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La prunelle de mes yeux

Ano: 2016

Realizador: Axelle Ropert

Actores principais: Mélanie Bernier, Bastien Bouillon, Swann Arlaud

Duração: 90 min

Crítica: Depois do belga ‘Baden Baden’, do grego ‘Suntan’, do estónio ‘Ema’ e do alemão ‘Wild’ tínhamos de inevitavelmente ter um filme francês na selecção de sete filmes do Projecto Scope 100, que tem dominado as páginas de EU SOU CINEMA nas últimas duas semanas. Contudo, ‘La prunelle de mes yeux’ chega, ao contrário de praticamente todos os outros, com muita má reputação. Todos os colegas deste projecto que já viram este filme classificaram-no imediatamente como o pior dos sete, como um filme de diálogos pobres, argumento pobre e sem a qualidade, a profundidade e a arte dos restantes.

O filme estreou em Agosto no festival de Locarno e nem sequer estreou ainda em França (faltam poucos dias, será a 21 de Dezembro) e portanto há muito poucas críticas pela internet (o imdb por exemplo, não tem nenhuma) que possam corroborar à partida a opinião dos meus colegas do projecto Scope 100. A crítica do Hollywood Reporter feita pelo enviado ao festival de Locarno é cautelosa, tentando salientar a suposta veia de comédia screwball que o filme quer ter mas admitindo que a sua fórmula é batida e sem ritmo.

"O cinema pode ser arte, pode ser socialmente interventivo, mas também pode ser comédia simpática, sorridente e despreocupada (...) e funcionar. O problema é quando não funciona. E no caso de ‘La prunelle de mes yeux’ definitivamente não funciona. Contudo, o filme é tão inócuo, tão inofensivo na sua manifesta falta de inspiração que não sinto grande vontade de o deitar abaixo. Quanto muito, sinto pena pelo esforço em vão."

Pois bem, a minha opinião segue mais ou menos as mesmas linhas. Não são tão assertivo como os colegas do Scope 100, nem estou tão disposto a dizimar completamente este filme. O cinema pode ser várias coisas: pode ser arte, pode ser socialmente interventivo, mas também pode ser puro entretenimento. Pode ser comédia simpática, sorridente e despreocupada, sem qualquer pretensão dramática, alegórica ou artística, e funcionar, porque não precisamos de ver (nem queremos) um ‘Lawrence da Arabia’ ou, usando um exemplo deste projecto, um ‘Wild’ todos os dias. O problema, contudo, é quando não funciona. E no caso de ‘La prunelle de mes yeux’ definitivamente não funciona. Contudo, o filme é tão inócuo, tão inofensivo na sua manifesta falta de inspiração que não sinto grande vontade de o deitar abaixo. Quanto muito, sinto pena pelo esforço em vão.

‘La prunelle de mes yeux’ é o terceiro filme de Axelle Ropert, mais uma realizadora feminina (só ‘Suntan’ até agora foi realizado por um homem, o que não deixa de ser uma interessante constatação no âmbito deste projecto). Ropert é uma actriz/escritora/modelo que em 2009 se voltou também para a cadeira da realização. ‘La famille Wolberg’ (2009) foi nomeado para o Golden Camera do Festival de Cannes e ‘Tirez la langue, mademoiselle’ (2013) ganhou o prémio de Melhor Jovem Realizador no Festival de Vancouver. Talvez fosse boa ideia ver um ou outro destes filmes, porque definitivamente devem ser melhores que ‘La prunelle de mes yeux’, que desde a primeira cena, no escritório da gerência de um restaurante grego, demonstra a sua manifesta falta de chama.

O filme tenta ter o tom da escola da comédia francesa, aquele misto de humor com surrealismo com sarcasmo que aprendemos a desfrutar no cinema gaulês já desde longa data. Mas uma coisa é tentar, outra coisa é conseguir. A aparente naturalidade das melhores comédias francesas é obtida através muito trabalho e muito talento. ‘La prunelle de mes yeux’ é um daqueles filmes que acha que essa naturalidade cómica é obtida sem esforço se simplesmente apontarmos a câmara a um conjunto de personagens ‘fora’ a fazer umas coisas ‘engraçadinhas’ e a um par de namorados que andam às turras numa artificial comédia de enganos até que inevitavelmente descobrem que não podem viver um sem o outro. Não é assim tão fácil e não é a mesma coisa.

"O filme tenta ter o tom da escola da comédia francesa, aquele misto de humor com surrealismo com sarcasmo (...) mas acha que essa naturalidade cómica é obtida sem esforço se simplesmente apontarmos a câmara a um conjunto de personagens ‘fora’ a fazer umas coisas ‘engraçadinhas’ e a um par de namorados que andam às turras numa artificial comédia de enganos (...) Não é assim tão fácil e não é a mesma coisa."

