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Le Week-End

Ano: 2013

Realizador: Roger Michell

Actores principais: Lindsay Duncan, Jim Broadbent, Jeff Goldblum

Duração: 93 min

Crítica: Ir ao cinema ver ‘Le Week-End’ (em português ‘Fim-de-Semana em Paris’) foi uma daquelas experiências cinematográficas da minha vida que nunca me vou esquecer. Isto não se deve, infelizmente, ao filme em si. Deve-se, isso sim, inteiramente ao contexto em que este filme foi visto.

Provavelmente devido ao clima quente (ou então ao facto de os gregos fumarem o dobro da média europeia) há uma longa tradição na Grécia de cinemas ao ar livre, no telhado de edifícios, a que eles chamam, usando um estrangeirismo, ‘Open Air’. Este fenómeno é tão generalizado que até os cinemas multiplex, ou os centros comerciais, também possuem nos seus telhados um destes espaços. Ora bem, estando em Atenas a semana passada, eu e a minha mulher, fervorosos amantes da sétima arte e de experiências fora dos clássicos pacotes turísticos, decidimos procurar um destes cinemas para experienciar em primeira mão o fenómeno grego dos ‘Open Air’. Não foi propriamente uma tarefa fácil, já que, nenhum de nós sendo conhecedor de grego, necessitávamos pelo menos que o filme fosse inglês ou americano, e que fosse exibido na sua versão original com legendas. Um dos mais famosos Open Air de Atenas, o Cinema Paris, estava a exibir um filme francês com legendas em grego. Seria tarefa hercúlea. Outros Open Air estavam a exibir filmes como precisamente o novo ‘Hercules’, não exactamente o tipo de filme que tínhamos em mente para uma experiência destas. Acabamos, finalmente, por encontrar um cinema multiplex de bairro relativamente perto do nosso hotel, cujo espaço Open Air estava a exibir o filme inglês ‘Le Week-End’, um suposto “romance em Paris da terceira idade”, em inglês e com legendas em grego. Perfeito.

O espaço era fantástico. No telhado de um multiplex com 6 salas, envolvido pelas traseiras de três edifícios residenciais que formavam um enquadramento visual acolhedor, estava um espaço pequeno mas confortável, cheio de sofás, mesas e cadeiras, servido por um pequeno bar. Sob a luz da Lua e respirando o ar quente e a leve brisa da noite ateniense, instalados num sofá, e rodeados de outros casais gregos, novos e velhos, e pequenos grupos de amigos adultos (não havia nenhum grupo de jovens; estavam todos à mesma hora numa sala ‘normal’ de baixo a ver o ’22 Jump Street’), acomodamo-nos para ver o filme. Só este é que não esteve completamente à altura de uma experiência perfeita em todos os outros aspectos.

‘Le Week-End’ é o novo filme do realizador inglês Roger Michell, que despoletou no mercado internacional após o estrondoso sucesso da sua comédia romântica de 1999 ‘Notting Hill’, que dispensa apresentações. Prosseguiu na sua carreira com títulos como o hollywoodesco ‘Changing Lanes’ (2002), o drama ‘Venus’ (2006), a comediazita ‘Morning Glory’ (2010) e mais recentemente ‘Hyde Park in Hudson’ (2012). A minha opinião dos filmes de Michell que já vi acaba por ser sempre estranhamente (ou não) semelhante; são filmes cuja premissa é sempre interessante (o suficiente para agradar ao público em geral e entreter) mas que nunca fazem completamente jus a esse conceito, pelo que acabam por nunca satisfazer em pleno e parecem nunca saber bem como acabar, e portanto revertem para o lugar comum. ‘Le Week-End’ parece encaixar neste padrão como uma luva, mas com uma agravante ainda maior; a sua premissa é tudo menos original.

‘Le Week-End’ conta a história de um casal inglês de meia-idade que decide ir a Paris passar um fim-de-semana, na celebração do seu 30° aniversário de casamento. O casal é interpretado por Jim Broadbent e Lindsay Duncan, dois veteranos actores ingleses, e ambos com o seu quinhão de blockbusters no currículo. Broadbent inclusive já tem um Óscar, pelo bem esquecido ‘Iris’ (2001, um filme que na altura também não me convenceu completamente), mas parece-me, pelo menos nos filmes em que entra que se internacionalizam, que interpreta sempre os mesmos papéis. De qualquer forma, o filme ‘Le Week-End’ é daqueles que os permite mostrar as suas maiores valências de actuação, e dos dois, é Broadbent que melhor responde à chamada. Tal como as personagens que interpretam, é o alicerce do filme perante uma muito mais instável Duncan.

