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Avatar – uma crítica curta e honesta e uma crónica longa e ponderada

Ano: 2009

Realizador: James Cameron

Actores principais: Sam Worthington, Zoe Saldana, Sigourney Weaver

Duração: 162 min

Crítica: ‘Avatar’. Arrecadou quase 3 biliões de dólares. O filme que mais dinheiro rendeu nas salas de cinema em toda a história da sétima arte (mas não note-se, aquele que mais bilhetes vendeu). Um fenómeno. Mas o que está por detrás desse fenómeno? O filme foi tão bem sucedido devido à sua qualidade? Foi bem sucedido devido à gigantesca qualidade dos seus efeitos visuais? Ou foi apenas um dos maiores golpes de marketing que o cinema já conheceu? Um truque de magia, em que os floreados superficiais, o fogo-de-artifício que engana o olhar, escondem a simplicidade e a banalidade do ‘segredo’?

Eu escrevi sobre ‘Avatar’ duas vezes, correspondendo a cada uma das vezes que o vi. A primeira vez foi logo no seu fim-de-semana de estreia, em meados de Dezembro de 2009. Tendo visto todos os filmes de Cameron menos o primeiro (Piranha 2), e sabendo que, dentro da sua filmografia ‘Titanic’ era um outlier, estava à espera do espectáculo visual de ‘Aliens’ ou ‘T2’, um espectáculo sem grande conteúdo. Vi-o tranquilamente em 2D e, tendo em conta o que estava à espera, não me desapontou. Era mais um filme de acção à la Cameron, e escrevi umas pequenas notas nesse sentido. Contudo, algo se passou nos dias seguintes. O filme começou a ser publicitado nos meios de comunicação social como a maior maravilha que a sétima arte alguma vez tinha produzido. Começaram-lhe a dar prémios e os valores da bilheteira começaram a bater todos os recordes. Admitia sim que o visual de ‘Avatar’ era brilhante, mas o filme, como filme, como conteúdo, não era nada de especial, era mais um produto de argumento batido e de maus diálogos tão típicos de Cameron. Mas não era isso que parecia ser o consenso mundial. Comecei a achar que o problema estava em mim, que não tinha visto o filme decentemente. Então, dois anos volvidos, vi ‘Avatar’ uma segunda vez, desta vez cuidadosamente. Daí resultou uma longa crónica a decompor ‘Avatar’ quase cena a cena. 

Caro leitor, acompanhe-me nesta longa viagem por Pandora e no final, se ainda não estiver convencido, informe-me da falha do meu raciocínio. Opiniões são opiniões é certo, mas por mais que tente, não consigo descobrir onde está a magnificência deste filme, para além daquela que pode facilmente ser comprada, desde que haja dinheiro e cérebros para tal, nos estúdios da Weta ou da Industrial Light and Magic, ou seja, aquela associada aos efeitos ditos especiais.

1. Breves notas (Dezembro de 2009)


Ok. Vi-o hoje. Cameron apresenta o esperado. Um cliché enfadonho mas visualmente brilhante. Senão vejamos. Efeitos visuais e especiais: fantásticos, magníficos, como dizem os ingleses ‘over the top’. Acção: clássica de blockbusters na boa tradição a que Cameron já nos habituou (embora tenha demorado duas horas enfadonhas a la chegar). História: fórmula batida de ‘Pocahontas’, ‘New World’, ‘Dances with Wolves’, ‘The Last Samurai’, etc (e não contém uma mensagem pseudo-ambiental que estes também não contêm). Diálogos: piores a cada minutos que passa, o calcanhar de Aquiles de Cameron, um conjunto de lugares comuns de militares, de amor e de ‘salvar o mundo’, fazendo lembrar frases horríveis de outros filmes de Cameron como ‘True Lies’ e ‘The Abyss’. No final de contas, o filme só vale a pena pelos efeitos visuais. Mas vale mesmo a pena ver um filme enfadonho de duas horas e meia, somente pela qualidade da imagem e pela magnífica cena de acção que surge no final? Apesar de tudo, Cameron prova mais uma vez que é, mais do que um grande tecnicista cinematográfico, um grande mestre do marketing. Eu comprei o meu bilhete, e suponho que milhares de outros farão o mesmo. Um blockbuster de Verão, nada mais, com grandes efeitos e um argumento com uma completa falta de originalidade, ao bom estilo de Cameron. Bom entretenimento para uma noite de Sábado, mesmo assim. Mas não o épico que está a ser vendido nas notícias.



