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A Man for All Seasons

Ano: 1966

Realizador: Fred Zinnemann

Actores principais: Paul Scofield, Wendy Hiller, Robert Shaw

Duração: 120 min

Crítica: ‘A Man for All Seasons’ (em português ‘Um Homem para a Eternidade’) foi o grande vencedor dos Óscares no ano de 1966, arrecadando seis galardões. Ganhou Melhor Fotografia, Melhor Guarda-Roupa, Melhor Argumento e também o trio de prémios principais; Melhor Actor (para Paul Scofield, um actor de teatro inglês, não uma estrela de Hollywood), Melhor Realizador (Fred Zinnemann) e claro, Melhor Filme. Para Zinnemann foi o atingir de algo só acessível a um punhado de realizadores: repetir o duplo Óscar de Melhor Filme / Realizador, após tê-lo conseguido 13 anos antes por ‘From Here To Eternity’. Pelo caminho, Zinnemann não foi muito prolifero, mas realizou obras como o expansivo musical ‘Oklahoma’ (1955) ou ‘The Nun’s Story’ (1959) com Audrey Hepburn. Pessoalmente, acho que os melhores filmes de Zinnemann estão imediatamente antes e imediatamente depois das suas grandes vitórias nos Óscares: ‘High Noon’ (1952), a sua primeira longa-metragem, o seminal western com Gary Cooper, e ‘The Day of the Jackal’ (1973), uma fantástica obra de espionagem e o seu regresso ao cinema sete anos depois de ‘A Man for All Seasons’. Mas duas coisas são certas. Primeiro que Zinnemann era incrivelmente versátil. Segundo que a sua segunda grande vitória nos Óscares surgiu num filme bem mais completo que a sua primeira. 

Olhando para os restantes nomeados nesse ano; ‘Alfie’, ‘The Russians are Coming, the Russians are Coming’, o horrível ‘The Sand Pebbles’ e ‘Who’s Afraid of Virginia Wolf’ (outra tour de force de actuação e o único concorrente directo, a meu ver), esta vitória não é muito surpreendente, mesmo se o filme fosse pior do que aquilo que realmente é. Mas olhando de uma forma mais abrangente, e com algum distanciamento temporal, essa vitória torna-se de facto digna de registo. ‘A Man for All Season’ é um filme de ideias e ideais, não um filme de movimento e acção. É um filme contemplativo, introspectivo, onde o seu maior atributo, e a sua força motriz, provêm única e exclusivamente dos actores, e da forma como eles interpretam os papéis, e vociferam ou sussurram os diálogos delicados e extremamente bem trabalhados, como se fossem uma rara peça de ourives ou uma escultura da Renascença. É um daqueles filmes que hoje em dia lutaria por conseguir uma distribuição alargada pelas salas mundiais e que muito dificilmente ganharia fosse o que fosse, Óscares incluídos. ‘From Here to Eternity’, esse sim, está muito mais perto de um estilo ‘King’s Speech’ (embora com infinita mais qualidade); um melodrama romântico e pungente, com uma pseudo-base histórica que se torna a fundação da sua trama pastosa. Já ‘A Man for All Season’ também tem uma pseudo-base histórica, mas o filme não precisa de depender disso, nem de impingi-la ao público, para surtir efeito.

