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Moon

Ano: 2009

Realizador: Duncan Jones

Actores principais: Sam Rockwell, Kevin Spacey, Dominique McElligott

Duração: 97 min


Crítica: Na sua peça de teatro ‘Twelfth Night, or What You Will’, William Shakespeare escreveu uma das suas mais acutilantes verdades: “Some are born great, some achieve greatness, and some have greatness thrust upon them”. Pois bem, ser o filho de uma aclamada celebridade, ou seja, nascer no meio da grandeza, pode levar a que mais facilmente as portas se abram do mundo do espectáculo e que o sucesso surja sem grande esforço aparente. No cinema são inúmeros os exemplos dos descendentes que seguiram a linha dos pais (como o meu ‘TOP 10 – As grandes dinastias do cinema’ já narrou), mas para mim um dos casos recentes mais fascinantes é o de Duncan Jones, porque nasceu em grandeza, é verdade, mas também se tornou grande por mérito próprio.

Duncan Jones é o primeiro filho do recentemente falecido David Bowie. Só isso lhe dava um cartão de entrada invejável caso quisesse seguir carreira no mundo do espectáculo. Mas o jovem Duncan começou por estudar filosofia. Só mais tarde se mudou para a London Film School, onde obteve o diploma de realizador em 2001, já com 30 anos de idade. Os seus primeiros trabalhos foram para concertos do pai, para a publicidade e mais tarde para jogos de computador (uma paixão que se consumaria no seu terceiro filme, ‘Warcraft’, um dos grandes fiascos deste Verão). Portanto só mesmo no final da década de 2000 é que finalmente lançou a sua primeira longa-metragem: ‘Moon’. E aí surpreendeu toda a gente.

"Chamar “obra-prima” a ‘Moon’ é um pouco exagerado, mas considerando as atenuantes; ser um filme de ficção científica moderno de muito baixo orçamento de um realizador estreante, ‘Moon’ é bom. É surpreendentemente bom."

A primeira vez que eu ouvi falar de ‘Moon’ foi em 2009, pouco depois do seu lançamento. Foi um burburinho, um daqueles burburinhos excitantes que de vez em quando surgem, quando um filme de um desconhecido (na altura nem sabia quem era o realizador, nem de quem era filho) gera furor fora dos meios mainstream. O filme acabaria por ser nomeado para sete prémios do British Independent Film Awards, vencendo dois (Filme e Realizador Estreante), e nos BAFTA Jones venceu o Prémio Revelação, por produzir, realizar e escrever o filme. Mas não foi bem por causa destes prémios que ‘Moon’ se tornou, perdoem-me a expressão moderna, ‘viral’. Do que eu mais me recordo, entre os meus amigos cinéfilos, foi aquela onda de excitação originada por um produto diferente e irreverente, por uma visão fresca de uma fórmula batida. Aquela mesma excitação que no ano anterior tinha invadido as nossas conversas aquando de ‘In Bruges’ (2008).

Por isso mesmo, ‘Moon’ não foi bem um filme que se viu no cinema. Aliás, o filme fez apenas uns patéticos 9 milhões de dólares na bilheteira a nível mundial (isso faz hoje ‘Fantastic Beasts’ numa hora). Mas foi um filme que passou de mão em mão e que teve a seu favor uma imensa palavra de boca, tal como um bom filme pré era das redes sociais. A sua reputação não adveio de um marketing exacerbado. Veio da sua qualidade intrínseca. E que a tem, tem, pelo menos até certo ponto. De quando em quando a imprensa decide chamar a alguém “o novo Kubrick”. Ainda o disseram recentemente de Jonathan Glazer por ter realizado ‘Under the Skin’ (2013). Com ‘Moon’, Jones provou que esse epíteto poderia facilmente servir-lhe. Kubrick, obviamente, faria uma obra-prima da ficção científica com este material. Chamar “obra-prima” a ‘Moon’ é um pouco exagerado, mas considerando as atenuantes; ser um filme de ficção científica moderno de muito baixo orçamento de um realizador estreante, ‘Moon’ é bom. É surpreendentemente bom.