2. Revisitando Pandora (13 de Novembro de 2011)

Hoje, pela primeira vez em dois anos, desde que o vi no cinema, revi o filme ‘Avatar’. 

Na altura, a minha opinião não foi muito positiva. Chamei-lhe um ‘cliché enfadonho mas visualmente brilhante’. Para mim era um blockbuster de verão à la Cameron, com uma história morosa estereotipada que culminava numa boa sequência de acção ao fim de 2 horas, e que era favorecido por um dos melhores conjuntos de efeitos visuais que eu já tinha visto num filme. Apenas bom para ver num sábado à tarde, disse eu, e nada mais.

Isto foi escrito logo no início, mal o filme estreou. E, se a opinião dos cinéfilos em geral fosse de certa forma semelhante, não me surpreenderia, e seguiria em frente contente com a minha vida. Contudo, tal não aconteceu. Para meu espanto, de repente o marketing (um dos fortes de Cameron) entrou em força, e vi ‘Avatar’ ser aclamado (por quem exactamente ninguém sabe) o filme mais importante de todos os tempos, e comecei a ouvir em tudo o que era notícia que era um dever cívico ir vê-lo, visto que iria revolucionar o cinema, a vida das pessoas, a natureza, o planeta e quiçá a humanidade. Óscares, Globos de Ouro e afins choveram aos pés de Cameron... Numa palavra: patético. Mas houve quem tenha engolido isto muito bem engolido, e isso é que me pareceu muito estranho, para não dizer triste.

Bem, dois anos volvidos, felizmente nenhuma dessas coisas aconteceu. Nem havia sequer a mais remota probabilidade de tal acontecer, considerando a qualidade do material. ‘Avatar’ agora é um número, é estatística. Não está incutido na mente das pessoas como os clássicos, nem mesmo os clássicos mais recentes. Nem nunca estará. Serviu o seu propósito: ganhar dinheiro. E ganhou. 

Hoje vi ‘Avatar’ com olhos de ver. Atento e com um caderno de apontamentos à frente. Fico contente por saber que a minha opinião não mudou. Vou tentar desconstruir ‘Avatar’ nas linhas que se seguem e justificar a minha opinião.

Para começar, ‘Avatar’, ao contrário do mito que se criou, não revolucionou nada. Cameron não esperou por nenhuma tecnologia para fazer o filme. Esperou pelo upgrade da tecnologia, que é uma coisa bem diferente. O 3D já existia há mais de 60 anos, e o performance capture há mais de 10. Avatar é de 2009, contudo Gollum apareceu pela primeira vez em 2001, com a mesma tecnologia. Pode-se argumentar que Gollum é apenas uma personagem, mas é importante lembrar que, mais importante que o avanço do ‘Senhor dos Anéis’, no mesmo ano de 2001 ‘Final Fantasy’ foi um filme que apresentou todas as personagens animadas baseadas em actores reais, através da tecnologia do motion capture. Na altura, houve uma enorme controvérsia sobre a ética deste procedimento, incluindo até processos legais de sociedades de actores contra os criadores deste filme, temendo que o avanço da tecnologia torna-se o seu trabalho obsoleto, tal como os trabalhadores fabris temem o aparecimento das máquinas nas cadeias de produção. 8 anos depois, ‘Avatar’ era louvado, e não criticado, por usar a mesma tecnologia tão realista em todo o filme. Como os tempos mudam.

O que Cameron conseguiu fazer foi implementar esta tecnologia num cenário CGI incrivelmente realista. Não nos enganemos, os efeitos visuais de ‘Avatar’ são fabulosos. Mas nunca conheci um filme que só valesse por isso. A história, o argumento, os actores, a fotografia, cada uma destas coisas valem mil vezes mais que os efeitos visuais. Aliás, estes só devem existir para proveito da história, e a história, ou o estilo visual (como é o caso de ‘Sin City’ ou ‘300’), tem que os justificar. Contudo, ‘Avatar’  depende única e exclusivamente dos seus efeitos visuais, quando grande parte da história nem sequer o justifica.