Tudo gira à volta das emoções subjacentes aos diálogos, que são mais poderosas que armas. O filme depende única e exclusivamente desse poder, que vibra imponente se for bem conseguido (e neste caso é), e da energia e talento dos actores para nos transmitirem esse poder. Estamos a falar de um filme sobre os últimos anos de vida de Thomas Moore, um filósofo do século XVI, e convenhamos que isto poderá não ser o tema mais apelativo para o cinéfilo que não tenha um gosto pela História. Mas por algum motivo a peça ganhou o Tony (os Óscares do Teatro) para Melhor Peça, e também para Melhor Actor (igualmente para Scofield que repetiu o seu papel no cinema, no qual era quase um estreante - entrara em 'The Train', 1964, de John Frankenheimer). É assim tão boa. E estamos a falar de uma altura (anos 1950 e 1960) em que este tipo de filmes poderosos de actuação, baseados em peças de teatro igualmente poderosas de actuação, atingiu o seu clímax, encimadas por estrelas da Hollywood clássica, rostos novos e vibrantes saídos do Actor’s Studio, ou nomes dos palcos ingleses. Estou a falar de pessoas como Marlon Brando, Katherine Hepburn ou Elizabeth Taylor. Pensemos em qualquer adaptação das peças de Tenesse Williams, ‘A Streetcar Named Desire’ (1951), ‘Cat on a Hot Tin Roof’ (1957), ‘Night of the Iguana’ (1964) ou ‘Sweet Bird of Youth’ (1962). Pensemos em ‘Suddenly Last Summer’ (1959), ‘Long Day’s Journey into Night’ (1962) ou ‘The Lion in Winter’ (1968). Aos melhores elementos destas entradas ‘A Man for All Season’ acrescenta a vertente do filme de época, os seus ideais e o facto de ser baseado, até certo ponto, em factos verídicos, elementos estes que são sempre do gosto dos críticos e que, verdade seja dita, ajudam a acomodar o espectador na trama, embora neste caso nunca a esganem.

Como disse, o filme retrata os últimos anos de vida de Sir Thomas Moore, desde a altura em que ele disputa publicamente o direito do rei Henrique VIII de desposar Ann Boleyn, e a instituição da nova Igreja de Inglaterra, que a mando desse monarca quebrou os laços com o catolicismo do Vaticano. Um filósofo e um grande pensador, um influente membro da corte, e até então sempre nas boas graças da família real, Moore leva o seu direito a uma opinião até ao extremo, e a sua indignação para com a atitude do rei até à morte. Nunca cedendo às pressões que o apertam por todos os lados, recusando-se a assinar uma nova lei contra as suas convicções para justificar os caprichos do monarca, o Moore de Scofield usa uma calma e um controlo invejáveis, e com inteligência, honestidade e uma ponta de sarcasmo vai-se defendendo, até ao ponto em que é preso e finalmente julgado por traição. 

O filme vai desfiando este novelo lentamente, com enorme paciência, e uma mestria no qual o segredo para o íntimo das personagens está nos diálogos e nas suas expressões. No inicio, Moore até recebe a corte em sua casa, e o que começa como quase uma contrariedade ligeira, uma infantil disputa entre amigos, vai-se revelando muito mais tensa, muito mais séria. Aliás, é essa a atitude do rei para com a opinião de Moore. Mas é por essa opinião existir, essas palavras, que se tornam, literalmente, mas fortes que espadas, estarem subjacentes, que o Rei, um homem de orgulho ferido e com poder, se vê obrigado a responder e a defender-se da única forma que sabe como. Instigado por outros conselheiros da corte que não vêm, nem nunca viram, as filosofias e a utopia de Moore com bons olhos, o Rei assina a sentença de morte de um homem que outrora havia considerado um amigo. Uma tragédia de corte a que qualquer fã de Shakespeare está bem habituado, mas que não tira intensidade dramática nem profundidade à performance aveludada e animalesca de Robert Shaw como Henrique VIII. É de notar também que o novelo explode numa brilhante cena de julgamento, de suster a respiração, digna de rivalizar com os maiores filmes do género de tribunal. Isto apesar de inevitavelmente convergir para um monólogo algo estereotipado da luta do homem conta o sistema, mas que permite libertar uma esperança, não para quem esta à sua volta, nesse tribunal, mas para o público que está do outro lado da tela. Esta pode ser uma artimanha clássica mas aqui realmente há a ponte, a conexão, com o publico, e o filme completa o seu ciclo e exprime a sua beleza, que não é conceptual nem visual (apesar obviamente de todo o design de época ser magnifico), mas que é sobretudo emocional.