O filme segue então o casal ao longo desses dois dias, em que pelas ruas de Paris, por entre os famosos monumentos e pelos bistros, em longas cenas de diálogo dramático e outras (em muito menor número) da categoria ‘romance/comédia’, o público é lentamente exposto (inúmeras vezes de forma excessivamente forçada), a todos os mais ínfimos pormenores da sua relação, que é posta a nu e a cru. Este ‘reencontro de uma chama perdida em Paris’ na meia-idade, depois da vida já ter passado (os filhos saírem de casa, a reforma estar à porta, o impulso sexual ter-se perdido), não acrescenta em absolutamente nada aos milhares de filmes já feitos anteriormente com este tema, desde as sequelas de ‘Before Sunrise’ a ‘Two for the Road’ (1967) com Audrey Hepburn e Albert Finney, só para citar dois. Aliás, este filme, no universo cinematográfico deste tema, está até claramente abaixo das mais populares entradas.

O filme está dividido em duas partes distintas. A primeira parte é a da redescoberta, da luta por recuperar a chama perdida. O filme abre num comboio em que conhecemos o casal, prestes a chegar a Paris. Há nesta cena notas cómicas e de realidade (exacerbadas pela naturalidade dos actores) que fariam antever um filme extremamente interessante, se ao menos este tom tivesse sido mantido. Este início à la ‘comédia romântica da terceira idade’ (um género hoje em voga!), mostra um formal professor inglês, lutando por ter um fim-de-semana romântico demasiado normal, e a sua mulher, mais excêntrica, mais problemática, mais sedenta de liberdade e de recuperar essa tal chama de juventude, de quando eram jovens anárquicos nos anos 1960, quando amavam a Nouvelle Vague e iam revolucionar o mundo. Logo à chegada ao misero hotel, a mulher não gosta do espaço pequeno, nem das escadas, nem da cor de papel de parede do quarto. É ela que tem as exigências, e é o marido que anda atrás dela, numa última tentativa desesperada para a agradar, para recuperar o amor, gastando o pouco dinheiro que têm numa viagem de táxi por Paris inteira e finalmente hospedando-se num hotel de luxo cuja conta nunca terão possibilidade de pagar.

E desta base vão explorando Paris, comendo nos restaurantes caros, visitando os monumentos, regressando ao quarto para tentar apimentar a sua relação. Mas os momentos de comédia romântica (vão aparecendo como bolhas de ar num filme a afogar-se, só para disfarçar – a tentativa de sair de um restaurante caríssimo sem pagar a melhor delas todas), são eclipsados pelos morosos diálogos, pelas morosas discussões, que nos revelam os seus sentimentos. Ele foi recentemente despedido. Ela poderá ter tido um caso extra conjugal. Ele, um professor num politécnico de segunda, nunca foi o escritor que sempre quis ser. Ela quer sair de casa e ir morar sozinha para aproveitar a vida que lhe resta. O filho de ambos é um desempregado drogado. Chega a um ponto em que tudo soa quase a "bla bla bla". E a verdade é que muitas vezes era mesmo assim. Ao ar livre, e não conseguindo ler as legendas em grego, dependíamos completamente do som em inglês para seguir os diálogos. Verdade que o som estava relativamente baixo (consequência do espaço estar num bairro residencial talvez), mas da maior parte dos actores, incluindo Jeff Goldblum (já vou falar dele) percebiam-se todas as falas. De Broadbent quase todas. Agora de Duncan era extremamente difícil de perceber o que dizia. Sussurrava a maior parte do tempo, com má dicção, e muitos diálogos dela, não tenho vergonha em admitir, passaram-me ao lado. Felizmente a sua linguagem corporal era boa, mas não o suficiente para eu ficar satisfeito com o seu trabalho como actriz. Leitor, já sabe, se vir este filme, aconselho legendas numa língua que se perceba.

