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The Apartment

Ano: 1960

Realizador: Billy Wilder

Actores principais: Jack Lemmon, Shirley MacLaine, Fred MacMurray

Duração: 125 min

Crítica: Na cerimónia dos Óscares que se realizou em Abril de 1961, ‘The Apartment’ foi o grande, e na minha perspectiva o surpreendente, vencedor. De um total de dez nomeações, arrecadou cinco estatuetas, incluindo Melhor Filme, Melhor Realizador para Billy Wilder, que também partilhou o prémio de Melhor Argumento Original com o seu colaborador de longa data I.A.L. Diamond; Melhor Montagem e Melhor Direcção Artística. 

Foi a segunda vez que Wilder fez a tripleta, depois de em 1945 ter arrecadado os prémios de Melhor Filme, Realizador e Argumento por ‘The Lost Weekend’, o pungente retrato de um alcoólico, extraordinariamente protagonizado por Ray Milland. Nos quinze anos entre um e outro filme, Billy Wilder, o argumentista alemão que na década de 1930 fugiu ao Nazismo e refugiou-se em Hollywood, tornando-se realizador no início da década de 1940, foi lentamente alterando o seu estilo. Os filmes de Wilder sempre primaram por argumentos exímios e uma linguagem cinematográfica soberba, extremamente consciente dos grandes mestres que o antecederam, como Lang, Lubitsch ou Chaplin. O seu cinema sempre foi o cinema da inteligente sátira social misturada com grandes homenagens à história da sétima arte, mas a forma temática como Wilder explorava esta dupla vertente do seu estilo sempre foi diversificada e, provavelmente por causa disso, inconstante.

"Os filmes de Wilder sempre primaram por argumentos exímios e uma linguagem cinematográfica soberba, extremamente consciente dos grandes mestres que o antecederam, como Lang, Lubitsch ou Chaplin."

O melhor Wilder é o dos anos 1940 e 1950, quando atingiu o pico do seu estilo no cinema mais ‘negro’, onde estava como peixe na água. Podem-se citar grandes obras como os filmes de guerra ‘Five Graves to Cairo’ (1943) e ‘Stalag 17’ (1952); o fantástico noir ‘Double Indemnity’ (1944); ‘Sunset Boulevard’ (1950), provavelmente o melhor filme de Hollywood sobre ela própria; ‘Ace in the Hole’ (1951), uma incrível sátira jornalística; ou ‘Witness for the Prossecution’ (1957), um dos melhores filmes, senão o melhor, baseado numa obra de Agatha Christie. Mas a meio da época de 1950, Wilder começou a balouçar lentamente primeiro para um tom mais romântico (trabalharia com Audrey Hepburn em ‘Sabrina’, 1954, e ‘Love in the Afternoon’, 1957) e depois um tom mais abertamente cómico, que nos seus piores anos, nas décadas de 1960 e 1970, chegaria a ser quase brejeiro, pouco digno do homem que faria ‘Some Like it Hot’ (1959), o filme definitivo com Marylin Monroe (com que havia inicialmente trabalhado em ‘Seven Year Itch’, 1955) ou o absolutamente hilariante ‘One, Two, Three’ (1961). E foi precisamente entre estas duas geniais comédias, em 1960, que Wilder tirou da cartola um filme completamente diferente, mas não inesperado: ‘The Apartment’.


Melhor dizendo, ‘The Apartment’ não é bem um filme à parte no cânone de Wilder. Todas as grandes temáticas do seu cinema estão aqui: a crítica social subentendida numa história com fortes componentes humanas, diálogos extremamente bem trabalhados, escapes humorísticos inteligentes e actuações naturais que brincam com a convenção de um determinado perfil para ganharem força e identidade próprias. Mas o que distingue ‘The Apartment’ é o seu tom. Longe da exuberância de por exemplo ‘Some Like it Hot’, ‘The Apartment’ está em linha com um novo sentimento que invadiu a sociedade americana no final da década de 1950. Já em 1955, o vencedor surpresa do Óscar de Melhor Filme havia sido ‘Marty’ (já criticado), uma história singela sobre um simples talhante que se apaixona por uma professora e anseia ter o seu quinhão de felicidade. ‘The Apartment’ existe nesse cumprimento de onda. Nenhum dos filmes teria ganho o Óscar uma década antes ou depois. Mas nesse momento, num mundo em que a exuberância da expansão social e económica dos anos 1950 (a época dourada dos subúrbios e dos Mad Man) havia amainado, em que a paranóia Mccarthista e da Guerra Fria havia deixado as suas marcas, e nas vésperas do flower power, a sociedade americana encontrava-se num cruzamento, desencantada, perdida, alheada num meio descaracterizado de rotina, expansão despersonalizada, corporativismo e anonimato.