Como muitos filmes baseados em peças de teatro, a peça foi aberta. Mas Zinemman conseguiu ser suficientemente subtil nesta forma de tornar a peça mais rítmica. Há algumas sequências de transição, necessárias para assentar as cenas de diálogos, mudanças de cenários e enquadramentos para belas paisagens medievais inglesas (muitas mais do que aquelas que a peça provavelmente tinha), e um ou outro escape cómico que têm a dual função de servir como subtis críticas sociais (como a filmagem excessiva de toda a comitiva da corte que tem de seguir uns passos atrás do Rei para onde quer que ele vá). Por um lado estes elementos adicionam continuidade e fluidez ao filme. Por outro servem apenas para o enquadrar, para o moldar num padrão mais clássico e menos fechado. Zinemman é, no geral, pouco intrusivo no seu estilo de realização, deixando para os actores a função de formar a essência da película. E, apesar de eu ter dito em cima que o enquadramento era o menos importante, a verdade é que, desdizendo-me, o filme tem uma extraordinária atenção ao pormenor, ao nível das roupas, dos acessórios, dos espaços abertos e dos interiores, da arquitectura, da arte e do edificado do século XVI. Sim, se o espectador é fascinado por grandes actuações nem vai notar nestes elementos e estes não tem nenhum destaque fílmico. Mas estão lá. Sem eles o filme ficaria manco e por os ter a sua qualidade aumenta ainda mais. 

Mas falar deste filme é inevitavelmente falar dos actores. Scofield está absolutamente soberbo como Moore (um justo vencedor do Óscar), numa performance quase zen; a sua voz sempre delicada e tranquila, que apenas lhe falha, lhe fica presa na garganta, mesmo no final. Sempre correcto e cívico, sempre dado, sempre utópico, sempre fiel aos seus princípios, esta performance pode muito bem ser acusada de idealista, de se focar na lenda de Moore, como fazem muitos filmes desta natureza. Contudo, é impossível ficar indiferente a Scofield, porque no cerne da sua personagem está uma vertente humana muito forte, e isso é que o torna transcendente. Pode ser difícil de acreditar que ele mantenha a compostura mesmo quando está prestes a perder a cabeça (literalmente), mas é essa a moral dos seus escritos. Há quem opte por tornar as suas personagens nuns mártires. Outros tornam-nas heróis. O Moore concebido por Scofield e por Zinemman não é uma coisa nem outra, e é isso que é surpreendente.

O filme também conta com Leo McKern, que interpreta o maior opositor de Moore, Cromwell, o homem que o julga e que ataca como um bulldog; uma presença possante, extremamente ameaçadora e quase a deitar baba de raiva. Robert Shaw é um Rei superficialmente animado e brincalhão, uma criança com um grande poder e um grande porte, mas que não tem interesses em nada nem em ninguém, excepto em si próprio, o que o torna implacável nas suas decisões, que são sempre subtilmente insinuadas e ditadas. Destaco também mais três nomes. John Hurt tem um pequeno papel (o primeiro da sua carreira do cinema, diz-nos o imdb), como o homem que trai Moore. A gloriosa Wendy Hillier, a imponente senhora gelada, mas altamente emotiva, do cinema inglês, faz maravilhas com o papel de Mrs. Moore. Por fim, e mais surpreendente, um gordo e pesado Orson Wells (quem já o viu em filmes do final dos anos 1950, e dos anos 1960 sabe de que é que eu estou a falar) entra em apenas uma cena, no início, no papel de um Cardeal da igreja, e o seu poder é tanto, o seu controlo sobre a cena e a situação é tanto, que a sua presença reverbera por todo o filme e ainda é sentida no final, apesar de ele não voltar a aparecer.