‘La prunelle de mes yeux’ segue a história de dois irmãos franceses de ascendência grega, Théo (Bastien Bouillon, algo inseguro como leading man) e Léandro (Antonin Fresson, mais eficaz mas infelizmente com um menor papel). Netos de uma grande artista grega, ambos tentam ganhar a vida como músicos, Théo assumindo o protagonismo tocando guitarra grega e Léandro ao seu lado tocando tambor. O que Théo não sabe é que Léandro toca a guitarra muito melhor do que ele, mas não o quer revelar para não magoar o irmão. O resultado é que não são um duo muito bem-sucedido, que só consegue tocar em casamentos da comunidade grega. As cenas em que vão ao centro de emprego falar com o seu ‘orientador profissional’ (hilariante Thierry Gibault) constituem praticamente os únicos verdadeiros momentos de humor do filme. Contudo, e infelizmente, não é aí que o filme se foca.

Théo e Léandro vão morar para um novo apartamento, um andar abaixo da belíssima Élise, cega de nascença (Mélanie Bernier; tem futuro no cinema francês, mas não a fazer coisas destas), e da sua irmã Marina (Chloé Astor) que tem um problema de dependência de cocaína. Ora bem, nem uma nem outra destas personagens funciona. Élise tem uma personalidade extremamente inconveniente e convencida, que de vez em quando se derrete numa pretensa humanidade quando mais convém ao filme. E a sua cegueira parece coreografada por alguém que nunca conheceu um cego na vida real. Nunca vi um invisual de nascença a andar tanto às apalpadelas na sua própria casa, na sua própria rua, no seu próprio emprego (locais supostamente de familiaridade), como Élise. E a dependência das drogas da sua irmã é de rir. É apenas uma frase que de vez em quando se atira para o ar (“estou a tentar largar a coca”) embora isso não afecte um milímetro a sua personalidade, totalmente normal, nem a história do filme. Se não fossem essas frases nunca suspeitaríamos. Portanto, para quê inseri-las? Para dar dimensão à personagem? Feito assim não dá. Claro que não dá. Só se for para arranjar uma desculpa para ir à médica (Camille Caillol) que funciona para as irmãs como o orientador do centro de emprego funciona para os irmãos. Infelizmente, sem a mesma energia cómica.

Mas o que funciona ainda menos neste filme é o seu cerne romântico. Basicamente, desde o seu primeiro encontro no elevador, Théo fica seduzido por Élise. Não digo apaixonado, porque ele ainda vai para a cama com outra mulher entretanto, mas há ali uma química no ar entre os dois que o filme tenta fazer passar pela química das velhas comédias românticas, estilo Howard Hawks ou Billy Wilder. Aliás, a repetição dos encontros no elevador (é incrível que sempre que Théo apanha o elevador Élise está lá, e vice-versa – não fazem mais nada durante o dia?!) pretende incentivar essa casualidade, supostamente espontânea, ao qual se alia um artifício, extremamente artificial, para potencializar a comédia de enganos. Nomeadamente, Théo finge que tem um acidente que lhe causa a cegueira permanente, passando a comportar-se como tal em público, munindo-se de óculos escuros, uma bengala e a propensão para a apalpadela. O facto de toda a gente, principalmente Élise, acreditar que ele ficou cego do dia para a noite, sem sequer passar uns dias no Hospital (seria normal, não?) diz muito sobre o filme e o universo totalmente incredível, mesmo para uma comédia romântica, que concebe.

"Não me parece que a realizadora tenha percebido bem o verdadeiro significado por detrás das clássicas comédias screwball (...) e das relações amor-ódio entre as respectivas parelhas românticas. A parte do ‘ódio’ (...) não provém de uma mesquinhez das personagens, de um prazer quase macabro que têm de atacar e ofender o outro. É isso o amor? (...) A comédia de enganos baseado num sujíssimo jogo de decepção?"

Mas há ainda mais dois pequenos grandes pormenores que fazem com que toda a concepção do filme ruía perante o espectador. Primeiro não me parece que a realizadora tenha percebido bem o verdadeiro significado por detrás das clássicas comédias screwball. Muitas das mais famosas histórias de amor deste género, das aventuras de Cary Grant e Katherine Hepburn em ‘Bringing Up Baby’ (1938) às desventuras de Bruce Willis e Cybil Shepard na série ‘Moonlighting’ dos anos 1980, nasceram de uma relação de amor-ódio entre as respectivas parelhas românticas. Mas a parte do ‘ódio’ provém da incapacidade de se libertarem dos seus arcaicos dogmas de vida, de assumirem ou compreenderem a extensão do seu extasiante amor, antes da catarse. Não provém, como no caso de ‘La prunelle de mes yeux’, de uma mesquinhez que existe no âmago das personagens, de um prazer quase macabro que têm de atacar e ofender o outro. É isso o amor? O insulto gratuito e despropositado? É isso a comédia romântica? A comédia de enganos baseado num sujíssimo jogo de decepção? Théo não é a primeira personagem de uma comédia de enganos a disfarçar-se de algo que não é para chegar perto da miúda que quer conquistar. Mas é provavelmente o primeiro que não tem, até ao final, pudor nenhum do seu engano, e que continuaria a fazê-lo, se não tivesse sido descoberto.