Mas comecemos por analisar a mente criadora deste filme. Quem é Cameron realmente? Na altura em que ‘Avatar’ saiu nos cinemas, as pessoas já nem sabiam quem ele era. Não acredita, caro leitor? Então qual a razão dos posters do filme e o trailer ostentarem a frase ‘do realizador de Titanic’ e não ‘do realizador James Cameron’? Cameron não é um grande autor, nem sequer um grande realizador. Cameron é um realizador de filmes de acção. Tal como Michael Bay, Cameron não tem talento para as cenas intimistas, nem para a escrita de argumentos. Pior ainda, ao contrário de Bay, Cameron escreve os seus próprios argumentos. O que não é bem jogado, visto que muitos deles são de fugir. Estamos a falar de um realizador cujas histórias são na sua maioria todas pontilhadas de clichés, e que só valem pela sua acção. Cameron realizou dois filmes de acção muito bons (T2 e Aliens), um filme de acção mediano (Terminator) e três filmes de acção claramente maus com argumentos insuportáveis (True Lies, Abyss e, supõe-se, Piranha 2). 

A sua filmografia fica completa com ‘Titanic’, que foi o que se pode chamar ‘um golpe de sorte’. ‘Titanic’ não reflecte o estilo de Cameron, é a excepção. E nota-se como Cameron voltou ao seu velho eu com ‘Avatar’. ´Titanic’ tem muitos pormenores à Cameron, mas o seu verdadeiro segredo do sucesso esteve no facto de possuir uma fórmula que funciona (aka apela às massas), ter Leonardo DiCaprio no pico da loucura adolescente dos anos 1990, e claro, no facto de Cameron ser um génio a realizar cenas de acção (neste caso o barco ir ao fundo). Mais que um grande filme, TItanic foi uma moda. O mesmo se passou com Avatar. E é errado assumir que estes são os dois filmes mais rentáveis da história do cinema. Se contarmos com a inflação da moeda, ou os bilhetes vendidos (o que ainda é melhor, visto que que os bilhetes de cinema, mesmo com a inflação, ficaram mais caros), ‘Gone with the Wind’ é ainda o filme mais visto e rentável de sempre. Para além do mais, foi feito em 1939, numa época em que os filmes demoravam 2 anos a chegar à Europa e ao resto do Mundo, e não havia o marketing nem as estreias simultâneas em biliões de salas. Mesmo assim, mais gente viu ‘Gone with the wind’ nos cinemas que ‘Avatar’. Aliás, ‘Avatar’ e ‘Titanic’ estão bem lá para o fundo da tabela, atrás de filmes como ‘Star Wars’ ou ‘ET’, só para citar alguns, ou até, se considerarmos apenas o mercado americano, ‘101 Dalmatians’. Se quiser números, caro leitor, digo-lhe que ‘Avatar’ rendeu 2.782.275.172 dólares nas salas de cinema mundiais, mas ‘apenas’ 760.507.625 nas americanas. ‘Gone With the Wind’, só nas salas americanas, tendo em conta a inflação, vendeu bilhetes no valor de 1.604.234.330, ou seja, mais de metade do valor que ‘Avatar’ fez a nível mundial.

Após ter visto todos os seus filmes (menos o Piranha 2, repita-se!), eu tenho a impressão que Cameron não sabe como se fala na vida real. Creio que ele aprendeu a falar nos filmes de acção. Então quando ouvimos o Coronel a dizer, nos primeiros 10 minutos ‘If there is a Hell, you might want to go there for a little R&R after a tour on Pandora’, ou uns soldados a dizer, quando vêem Jake chegar numa cadeira de rodas ‘Oh, boy, meals on wheels’, então sabemos que estamos num bom filme de militares de Cameron, e estamos prontos para uma carrada de clichés, e muitas frases que soam bem no papel, mas que quando pronunciadas se tornam completamente lamechas.