No final, pode-se dizer que ‘A Man for All Season’ é, tal como o seu título indica, sobre um homem que é mais do que aquilo do que foi, sobre um homem que se tornou um ideal, uma mensagem, um homem que se tornou eterno. Um cristão no verdadeiro sentido da palavra, um visionário à frente do seu tempo, é esta personalidade de Moore que sustêm o filme. No início mencionei ‘O Discurso do Rei’. A figura histórica aí retratada pouco tinha de humano. Era um pastiche de memórias desconexas e embelezada de revistas cor de rosa, com eventos semi-históricos interpretados visualmente com rigor mas com uma moral artificial e impingida. E o mesmo se passa quando se fazem filmes sobre estrelas de Hollywood famosas ou outras personalidades do século XX. É um best of de lugares comuns sobre essa personalidade. Mas nada disso se passa aqui. Sobre Thomas Moore, felizmente, não há uma memória distorcida do público nem das revistas cor de rosa. Há apenas os documentos históricos e os livros que publicou, portanto os argumentistas da peça e do filme podem partir daí para construir a memória do homem, que pode não ser fidedigna, mas é emocionalmente correcta. Confesso que é estranho este Moore nunca hesitar, nunca ter dúvidas, nunca sentir por um momento que pode contrariar as suas convicções para salvar a pele. O filme destramente evita falar sobre isso para manter a imagem de Moore imaculada. Contudo, quando o filme chega ao final e os créditos rolam, o espectador descobre que esse ‘esquecimento’ do filme não lhe tira uma grama do poder da sua moral, nem do extraordinário fascínio que a sua personagem principal exerce, personagem esta que, por incrível que possa parecer, nunca faz nada de elaborado, de desafiador (não é cá um William Wallace), excepto falar. Moore cativou a humanidade com as suas palavras. Scofield fá-lo com a voz e o seu coração, que é o do filme. ‘A Man for All Season’ fá-lo com o seu argumento fantástico, nunca enfadonho. E é isso que é memorável. O poder da palavra. Da palavra com que se escreve a lei. As leis são só uma sucessão de palavras ou são algo mais? ‘A Man for All Seasons’ obriga-nos a pensar sobre isso. Não nos dá as respostas, embora seja, obviamente, um pouco tendencioso. Acima de tudo, dá-nos o material para podermos construir, a partir daí, a nossa própria opinião.

E ao dar todas estas coisas, ‘A Man for All Seasons’ é muito mais do que um filme de ‘estudiosos’, um filme ‘histórico’, um filme de actores e de estrutura clássica, ou um filme com uma sub-corrente politica com paralelos nos dias de hoje. Por causa disto ‘A Man for All Seasons’ é também um filme ‘inspiracional’, na sua expressão mais artística e universal. Tem todos os elementos para cativar os ‘especialistas’ e os críticos da arte cinematográfica. Mas o seu coração é humano e com isso todos se conseguem relacionar. ‘A Man for All Seasons’ é também um filme para todas as estações, um filme para a eternidade, um clássico ‘inglês’ que pode ser visto em qualquer altura sem nunca ser datado nem a sua mensagem perder o poder. De quantos filmes podemos dizer o mesmo? De quantos filmes que ganharam o Óscar de Melhor Filme podemos dizer o mesmo? Quando o cinema é usado para transmitir uma mensagem, não precisa necessariamente de ser perfeito como ‘A Man for All Seasons’ também não o é. Mas precisa de ter o poder que este filme tem.

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Miguel. Portuense. Nasceu quando era novo e isso só lhe fez bem aos ossos. Agora, com 31 anos, ainda está para as curvas. O primeiro filme que viu no cinema foi A Pequena Sereia, quando tinha 5 anos, o que explica muita coisa. Desde aí, olhou sempre para trás e a história do cinema tornou-se a sua história. Pode ser que um dia consiga fazer disto vida, mas até lá, está aqui para se divertir, e partilhar com o insuspeito leitor aquilo que sente e é, quando vê Cinema.

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