”). Mas a verdade é que satisfaziam na mesma, pelo menos um rapaz que então não percebia nada de cinema e só queria desfrutar de bons filmes, de boa animação. Mais tarde, já na faculdade, comecei a ter o prazer de redescobrir todas as obras da Disney, quando substituí estas caixas VHS retrógradas por edições muito mais satisfatórias. Lentamente, a Disney começou a produzir os DVDs do seu espólio, particularmente em edições especiais definitivas que apelidou de ‘Edições Douradas’. Estes DVDs deram a possibilidade a inúmeras gerações de passar a deter os filmes nas versões originais, nos rácios correctos e com uma qualidade de imagem que o VHS nunca teve.
E depois, uma década mais tarde, chegaram os Blu-rays. A colecção de James Bond em Blu-ray usou como frase publicitária algo como “Bond nasceu para o Blu-ray”. Concordo perfeitamente, visto que para mim os filmes de imagem real que melhor ficam em Blu-ray são os dos anos 1960 (cortesia das técnicas de fotografia a colorização utilizadas na altura), e portanto todo o espólio de Sean Connery em Blu-ray é extraordinário. Mas na minha opinião há algo que ainda fica melhor em Blu-ray: um grande filme de animação. As chamadas ‘Edições Diamante’ dos clássicos Disney em Blu-ray são absolutamente soberbas, não só pela quantidade e qualidade dos extras, mas principalmente pela qualidade de imagem: é o filme como era suposto ser visto, como foi concebido nas folhas em branco pelos grandes desenhadores e animadores do estúdio.
Assim sendo, entre ‘Edições Douradas’ e ‘Edições Diamante’ fui construindo a minha definitiva colecção Disney. Não sei, obviamente, mas suponho que devo ter uma das colecções mais completas em Portugal de filmes originais de animação da Disney, pois não só possuo em suporte físico praticamente todos os filmes do Disney Animation Studios e muitos outros do Disney Toons, como a colecção completa dos míticos Walt Disney Treasures; as curtas-metragens dos anos 1930, 1940, 1950 e 1960 de Mickey, Pluto, Donald, Pateta, Tico e Teco, Silly Symphonies e aí por diante. Mesmo que a tendência do mercado se vire agora para o digital, o online e o on-demand, continuei a construir esta colecção em suporte físico (tal como na literatura e na música, sou um fã do físico), para mim como é óbvio, mas também para o meu filho. Cada vez que me sento a ver com ele qualquer filme penso com tristeza que ele deve ser das poucas crianças em Portugal que está a ver uma Silly Symphony, que está a ver um ‘Fantasia’ (1940), que está a ver um ‘Bedknobs and Broomsticks (1971).
Pessoalmente acho que é nossa obrigação, como membros de anteriores gerações, de passar o conhecimento sobre a grande arte às gerações seguintes. Assumir que as crianças e os jovens de hoje em dia, lá por terem acesso à Internet e ao Youtube desde tenra idade, vão ter muito mais contacto com a grande arte e a grande cultura do que nós tivemos é errado. Ter a possibilidade de acesso a ela não implica necessariamente que a irão aceder, principalmente porque a Internet está inundada de um sem número de distracções mais fáceis mas menores, que poderão dar satisfação no momento mas que nunca dão satisfação a longo prazo, como dá um grande livro, um grande álbum, um grande filme. É nossa obrigação dar a conhecer esses grandes livros, álbuns, filmes, pinturas, peças de teatro, aos nossos filhos, não lhes forçando é claro, mas simplesmente dando-lhes a possibilidade de os encontrarem. Quem sabe se não irão descobrir algo pelo qual se irão apaixonar para a vida? O problema é que para lhes darmos a conhecer a eles, temos nós de os conhecer primeiro, e infelizmente cada vez menos pais os conhecem.
Pela minha parte, de forma natural, e sem lhe negar a gigantesca oferta de produtos e programas modernos para crianças que hoje existe na televisão por cabo e na Internet, tenho introduzido lentamente vários filmes de animação clássicos ao meu filho, e particularmente filmes Disney. Ele não faz ideia se o que lhe estou a mostrar é de 2018 ou de 1930. Não chegou à idade em que percebe a diferença e por isso mesmo observa tudo com um espírito aberto, livre do generalizado preconceito que hoje existe contra tudo o que é “antigo”, só porque é “antigo”. Assim, sem lhe forçar nada, ele começou a ver e a amar, e a pedir para repetir. Começou a desfrutar das mesmas obras, da mesma forma, que eu desfrutei quando tinha a idade dele. Desfrutar imenso. Porque a magia de inúmeros destes clássicos sempre foi e sempre vai continuar a ser intemporal. E por isso mesmo, não parei de completar a minha colecção Disney, e nunca tive desapontamentos. Isto é, até a semana passada e a compra do ‘Pete’s Dragon’ (‘Meu Amigo o Dragão’) original de 1977.