A primeira meia hora de ‘Avatar’ está cheia deste argumento inconsequente. Aliás, aqui os efeitos especiais eram completamente dispensáveis. Cenários de nave e laboratório serviriam o mesmo propósito, e mais uma vez, tudo o que se passa é para ‘encher’. O pior de tudo é a narração forçada de Jake, para um suposto ‘diário de bordo’. Tem a capacidade de aparecer quando o filme se torna chato e é preciso ganhar tempo para a próxima cena, embora a narração explique tudo o que o público (se tiver dois dedos de testa) já sabe. E de novo, as frases que arranham os ouvidos de tão más que são trazem à memória os mais belos (leia-se detestáveis) one-liners de Schwarzenneger em ‘True Lies’, sem dúvida o pior filme de Cameron.

Após 40 minutos que servem para explicar ao público variadas coisas como a tecnologia, ou aquilo que a ‘organização’ procura em Pandora, Jake é enviado com o seu avatar Na’vi para o meio da selva. Aqui começa uma longa série de contradições. Anteriormente ouvimos o Coronel referir-se a Pandora com um inferno. Esteve 3 anos na Nigéria e saiu de lá sem um arranhão. No primeiro dia em Pandora, ficou com os arranhões que agora ostenta na cara. Mas quem os fez? Após 2 horas de filme apercebemo-nos que planeta mais pacífico que Pandora não parece haver. Povo mais pacífico que os Na’vi não parece haver. Onde está a ameaça de que se fala em Pandora? Porque motivo os militares ainda não destruíram o planeta? Pelo que se vê, bem que o podiam ter aniquilado em 2 dias.

Logo na sua primeira incursão por Pandora, Jake encontra uma espécie de rinoceronte e depois uma espécie de felino. Quase sozinho, com um pau, por pouco não consegue vencer estes dois animais. Quanto mais não faria uma legião inteira de soldados com armas topo de gama. Os Na’vi também são facilmente aniquilados no primeiro ataque a Home Tree e não têm capacidade de defesa contra os militares. Portanto, onde está a dificuldade de conquista? Os Na’vi ganham a batalha final, é verdade, mas apenas porque são liderados por Jake e este pediu auxílio à mãe natureza. Até esse ponto, não há nada de ameaçador no planeta. Até esse ponto os militares podiam facilmente ter ganho. Porque não o fizeram? Obviamente, porque senão não havia filme. 

Aliás, toda a estratégia dos militares é esquisita. Atacam a Home Tree com sucesso, mas a cena seguinte mostra-os de novo na base. Porque se retiraram? Não era fácil seguir os Na’vi em fuga e aniquilá-los de vez? Não era fácil segui-los e descobrir a localização da árvore da vida para destruir o povo de vez? Excepto nos dois ataques, nunca sinto os Na’vi sobre grande ameaça. Afinal, estão reféns num planeta ocupado por humanos. Mas não parece. Outra coisa. Aquando do ataque final, o Coronel mostra a imagem satélite da actividade Na’vi. Então se têm um satélite, porque raio precisam de Jake para obter informações no terreno? O nosso Google Maps é bem bom nesse sentido, e nem sequer conseguimos ir para além da Lua. Quando mais não lhes poderia oferecer o seu satélite topo de gama? E mesmo que não conseguissem captar nada, a verdade é que, se analisarmos bem, Jake não retransmitiu mais nenhuma informação vital desde que foi para a base nas montanhas suspensas. Mesmo assim, os militares esperaram 40 min de filme até atacar! Para quê? A resposta a todas estas perguntas é simples. Os militares não atacam para dar tempo de filme a Jake para ter toda a sua iniciação Na’vi, o que é o mesmo que dizer, para poder mostrar efeitos especiais e a natureza selvagem. Os militares atacam ou não atacam para bem do filme, e não para bem deles próprios. Filmes em que as acções das personagens não são realistas porque estão condicionadas pelo argumento são, muito sinceramente, maus filmes.

O que nos leva aos Na’vi em si. 

Primeiro, falam melhor inglês que muita gente que eu conheço. Só não usam os artigos e os determinantes. Mas sabem usar expressões idiomáticas como ‘copo meio cheio e vazio’ e palavras com mais que 6 sílabas. Se eu disser ‘you othorinolaringologist’ em vez de ‘you are an othorinolaringologist’, isso já quer dizer que sei pior inglês porque sou um indígena e por isso não consigo dizer ‘are’ embora consiga dizer ‘othorinolaringologist’?