‘Moon’ é um daqueles filmes de ficção científica da velha escola, porque não se foca nos efeitos visuais, esses que infelizmente consomem a maior parte dos filmes de ficção científica pós-modernos. Aliás, os efeitos de ‘Moon’, da companhia Cinesite, são singelos (é incrível o quão pouco este filme custou), mas Jones disfarça-o, e bem, optando por um look estilizado que está mais preocupado em criar um ambiente do que propriamente ser realista. Assim sendo, o filme dedica-se muito mais intensamente a aprofundar a tensão da trama (o underscore de Clint Mansell por exemplo é uma presença perturbadora ao longo de todo o filme), e a bem desenvolvida psicologia das personagens. Ou melhor, da personagem, visto que o filme é praticamente um one-man show de Sam Rockwell (de longe, a sua melhor interpretação até hoje). Em comparação é incrivelmente patético a Academia este ano ter nomeado Matt Damon para Melhor Actor por ‘The Martian’ (2015), outro homem sozinho num planeta distante mas num papel sem sal nem sabor, quando Rockwell mete Damon num bolso com a sua profunda, apesar de algo desgarrada, interpretação.

"‘Moon’ é um daqueles filmes de ficção científica da velha escola, porque não se foca nos efeitos visuais (...) o filme dedica-se muito mais intensamente a aprofundar a tensão da trama e a bem desenvolvida psicologia das personagens. Ou melhor, da personagem, visto que o filme é praticamente um one-man show de Sam Rockwell"

A primeira cena enquadra-nos num futuro não muito distante através de um anúncio de televisão que me trouxe à memória os de ‘Robocop’ (1987). Uma Corporação (ah, como o sci-fi gosta de uma boa Corporação) resolveu o problema da crise energética na Terra ao descobrir uma espécie de combustível ecológico no lado longínquo da Lua. Isto é todo o enquadramento de que vamos precisar. A partir daqui o filme não mais vai sair do ambiente confinado e muitas vezes opressivo da base lunar. Logo somos apresentados a Sam (Sam Rockwell) o único ocupante da base. Com o trabalho mecanizado, a Companhia precisa apenas de um único trabalhador para supervisionar as operações, que fica sozinho na Lua num contrato de três anos terrestres. Sam está precisamente a duas semanas de terminar o seu contrato e, já algo afectado pelos longos anos de solidão, só pensa em regressar à Terra e à sua família, nomeadamente à mulher e à filha que nunca conheceu pessoalmente e com quem apenas pode comunicar por mensagens de vídeo, já que as emissões em tempo real há muito estão avariadas.

Com um ritmo plácido (o filme nunca tem pressa apesar de apenas ter 90 minutos) mas que só raramente se torna monocórdico, assistimos à rotina diária de Sam para manter a sanidade e para executar o seu trabalho. O filme desenvolve-se de forma confiante, alternando esta existência cíclica na base com coreografados planos do espaço onde a música clássica não pode faltar. As referências a Kubrick surgem naturalmente sem serem intrusivas, inclusive no computador bem ao estilo do HAL de ‘2001’ (mas definitivamente mais simpático), cuja voz entre o mecânico desapaixonado e a simpática passividade está bem ao estilo de Kevin Spacey.

Para Sam, podem ter sido uns três anos rotineiros e sossegados, mas o espectador sabe que isto não vai durar muito. Como um bom thriller sci-fi, de ‘Alien’ a ‘Silent Running’ a ‘Solaris’ (Jones estudou bem os clássicos), o filme puxa-nos completamente para o seu universo e aguardamos ansiosamente pelo momento em que coisas se começam a desenrolar. E não temos de esperar muito. Sam começa a ver coisas estranhas pela nave. E depois, quando está a conduzir o seu tanque na superfície lunar, tem uma nova visão que o leva a ter um acidente. Este é o ponto fulcral de viragem, quando todos os fãs do sci-fi sustêm a respiração.