"Todas as grandes temáticas do seu cinema estão aqui: a crítica social subentendida numa história com fortes componentes humanas, diálogos extremamente bem trabalhados, escapes humorísticos inteligentes e actuações naturais que brincam com a convenção de um determinado perfil para ganharem força e identidade próprias. Mas o que distingue o filme é o seu tom."

Era neste meio que o tímido Marty queria encontrar um lugar ao Sol. E é neste meio que C.C. Baxter (interpretado por Jack Lemmon, na sua segunda de cinco colaborações com Wilder e que perderia o Óscar para Burt Lancaster) se movimenta, perdido na grande cidade, sozinho, vivendo um vazio existencial, mecânico e anónimo, que Wilder tão bem capta nas primeiras cenas. Embalados pela voz off de Lemmon, entramos no mundo da empresa de seguros onde Baxter trabalha, o gigantesco prédio de escritórios de salas enormes cheias de mesas dispostas geometricamente onde seres despersonalizados realizam um infindável trabalho mecânico – é a ‘Metropolis’ (1927) de Lang na América empresarial dos anos 1950.

Depois de mais um dia de infindável rotina, todos vão para casa excepto Baxter. A sua voz off continua a dizer-nos que inúmeras vezes fica no escritório depois do horário de expediente. Não porque tem necessariamente trabalho para fazer, mas porque não pode voltar para casa. O motivo é simples. O seu apartamento está a ser usado por um dos seus superiores para um encontro amoroso extraconjugal. Esta temática do pobre homem que empresta o seu apartamento a amantes é inspirada numa pequena situação em ‘Brief Encounter’ (1945), o clássico de David Lean, mas Wilder faz o que faz melhor; homenageia esse legado dando-lhe o seu próprio twist. Os “amantes” transformam-se assim num conjunto de quatro executivos da empresa que, na onda do que Wilder havia parodiado em ‘The Seven Year Itch’, aproveitam qualquer oportunidade para trair as mulheres usando o apartamento de Baxter. De notar que uma das ‘bimbas’ levadas por um dos executivos ao apartamento é uma paródia a Marylin Monroe – o humor pervertido de Wilder a funcionar um ano depois de ter trabalhado com ela pela última vez….

Mas o twist mais interessante neste conceito é a concepção do próprio Baxter. Inicialmente parece ser apenas um empregado sem espinha que tem receio de dizer “não” aos chefes. Mas depois apercebemo-nos, tal como havia acontecido em ‘Some Like it Hot’, que Lemmon demonstra uma enganadora vulnerabilidade. Baxter pode ser um zé-ninguém num mundo descaracterizado, mas tem também alguma perversidade intrínseca, quer em termos de pensamentos sexuais (veja-se a facilidade com que engata uma mulher casada num momento de desespero a meio do filme), quer na forma como usa as várias situações em seu próprio proveito. Sente-se lisonjeado quando os vizinhos pensam que é ele que leva mulheres para o apartamento praticamente todas as noites e nunca os desdiz (Wilder irá brincar com esse mal entendido mais do que uma vez). E sem escrúpulos, pelo menos até pouco antes do final, troca o uso do apartamento por cunhas para subir nas fileiras da empresa. Ao contrário de Marty, nada há de inocente nesta atitude, e esta é talvez a declaração mais pungente de todas; como o próprio sistema há muito corrompeu Baxter, sem na realidade ele ter ganho alguma coisa com isso, porque nunca deixou de ser quem é. Está num limbo, preso, suficientemente desencantado com a vida para aceitar ser corrompido mas suficientemente honesto para não colher as respectivas recompensas.