‘Pete’s Dragon’ é o último filme de uma trilogia não oficial da Disney a juntar, de forma pioneira na história do cinema, imagem real com animação, depois dos soberbos ‘Mary Poppins’ (1964) e ‘Bedknobs and Broomsticks (1971). Numa época em que a Disney vivia um período mais negro (muito embora o seu mais bem-sucedido filme de animação da década tenha sido desse ano – ‘The Rescuers – Bernardo e Bianca’), o filme foi apenas um moderado sucesso de bilheteira e não satisfez completamente os críticos. Contudo, tornou-se um filme de culto com o passar dos anos e tem a grande distinção de ter sido o primeiro filme da Disney a ser lançado em VHS no início da década de 1980. Um VHS em inglês sem legendas que me recordo vivamente de ter visto e revisto na minha infância (o meu irmão mais velho poderá ter ficado com ele, creio), de um filme que acarinhei como tantos outros mas que fiquei muitos anos – demasiados – sem rever.
Muitas décadas depois, o interesse por ‘Pete’s Dragon’ foi reavivado nos média, quando a Disney produziu em 2016 o remake de imagem real com Bryce Dallas Howard e Robert Redford, eliminando as músicas e concebendo o dragão em CGI (até dá arrepios de pensar como tiveram coragem de fazer semelhante coisa!). Eu próprio reavivei o meu interesse desta vaga memória da minha infância, e não hesitei quando tive a oportunidade de ver a edição definitiva desta obra em blu-ray num hotel durante uma viagem que fiz há um par de anos ao estrangeiro. Foi mágico rever, talvez vinte anos depois, o dragão animado por Don Bluth, o terno exagero interpretativo de Mickey Rooney e claro, as músicas, incluindo o mágico "Candle on the Water", que na altura havia sido nomeado para o Óscar de Melhor Música. Obviamente, com a Internet podemos facilmente encontrar o filme, mas pessoalmente, e fã do físico, sempre achei que era mais uma obra que devia adicionar à minha colecção de DVDs e Blu-rays Disney, quando tivesse uma oportunidade. E a semana passada, essa oportunidade surgiu-me.
Estava precisamente com o meu filho a olhar para filmes de animação numa das grandes lojas multimédia deste belo país quando vi uma única cópia da Edição Dourada de ‘Pete’s Dragon’ a um preço irrisório (menos de 5 euros). Visto que as Edições Douradas constituíram lançamentos limitados, há muito poucas lojas que hoje ainda as têm, apenas esgotando os seus stocks. Peguei neste precioso item e mostrei-o ao meu filho, que se agarrou imediatamente a ele, dissipando qualquer dúvida que podia ter de que aquela caixa ia voltar connosco para casa. E assim foi. Mal chegamos a casa acomodei-me no sofá enquanto o meu filho brincava no tapete e pus o filme a dar. E então, numa das primeiras cenas em que o dragão animado surge com todo o seu esplendor animado a contracenar com um rapaz real (estávamos em 1977 recorde-se), deu-se magia. O meu filho sentou-se no sofá e ficou mesmerizado, a ver o filme. Quarenta anos depois, a incrível beleza desta cena tem ainda a capacidade para cativar. Não interessa se estamos no século XXI, crianças serão sempre crianças e boas cenas como esta serão sempre boas cenas. Idem para quando chegamos à canção “Brazzle Dazzle Day”. O meu filho, que nunca tinha visto tal cena, pediu para a ver outra vez. Cheguei “a fita” atrás e revimos em conjunto, cantarolando. Momentos memoráveis.
Uma Edição Dourada em língua inglesa: o tempo de duração é de 129 min |
A Edição Dourada de ‘Pete’s Dragon’ que está à venda em Portugal parece-se assim em tudo com a edição definitiva do filme que existe no estrangeiro. A própria ideia por trás das Edições Douradas é precisamente essa. Ainda para mais, o disco ostenta que esta é a ‘High Flying Edition’ da obra, o nome dado nas versões inglesas à edição definitiva do filme em DVD, com uma tonelada de extras e obviamente a versão integral da película. No Brasil, a ‘High Flying Edition’ até foi traduzida, imagine-se, para ‘Edição Expandida’. Ora esta versão portuguesa, supostamente também ‘High Flying Edition’, possui exactamente os mesmos extras que essas versões definitivas vendidas no estrangeiro. So far so good. O grande problema é que o filme não é o mesmo. É mais pequeno. O que nos leva à questão: porquê?
Como um bom investigador que sou, vou usar o método dedutivo. Este é um disco muito particular. Só possui legendas em inglês, português e espanhol, e áudio somente em inglês e espanhol. Quem tem muita experiência em analisar o mercado do cinema em casa, sabe perfeitamente que muitas das edições que temos aqui por Portugal são produzidas em Espanha, às quais simplesmente são acrescentadas legendas (e por vezes áudio) em Português. Será então de supor que a versão cortada do filme foi usada para a concepção da Edição Dourada em Espanha (e consequentemente em Portugal) somente porque era essa a versão para o qual o áudio em Espanhol existia, cortesia de há quarenta anos ter sido essa a versão que passou nos cinemas espanhóis e foi lançada em VHS? É mais do que provável, na minha cabeça pelo menos, que tenha sido essa a justificação. E se assim é, não é nada menos que um escândalo. Como é possível que em 2018, quando todo o mundo, especialmente após o remake de imagem real de 2016, tem direito a comprar a versão definitiva de 2h, nós só temos acesso nas lojas portuguesas a uma versão totalmente retrógrada da película, somente porque ninguém se deu ao trabalho de fazer novas dobragens. Ninguém achou esquisito a cena onde é cantada a música nomeada para o Óscar – que inclusive a sinopse na parte de trás do DVD nos convida a desfrutar – não estar em lado nenhum?