"O filme desenvolve-se de forma confiante, alternando esta existência cíclica na base com coreografados planos do espaço onde a música clássica não pode faltar (...) Como um bom thriller sci-fi (Jones estudou bem os clássicos), o filme puxa-nos completamente para o seu universo e aguardamos ansiosamente pelo momento em que coisas se começam a desenrolar"

Quando recupera os sentidos, Sam nota que voltou, inexplicavelmente, à base. Mais coisas estranhas continuam a acontecer e o computador não o deixa sair para o exterior. Ele força essa saída e encontra o seu tanque, com precisamente uma pessoa ferida lá dentro. E não é uma pessoa qualquer, é ele próprio. Ou não será? Quem é? De onde veio? É um clone? É fruto da sua imaginação? E quanto é que o computador sabe (já sabemos que os computadores sabem sempre mais do que dizem…). Na segunda metade do filme, Sam, ou melhor, os dois Sam vão lentamente descortinar os segredos da sua presença na Lua, da sua dual existência (e porque é que a saúde de um deles está a deteriorar-se), e dos verdadeiros planos da Corporação. E nós descortinamos com eles, levados pela mão do realizador que vai gerindo com alguma destreza a tensão e os momentos chave do filme. Infelizmente, esta destreza não é tanta quanto aquela que supomos que o filme poderia ter tido com um pouco mais de ponderação argumental.

Há inúmeros aspectos a favor de ‘Moon’. O seu estilo visual é fascinante, e a sua economia de recursos não é um turn-off porque permite precisamente que o realizador tenha mais cuidado com a sua realização e se foque mais nas personagens (algo que falta nos filmes carregadíssimos de efeitos). A interpretação dual de Rockwell é memorável, e as cenas a dois são incrivelmente naturalistas do ponto de vista visual (um truque de fotografia perfeito). Contudo, emocionalmente, o misto de desconforto e impassividade que têm na presença um do outro acaba por ser algo artificial. E esta sensação estica-se para o segredo do filme, acabando por o tornar um pau de dois bicos.

Por um lado o twist é original e bastante interessante, uma daquelas ideias que fazem os grandes filmes de ficção científica. E noto, revendo o filme agora passados sete anos, que a surpresa não se esgota com a primeira visualização, ou seja, é possível desfrutar do filme uma segunda vez mesmo já sabendo o segredo. E isso é óptimo. Contudo, uma coisa é o segredo por si, a outra coisa é o que o filme faz com ele. E isso já não é assim tão extraordinário. O segredo de ‘Moon’ é bom, disso não haja dúvidas, e a forma como se reflecte no desenlace da história também, contendo algumas bem intencionadas (embora não muito profundas – mas tudo bem) reflexões emocionais sobre o significado da vida e da felicidade. Contudo, um dos grandes problemas do filme é ter a consciência de que o seu twist é assim tão bom, e portanto tem alguma dificuldade em conter a sua excitação e de o esconder do espectador.

"O twist é original e bastante interessante, uma daquelas ideias que fazem os grandes filmes de ficção científica (...) Contudo, uma coisa é o segredo por si, a outra coisa é o que o filme faz com ele. E isso já não é assim tão extraordinário."

O choque da primeira surpresa não é dado como um grande bang que deita o espectador da cadeira abaixo, como acontece com os grandes clássicos de terror ou ficção científica. Em vez disso, o filme vai deixando tantas pistas, insinuando tantas coisas, que quando esse bang chega, o espectador mais atento já certamente o terá desvendado. E a partir daí, o filme não avança muito mais. Preso à mesma ideia (até as boas ideias podem tornar-se repetitivas) o filme anda em círculos num tom morno rumo ao final. Isto só ajuda a provar a minha teoria de que a maior parte dos filmes modernos são apenas feitos à metade. A maioria não tem ideias originais, mas mesmo os que têm (como é o caso de ‘Moon’) constroem-se exclusivamente em torno da revelação dessa ideia e esquecem-se de lhe dar seguimento (ver por exemplo a minha crítica a ‘Up’).