"Esta é talvez a declaração mais pungente de todas; como o próprio sistema há muito corrompeu Baxter, sem na realidade ele ter ganho alguma coisa com isso, porque nunca deixou de ser quem é. Está num limbo, preso, suficientemente desencantado com a vida para aceitar ser corrompido mas suficientemente honesto para não colher as respectivas recompensas."

Um dia Baxter é chamado ao gabinete do chefe da empresa, Sheldrake (Fred MacMurray no seu último grande papel), pensando que irá ser promovido graças às cunhas da sua ‘clientela’. Mas tudo o que Sheldrake quer é usar o seu apartamento para um encontro extraconjugal. Sem opção de recusar o chefe, Baxter capitula, e recebe em troca dois bilhetes para o teatro que o patrão lhe dá para que se ocupe nessa noite. Imediatamente Baxter ganha coragem para convidar a ascensorista da empresa, a delicada Fran (Shirley MacLaine num papel usual nesta época; perderia o Óscar para Elizabeth Taylor), outra inadaptada que, como de costume, tem um bom coração mas nunca é bafejada pela sorte, nem na vida nem nos amores. Ela gosta de Baxter (como lhe diz, é o único trabalhador que nunca a tentou engatar) mas recusa o convite porque tem outros planos. O que o filme nos revela, num pedaço de lírica ironia, é que ela se dirige, sem o saber, precisamente para o apartamento de Baxter. É ela a amante do patrão.

O filme brinca com este triângulo ainda durante algum tempo, onde a típica tragicomédia de Wilder tem aqui contornos mais pesados, associado ao drama sentimental e, mais tarde, ao romance desajeitado que desabrocha entre Baxter e Fran. Na realidade, o filme não tem muito mais história. Depois de Sheldrake acabar o caso com Fran (mais tarde descobrimos que Fran não é a primeira trabalhadora da empresa que Sheldrake seduz e deixa), esta tenta suicidar-se. Baxter encontra-a quando regressa a casa e é graças aos seus esforços e aos do seu vizinho médico (o patusco Jack Kruschen que perderia o Óscar para Peter Ustinov) que se consegue salvar. Receoso de um escândalo, Sheldrake recusa-se a aparecer e dá ordens a Baxter para que fique a cuidar dela. A cura dela será a catarse de ambos, de ele para se fazer homem e dela para descobrir a verdadeira riqueza da vida num amor simples. 

Se é aqui que o filme realmente começa, é paradoxalmente aqui também que praticamente estagna, e pouco mais é mostrado do que esta lenta marcha para a autodescoberta de cada um. Sustendo esta linha argumental simples durante umas (demasiado longas) duas horas, Wilder enche o filme, não propriamente de tramas secundárias, mas de pequenas ramificações, onde várias tentações vão por à prova o casal, puxando-os para um lado ou para o outro do marasmo letárgico da sua existência. Baxter tem à sua frente uma meteórica ascensão aos quadros principais da empresa, desde que continue a deixar os seus superiores usar o seu apartamento (na realidade isto é um pouco incredível; não podiam arranjar outro sítio?!). Já Fran, depois de recuperada, é de novo tentada pelas promessas vãs de Sheldrake, que afirma que em breve irá deixar a sua esposa para que fiquem juntos. E Fran sente que tem de aceitar essa proposta, simplesmente porque tem tão pouca confiança em si mesma, está tão desencantada com as cartas que a vida lhe deu, que não sabe que pode haver, que pode ter, outra vida.

"Como retrato sociológico de uma década, não há dúvidas nenhumas que se pode apelidar ‘The Apartment’ de magnífico, capturando na perfeição o sentimento de solidão, vazio e inadaptação que percorria a sociedade média americana do final da década de 1950 (...) Mas como peça cinematográfica, não acho que ‘The Apartment’ possa ser considerado assim tão excelente, provavelmente, é curioso notar, pelos mesmos motivos."

Em singelas cenas de diálogos, passadas ao longo do período natalício que contextualiza o filme, Baxter e Fran vão procurar chegar ao âmago um do outro e vão tentar encontrar a força para sair desta sua condição. E um dia pode ser que se consigam tornar naquilo que o vizinho alemão de Baxter chama “mench” – seres humanos, boas pessoas; e assim tomarem conta das suas próprias vidas de uma vez por todas e encontrarem a tão ansiada felicidade.