Depois vem a questão daquilo que são os Na’vi. Em Pandora há exactamente 7 espécies animais. Sim, eu contei-as. Há os Na’vi, uma espécie de rinocerontes, uma espécie de felinos, uma espécie de dragões, uma espécie de pássaros, uma espécie de veados, e uma espécie de libelinhas. Então, de onde surgem estes humanóides? Quer dizer, os humanos andam em 2 patas, têm olhos e narizes e bocas e mãos porque são o resultado de biliões de anos de evolução, sendo os primatas o principal elo de ligação. Em Pandora não há primatas. Como andam estes Na’vi em duas patas, têm pés e mãos com dedos, olhos, cabelos, ouvidos e narizes em tudo semelhantes aos nossos, apenas maiores? Descenderam directamente dos dragões?

Se me dissessem ‘deixa-te de mariquices, isto é só um filme’ eu aceitaria de bom grado e calar-me-ia. Mas um dos motivos pelo qual insisto nisto é por ‘Avatar’ ter sido aclamado como um filme ‘ecológico’ e muito importante para a preservação a natureza e do nosso planeta. Pois bem, no outro dia vi um filme em que um tipo plantava uma árvore. Só aí havia mais de ecológico que nas 2h40min de ‘Avatar’.

Mas que natureza revela Avatar, afinal? Uma natureza cuja ordem natural está toda errada. Para começar só há 7 espécies animais em Pandora. Suponho que plantas haja muitas mais, mas é um ecossistema um bocado limitado, não vos parece? Há muitas mais espécies no ‘Lord of the RIngs’ e nunca ninguém lhe chamou um ‘filme ecológico’. Sauron destrói a floresta dos Ents, mas ninguém liga nenhuma a isso. Depois, que coisa é que diferencia os Na’vi dos humanos afinal? A meu ver, apenas uns milhares de anos.

Os Na’vi são guerreiros. Sim, a palavra é ‘guerreiros’, e ‘guerreiros’ não é uma palavra pacífica. Os jovens Na’vi têm iniciações guerreiras. Têm códigos guerreiros. Aprendem a usar armas. Nada disto é pacífico. Se o povo ama tanto a paz e a comunhão, porque treina ‘guerreiros’? Com que intuito? Guerras de clãs? Para além do mais, vivem em comunhão com a natureza mas também têm que comer. Lá por fazerem uma oração a um animal que acabaram de matar com uma flecha não os torna menos caçadores. Mataram um animal inferior para o comer. O que os diferencia dos humanos? Os próprios humanos comportavam-se como os Na’vi nos primórdios, até a evolução os obrigar a usar mais e mais flechas e deitar as florestas abaixo para o seu próprio conforto. Os Na’vi, a meu ver, vão pelo mesmo caminho. Se matam uma espécie de veado com uma flecha, daqui a mil anos estão a fazer bem pior. Se os seus jovens têm iniciações guerreiras, em breve haverá discórdias, etc, etc. Os Na’vi são como os humanos eram nos primórdios. Não são puros. Apenas ainda não tiveram tempo para evoluir.

Mas há pior. Tomemos a subjugação da espécie de dragões. Tal como diz Neytiri, Jake tem de os subjugar pela força. O animal terá de tentar matar o ‘dono’ escolhido. Se for bem sucedido bem, o dono terá um problema grave. Se não for, será seu para sempre. Será seu quê? Escravo! A espécie de dragão é subjugado pela força, e uma vez conectado tem que capitular e servir a vontade do amo. Sem querer, Cameron justifica a essência humana nos Na’vi. Os humanos subjugam primeiro pela força e depois pela compreensão. O mesmo fazem os Na’vi com esta espécie de dragões. O dragão, aparentemente, não quer subjugado, mas depois de o ser não tem mais escolha.

Supostamente, a espécie de dragão e o Na’vi, uma vez unidos, ficam ligados para a vida. Contudo, lá para o fim do filme, Jake tenta domar uma espécie de dragão muito maior, o Taruk. Então e a sua ligação com o primeiro dragão? Vai para o caneco? Uma vez domado o Taruk, o dragão anterior de Jake nunca mais aparece. Coitadinho. Deve ter chorado muito. Mais uma vez, um Na’vi tem uma atitude humana. Vai subindo na cadeia dos mais fortes, e descarta quem o ajudou a subir até lá.