É portanto ainda mais inacreditável que passado tudo isto Élise ainda esteja disposta a ficar com ele. Mas como também ela tem atitudes algo incríveis, talvez justifique o facto de terem sido feitos um para o outro. Por incrível que possa parecer, a secundaríssima história de amor paralela entre Léandro e Marina, que vai surgindo muito esporadicamente na trama, é muito mais naturalista, muito mais credível, muito mais interessante. Tal como são outras personagens secundárias que vão aparecendo, como o rebelde rockeiro cego. Mas o filme está tão concentrado em ser muito inn com o seu tom semi-satírico e pseudo-scewball que nem sequer o nota, o que é uma pena.

O segundo pormenor é todo o tom da produção. A realização é desinspirada, a montagem sem sabor. As cenas são todas de curtíssima duração, terminando quase antes de começarem, antes de conseguirem captar a energia que os actores tentam imprimir aos diálogos pouco trabalhados. Não é por encurtar as cenas que o ritmo aumenta, se as cenas, por mais curtas que sejam, não tiverem ritmo. O metralhar frenético entre Rosalind Russell e Cary Grant em ‘His Girl Friday’ (1940), por exemplo, está a cazigliões de quilómetros de distância daquilo que, muito arcaicamente, ‘La prunelle de mes yeux’ tenta reproduzir. Principalmente porque se sente um desconforto enorme na maior parte dos departamentos (destaque para a actuação), como se todos tivessem perfeita autoconsciência de que o timbre do material simplesmente não resulta. A maior parte tenta interpretar o seu papel com um desgarramento nonchalante, para aumentar o surrealismo e o charme das suas personagens, mas na maior parte dos casos é em vão. Só se pode fazer limonada com limões. Com maçãs não dá muito jeito. Com maçãs nos olhos, como diz o título do filme, ainda menos.

"O argumento é fraco, a realização inconstante, as actuações mornas, as situações incredíveis, os enganos possuem um excessivo mau gosto (que achará a comunidade invisual disto?) e os picos de comédia são demasiado esporádicos. Mas no fundo, no fundo, o filme nem aquece nem arrefece. Existe num limbo de entretenimento banal que nunca fez mal a (praticamente) ninguém"

Desta forma, o filme vai avançando aos solavancos num caminho já bem batido. A descoberta de que Théo não é verdadeiramente cego leva à separação do casal, mas depois, inevitavelmente, as personagens e o filme vão reencontrar o seu curso, e o final feliz para todos está já ao virar da esquina… E isto é algo que não só as salva, obviamente, mas, numa manobra não intencional, talvez também ao filme. A familiaridade desta fórmula é sempre território seguro (a universal e infindável história de amor dos opostos que se atraem), e creio que consegue fazer com que este filme não seja tão mau quanto à soma das suas partes. O argumento é fraco, a realização inconstante, as actuações mornas, as situações incredíveis, os enganos possuem um excessivo mau gosto (que achará a comunidade invisual disto?) e os picos de comédia são demasiado esporádicos. Mas no fundo, no fundo, o filme nem aquece nem arrefece. Existe num limbo de entretenimento banal que nunca fez mal a (praticamente) ninguém (só se for aos invisuais). Ou seja, não ficamos verdadeiramente irados por termos desperdiçado 90 minutos da nossa vida. E se um dia o filme estiver a dar na televisão num sábado à tarde, talvez até nem mudemos de canal, se precisarmos de uma ajudinha para adormecer no sofá depois de uma semana cansativa.

‘La prunelle de mes yeux’ é uma tentativa falhada de transportar para o século XXI a comédia de enganos screwball. Ou talvez seja uma tentativa falhada de a tentar recriar no contexto da comédia francesa, cujo tom característico talvez não seja completamente compatível. De qualquer maneira, isso e a incredibilidade e desinteresse do argumento aliado ao tom demasiado ofensivo da relação amor-ódio, deitam tudo a perder. O filme pode ser para esquecer, contudo a dança da belíssima Mélanie Bernier na última cena deixa-nos um sorriso no rosto. E por esse sorriso, e por esse sorriso apenas, o filme vale a pena. Mas para isso só precisamos de fazer fast forward até à última cena. Passar por todo o resto do filme outra vez seria demasiado pesaroso.

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Miguel. Portuense. Nasceu quando era novo e isso só lhe fez bem aos ossos. Agora, com 31 anos, ainda está para as curvas. O primeiro filme que viu no cinema foi A Pequena Sereia, quando tinha 5 anos, o que explica muita coisa. Desde aí, olhou sempre para trás e a história do cinema tornou-se a sua história. Pode ser que um dia consiga fazer disto vida, mas até lá, está aqui para se divertir, e partilhar com o insuspeito leitor aquilo que sente e é, quando vê Cinema.

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