Por isso mesmo notamos com algum pesar (porque o filme é sem dúvida interessante na sua primeira metade), que na sua segunda metade ‘Moon’ poderia ter tido muito mais profundidade e muitas mais ramificações argumentais na forma como explora o seu segredo e os seus dilemas emocionais. O prazer de ‘Moon’ está não no desfecho, não nas consequências da trama, mas no caminho que o filme percorreu para lá chegar. Portanto fica a sensação de que teria resultado ainda melhor se se tivesse apostado mais na construção e na antecipação (por exemplo a paranóia de Sam poderia ter sido mais explorada), e se o twist tivesse sido dado mais perto do final do filme para maximizar o seu impacto. Talvez com demasiada auto-consciência das suas condicionantes, o filme limita-se a perseguir um final que o espectador sabe que mais tarde ou mais cedo irá surgir, quando o relógio bater 90 minutos de duração…

Mas de novo retorno à minha consideração inicial: para um filme de ficção científica moderno de muito baixo orçamento de um realizador estreante, ‘Moon’ é um trabalho interessantíssimo. O filme tem um equilíbrio simpático entre o comercial e o art-house, gere na perfeição os seus baixos recursos, principalmente nas sequências espaciais, tem um bom ritmo e chega a atingir picos de melancolia pungente e beleza poética, com um bem temperado tom de esperança na sua mensagem final. Num mundo onde a ficção científica bate descaracterizadamente ao ritmo da evolução dos efeitos especiais, é bom reencontrar um filme que se rege pelos valores da velha escola, e que é uma excelente homenagem aos clássicos, dos escritos de Isac Asimov a Kubrick às obras espaciais mais memoráveis da década de 1970. 

"O filme tem um equilíbrio simpático entre o comercial e o art-house, gere na perfeição os seus baixos recursos, tem um bom ritmo e chega a atingir picos de melancolia pungente e beleza poética, com um bem temperado tom de esperança na sua mensagem final. (...) Só é pena, realmente, que Jones não seja mais exímio em explorar a boa ideia que teve (...) e que o filme acabe por saber a pouco, com um final demasiado previsível e que chega demasiado depressa."

Só é pena, realmente, que Jones não seja mais exímio em explorar a boa ideia que teve para a história, e que o filme, apesar de deixar um sorriso nos lábios do espectador, acabe por saber a pouco, com um final demasiado previsível e que chega demasiado depressa. Mas talvez seja injusto pedir mais, atendendo às circunstâncias. Para o que quer ser, ‘Moon’ é mais do que convincente e uma paragem obrigatória para todos os fãs do sci-fi. Esperava-se pois que Jones desse um salto ainda maior, quando tivesse mais recursos à sua disposição e ganhasse mais experiência. Mas após ‘Source Code’ (2011) e ‘Warcraft’ (2016), notamos que ‘Moon’ é ainda o seu melhor filme. Mas talvez isto não seja propriamente uma surpresa. Há uma pureza em ‘Moon’, uma intangível qualidade poética e artística, que advém da ingenuidade e da paixão de fazer um filme pela primeira vez (um autêntico trabalho de amor, se assim se pode dizer), que explica muito do seu sucesso. E é uma qualidade que nunca perderá, por mais anos que passem, por mais que os efeitos especiais evoluam. ‘Moon’ continuará a contar com um charme discreto uma boa história. Talvez demasiado simples, mas boa e original. E isso é muito raro no cinema moderno.

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Miguel. Portuense. Nasceu quando era novo e isso só lhe fez bem aos ossos. Agora, com 31 anos, ainda está para as curvas. O primeiro filme que viu no cinema foi A Pequena Sereia, quando tinha 5 anos, o que explica muita coisa. Desde aí, olhou sempre para trás e a história do cinema tornou-se a sua história. Pode ser que um dia consiga fazer disto vida, mas até lá, está aqui para se divertir, e partilhar com o insuspeito leitor aquilo que sente e é, quando vê Cinema.

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