E as questões sobrepõem-se. Jake, tal como muitos heróis desde Luke Skywalker, é alguém a quem as coisas acontecem injustificadamente só porque é ‘o escolhido’. A questão é que Skywalker teve que lutar para se conseguir unir à força. Jake, tal como Harry Potter ou o Kung Fu Panda não tem que fazer a ponta de um corno. É o escolhido, por isso tudo gira à volta dele, quer ele se esforce quer não. No primeiro dia na selva, é logo levado pela filha do chefe à tribo. Eles sabem que ele não é um deles, mas não se importam, e ensinam-lhe tudo. Muitos humanos, incluindo a personagem de Sigourney Weaver, trabalharam muito por esse privilégio mas nunca o conseguiram. Mas Jake, só porque é Jake, consegue, mesmo sem querer. Mais caricato é o domar do Taruk. Isto nem sequer é uma questão de ele ser ou não o escolhido, ou ele estar ou não predestinado a domar o Taruk (só um ou dois sábios o tinham feito antes). É uma questão de manha. E uma manha bem simples. Atacá-lo por cima e juntar as tranças. É tão ridículo que uma pessoa surpreende-se como é que os guerreiros Na’vi nunca pensaram nisso antes. É tão ridículo que uma pessoa pergunta-se se é mesmo verdade. A partir daí o animal subjuga-se a Jake, incondicionalmente. Mais uma vez, inconscientemente, Cameron fala de escravos e donos, e de a raça mais forte domar a mais fraca. Mas o significado que o filme força a esta situação é bem diferente, e aí está a diferença. O que o filme impõe é diferente daquilo que o filme realmente mostra se se o analisar para além da superfície.

Já disse que Cameron é fraco a escrever diálogos. Mas o argumento de ‘Avatar’ não fica atrás. Não há uma só ideia original em todo o filme. A história da Pocahontas é a mais saliente, mas todos os filmes de um outsider a aprender os costumes locais e depois a voltar-se contra o sistema, desde ‘Last Samurai’ a ‘Dances with Wolves’, estão bem presentes, sem nenhuma tentativa de disfarce. Cameron até rouba dos seus próprios filmes, mais propriamente de Aliens, em toda a parte dos militares. Pior que tudo, é o, chamemos-lhe plágio, do filme de animação italiano ‘Aida degli alberi’ (2001) (ver este site). Até o ‘Highlander’ é referenciado, o quickening muito parecido com a relação dos Na’vi com a natureza. Também se lhe pode chamar ‘a força’!

Quando olhei para o contador e ia em 1h45 (ainda 50 minutos faltavam) a palavra que me vinha à cabeça era ‘enfadonho’. A história é batida e desenvolve-se lentamente sem surpresas, e o desenrolar do filme está todo condicionado pelo facto de que ainda não se terem acabado de mostrar todos os efeitos especiais. Felizmente, há uma grande cena de acção, digna de Cameron, mas quando ela chega, após as 2h de filme, chega tarde de mais.

Em relação a outras características cinematográficas há pouco a assinalar. O filme tem sempre o mesmo tom visual. O mesmo que existe num jogo de computador. E após 2h, por brilhantes que sejam os visuais, ficam repetitivos, e nada na história os catapulta para o extraordinário.

Resumindo e concluindo, ‘Avatar’ não é um filme que deva ser sujeito às camadas a que o subjuguei agora. Há falhas em todas estas camadas simplesmente porque estas camadas não existem. Os blockbusters não têm camadas. Apresentam as coisas ‘face value’ e o que interessa é o entretenimento, o visual, a acção e o espectáculo disponibilizado. ‘Avatar’ disponibiliza todas estas coisas, mas ‘Aliens’ e ‘T2: Judgment Day’ disponibilizam-no de uma forma muito mais satisfatória. Cameron criou uma história de entretenimento baseada em visuais apelativos, e será de supor que ambicionava pouco mais. O marketing é que inventou todas estas camadas para vender o filme e, infelizmente, as massas caíram que nem uns patinhos.