Uma 'High Flying Edition' em cirílico: o tempo de duração é de 124 min |
Não desistindo, finalmente contactei há uns dias a Disney Portugal através de uma rede social. Pediram-me mais informações. Enviei. Aguardo neste momento qualquer tipo de resposta. A verdade é que não me interessa o dinheiro. O filme foi baratíssimo. É uma questão de princípio. Esta edição não devia existir em DVD. Não existe noutros países, ou se existe há igualmente a possibilidade de comprar a versão expandida. Portanto quem a comprou aqui em Portugal foi vítima de publicidade enganosa e de uma forte negligência por parte das sucursais ibéricas que produziram esta caixa e permitiram que ela fosse comercializada nestas condições. Recordo que o pacote faz parte da Colecção Dourada. Recordo que o disco diz ‘High Flying Edition’. O consumidor não pode ser assim tratado com tanto desrespeito. Mas o pior, e mais incrível, é que a própria Disney está a desrespeitar o seu próprio espólio, ou então a demonstrar um profundo desconhecimento da sua própria história. Não têm respeito pela versão integral do filme? Não querem partilhá-la com o público? É-lhes igual que os espectadores portugueses vejam uma versão ou outra? Se é, não devia ser. O velho Walt certamente não ficaria orgulhoso.
Como é óbvio, gostaria de ser compensado por ter tido este gasto num DVD que não me serve para nada (e que de bom grado devolverei se mo pedirem). Mas no fundo, não é o dinheiro que me interessa. O que me interessa é juntar este ‘Pete’s Dragon’ à minha colecção de DVDs e Blu-rays. Mas não me contento com meio filme. Quero ter o filme completo. Quero ouvir a Helen Reddy a cantar “Candle on the Water” sem ter que ir ao youtube. Para quê ter meia magia quanto posso ter magia por inteiro com uma simples compra no amazon? Tivesse eu sabido disto de antemão, certamente nunca teria comprado este DVD em Portugal. E tenho muita pena de todas as pessoas que o fizeram, e ainda hoje vêm e revêm o filme com as suas famílias, sem saberem que não estão a ver o filme completo. A ignorância é uma bênção e provavelmente poupou à Disney Portugal muitos emails indignados como o meu. Por sorte, detectei esta situação e acho meu dever denunciá-la, porque sou um apaixonado pela Disney, mas acima de tudo sou um historiador apaixonado pelo bom cinema, e o que mais odeio – mais do que ver um mau filme – é ver uma obra de arte dilacerada. E este filme é uma obra de arte.
A mágica cena que os compradores da "versão curta" não têm o direito de ver
Estive agora a contar. Possuo mais de 50 filmes de animação Disney em DVD ou Blu-ray original (e nem estou a contar a Disney/Pixar), mais umas 15 caixas, todas elas originais, dos Walt Disney Treasures. Foi um grande investimento, mas também que já me deu um grande retorno, que se multiplica, agora que o meu filho começa a descobrir estas obras. Mas esta compra bem que poderá ter sido a minha última, porque sinto que a companhia que sempre respeitei não me retribui esse respeito, depois dos anos de devoção que lhes dei. Que o ‘Pete’s Dragon’ cortado seja banido das lojas e que quem o comprou como se fosse a “versão definitiva” seja compensado. Que a Disney Portugal produza uma caixa de DVD e Blu-ray com a versão integral, com legendas (e quiçá áudio) em português, para que os mais novos possam desfrutar deste clássico. Que esta minha demanda não caia em orelhas moucas. Que não se olhe apenas para o futuro mas também para o passado. O espólio da Disney é riquíssimo, não pode ser tratado de qualquer maneira. Tem de ser acarinhado e perpetuado. Tem de ser passado às gerações seguintes. Eu fiz a minha parte, e continuo a fazer. Que a própria Disney, e a Disney Portugal em particular, se esforcem por fazer o mesmo. São os meus votos. A bola está do lado deles. Vamos ver como me respondem.
Sabem a onde eu posso conseguir as músicas desse filme em portugues???
ResponderEliminarNão achei em lugar nenhum!!!
Já experimentou o youtube?
Eliminarhttps://www.youtube.com/watch?v=v-zkIAZ0bU0
Já procurei em quase todos os canais do YouTube e até mesmo na trilha sonora do filme. Mas não encontrei a música que eu queria em português (Brazzle Dazzle Day)...
EliminarAlguém sabe se tem esse filme no YouTube dublado em português??
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