Como retrato sociológico de uma década, não há dúvidas nenhumas que se pode apelidar ‘The Apartment’ de magnífico, capturando na perfeição o sentimento de solidão, vazio e inadaptação que percorria a sociedade média americana do final da década de 1950, para quem os valores supérfluos da era há muito tinham deixado de fazer sentido. A sua vitória nos Óscares e o seu sucesso crítico e comercial só pode, na minha óptica, ser explicado assim. Mas como peça cinematográfica, não acho que ‘The Apartment’ possa ser considerado assim tão excelente, provavelmente, é curioso notar, pelos mesmos motivos. Sente-se a falta do magistral humor satírico de Wilder, e o lirismo subtil que o substitui, muito muito embora se adeqúe ao casal de inadaptados, é emocionalmente vago precisamente porque é um retrato tão fiel do sentimento contemporâneo prevalente. Do mesmo modo, a realização, que inicia de forma tão metafórica nas primeiras cenas, em termos de escolha de planos e mise-en-scène, contrasta fortemente com o restante filme, onde tudo se passa num tom desgarrado e monocórdico, alternando sem grande sabor praticamente só entre os espaços confinados e descaracterizados do escritório e do apartamento. Por fim, o ritmo do filme é lento e circular, esticando uma história que se contaria perfeitamente em 90 minutos até 2 horas, sem que isso implique um aumento de profundidade no retrato das personagens.

Tudo somado, ‘The Apartment’ é, creio ser essa a explicação, um drama social demasiado preso a um determinado momento no tempo. Não é propriamente datado em termos de emoções (Fran e principalmente Baxter são seres universais) mas é-o em termos de tom. Inúmeras vezes o filme é frio na sua fotografia a preto e branco (que contraste com o calor de ‘Some Like it Hot’!), e a sua indecisa divisão entre o satírico e o depressivo impede que o filme se torne dramaticamente pungente, ou em contrapartida, um hino esperançoso. Só no final podemos ter um pequeno vislumbre de luz, de calor, com uma das frases de fecho que ficaria gravada nos anais do cinema, quando Fran diz a Baxter “Shut up and deal”. Ou seja, vamos jogar as nossas cartas, vamos fazer as nossas apostas, e depois logo se vê como a sorte nos bafeja…

"‘The Apartment’ é, creio ser essa a explicação, um drama social demasiado preso a um determinado momento no tempo. Não é propriamente datado em termos de emoções (Fran e principalmente Baxter são seres universais) mas é-o em termos de tom."

‘The Apartment’ pode ter marcado o final de uma época com o seu retrato social incisivo mas subtil, e pode ganhar pontos por se debruçar, não no facilmente criticável todo (veja-se como os chefes seguem apenas um padrão estereotipado de comportamento), mas sobre o íntimo; a história das duas inadaptadas personagens que o filme acaba por enaltecer como os heróis pouco louvados de uma nova sociedade. Mas um filme nunca pode ser só mensagem social e por isso é que o teste do tempo levou ‘The Aparment’, apesar dos prémios que arrecadou, a uma posição secundária na extensa filmografia de Wilder. Falta-lhe chama, paixão, magnetismo cinematográfico. Mas no fundo, poder-se-á argumentar, pode ser esse o grande objectivo metafórico desta obra. A ser verdade, isso provaria sem dúvida a marca do génio de Wilder. Portanto cabe ao espectador, e não ao crítico, decidir se assim é. Suponho que seja uma questão de predisposição emocional. E isso vai muito além da linguagem cinematográfica. Já entra no campo da intimidade com o espectador. ‘The Apartment’ nunca conseguiu entrar muito bem na minha, mas pode ser que entre na do leitor.

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Miguel. Portuense. Nasceu quando era novo e isso só lhe fez bem aos ossos. Agora, com 31 anos, ainda está para as curvas. O primeiro filme que viu no cinema foi A Pequena Sereia, quando tinha 5 anos, o que explica muita coisa. Desde aí, olhou sempre para trás e a história do cinema tornou-se a sua história. Pode ser que um dia consiga fazer disto vida, mas até lá, está aqui para se divertir, e partilhar com o insuspeito leitor aquilo que sente e é, quando vê Cinema.

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