‘Avatar’ é um filme de acção razoável com excelentes efeitos especiais. Nunca será nada mais que isso. Um bom filme é bom em tudo, é original, cativa, e não precisa de artifícios para ser bom. ‘Avatar’ é moroso, copiosamente copiado, tem diálogos péssimos, e o seu maior trunfo é o artifício visual, que para o olho cinematográfico treinado não é suficiente para disfarçar o facto de não ter história, e a que tem ter mais buracos que um queijo suíço. As sequelas aproximam-se perigosamente. ‘Avatar 2’ e ‘Avatar 3’ já têm datas marcadas. Deus nos livre de mais loucura e excitação e ‘o Mundo vai ser salvo’. Não fazem isto cada vez que estreia um novo ‘Piratas das Caraíbas’. Vão vê-lo, torna-se um dos 20 filmes mais rentáveis, e pronto. Toda a gente fica feliz. Não há cá tretas de ‘o Mundo agora vai ser um lugar melhor agora que as pessoas viram os ’Piratas das Caraíbas’. O Jack Sparrow é o salvador da crise!’. E, para registo, alguns dos ‘Piratas das Caraíbas’ são bem melhores que o ‘Avatar’!

O ‘Avatar’ é um filme de acção com umas árvores e uns extra-terrestres. E depois? Árvores e extra-terrestres nunca foram suficientes para fazer bons filmes. É preciso algo mais. O filme ‘E.T.’ também tinha extraterrestres e inclusive o E.T. salvava uma planta. Mas nunca ninguém disse que o ‘E.T.’ era um filme ecológico importante para o futuro da humanidade. O ‘E.T.’ é um grande filme. Mas nunca na vida o Cameron vai fazer um filme como o ‘E.T.’. Para isso é preciso ser um grande realizador.

9 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Caro Caique: confesso que tenho inveja de que consiga ter essa visão da natureza tal como retratada neste filme. Eu não consigo e como tal sinto que estou a perder a tal 'magia' que tanto se falou que este filme continha...

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  3. Também achei o filme totalmente horroroso e infantil,... desagradável, ao contrário do mundo inteiro. Roteiro ridículo com os piores diálogos que já tinha visto num filme até hoje. Aliás...todos os filmes com esse ator principal costumam ser do mesmo tipo. Gostaria de saber se vc também achou Star Wars7 como o filme realmente é, assim como o fez com Avatar.

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    1. Pode ler tudo aqui: http://eusoucinemapt.blogspot.pt/2015/12/star-wars-episode-vii-force-awakens.html

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  4. Um filme como Avatar transcende aos aspectos físicos da matéria. Uma canalização para expansão da consciência que apenas poucos compreenderão sua verdadeira mensagem. Somos muito mais do que pensamos!

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  5. Puro marketing os filmes deste cara prefiro os vingadores entre outros este cara é um gênio do marketing Titanic e outro filme dele mediano diccaprio e muito fraco como ator a keit wisper aí sim é atriz mais não via a hora de ver o navio afundar única coisa legal no filme

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  6. Na minha opinião, eo vento levou foi o melhor filme de todos os tempos e também já vi comentários quê é verdadeiramente o filme mais assistido de todos os tempos que até hoje ainda é assistido em cinemas em cidades do interior no mundo todo

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  7. infelizmente você não viu a visão real proposta pelo diretor, a critica a sociedade ( a visão etnocêntrica) que é feita na destruição da natureza e crenças do povo nativo. A exuberância dos efeitos da natureza nos traz a importância de valorização e se sentir na cultura dos povos nativos. ESTA É UMA VISÃO SOCIOLÓGICA.

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    1. Eu ver até acho que vi, mas não acho que seja melhor, mais bem trabalhada ou mais interessante que a inúmeros outros filmes que cito, de 'The New World' a 'Dances with Wolves'. A única diferença é que este tem mais CGI, mas isso não o torna por definição melhor...

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Miguel. Portuense. Nasceu quando era novo e isso só lhe fez bem aos ossos. Agora, com 31 anos, ainda está para as curvas. O primeiro filme que viu no cinema foi A Pequena Sereia, quando tinha 5 anos, o que explica muita coisa. Desde aí, olhou sempre para trás e a história do cinema tornou-se a sua história. Pode ser que um dia consiga fazer disto vida, mas até lá, está aqui para se divertir, e partilhar com o insuspeito leitor aquilo que sente e é, quando vê Cinema.

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