(NOTA: leio agora no imbd nativos ingleses e americanos a queixarem-se que não percebiam os diálogos de Duncan… afinal é um mal generalizado, e a culpa ou é da actriz ou é do técnico de som…)

A segunda parte do filme, o segundo acto que leva ao clímax, é despoletado pelo encontro fortuito na rua da personagem de Goldblum, um ex-colega de universidade da personagem de Broadbent, que é agora um escritor famoso (por admissão sua, vendeu-se ao sistema) e que vive com a sua segunda mulher, muito mais jovem, em Paris, rodeado pela superficial elite cultural. Goldblum é o actor com mais carisma de toda a peça, mas é de lamentar a artificialidade da sua personagem. Claramente, é o reverso da medalha de Broadbent, aquilo que ele poderia ter sido se se tivesse ‘vendido’ e se tivesse tido a coragem de se divorciar da mulher para recomeçar do zero. O jantar em casa de Goldblum, que ocupa mais de meia hora da segunda parte do filme, é nada mais que um catalisador forçado para as duas personagens principais deixarem os seus sentimentos explodir. Ou melhor, tanto quando um inglês consegue explodir sentimentos. E o cliché formal do argumento repugna. A cada uma das personagens principais são dados dois estranhos a quem, à vez, debitam os seus sentimentos mais íntimos. Não conseguem admitir os seus sentimentos um ao outro, mas a estranhos que conhecem durante 10 segundos, e sem qualquer tipo de conversa introdutória, já conseguem. Broadbent fala primeiro com Goldblum e depois com o filho deste. Já Duncan fala primeiro com a jovem mulher de Goldblum e depois com um francês que a tenta engatar na varanda. Estas quatro cenas, cada uma à vez, revelam os sentimentos das duas personagens principais, só porque sim, para o bem do público e não são, para mim, minimamente credíveis. E depois das personagens se terem supostamente liberto dos pesos emocionais e se terem reencontrado através destas conversas com estranhos, há o showdown, a altura dos brindes, em que ocorre o ‘vai ou racha’… E depois há ainda o regresso ao hotel, onde há uma conta impossível de pagar à sua espera, e decisões de vida, emocionais, que têm que ser feitas…

Este é um filme cujo objectivo se percebe minimamente; o retratar dos verdadeiros valores da vida e do amor, quando tudo o resto rui, o dinheiro, a posição social, a carreira, a força da juventude, e até a própria família. Mas a mensagem que transmite, esta do ‘amor conquista tudo independentemente da idade’, embora seja, nas palavras de Miguel Esteves Cardoso, “fo***o”, e embora a vida também o seja, não é nada credível, e os eventos do filme parecem ser daqueles que só podem funcionar, precisamente, na ilusão da sétima arte. O casal termina o filme sem dinheiro, sem passaportes, é inexplicável como é que ainda não foram presos pela polícia parisiense, e ficam aparentemente sem futuro e sem rumo, excepto aquele nostálgico da geração retratada na Nouvelle Vague há mais de meio século (as referências ao filme ‘Bande à Parte’, 1964, de Godard, bem que podiam ser um bocadinho mais subtis, ou melhor, não o deviam ter mencionado antes de ele ser realmente importante para a história, e não o deviam ter chamado pelo nome para o bem do público de hoje). Mas apesar de isto tudo o filme pede-nos para ter esperança, diz-nos que tudo está bem, só porque o amor renasceu. Será mesmo? Por quanto tempo, pergunto eu? O casal reencontrou-se mesmo? Reencontrou o amor? Ou estão ainda sob o efeito extasiante do seu fim-de-semana de folia? Quando acordarem daqui a três dias e descobrirem que estão, na realidade, perdidos, o que lhes vai acontecer? Para mim, o filme não dá pistas suficientes de que realmente houve uma viragem emocional nos dois. O que eu vejo é o barco a ir ainda mais ao fundo. Mas isso posso ser só eu…

‘Le Week-End’ é um filme que, apesar daquilo que parece prometer, de comédia romântica tem pouco, é muito mais negro e dramático daquilo que deveria ser, mas cuja pungência não está suficientemente aguçada, nem é o seu teor suficientemente original para ser digo de registo. Enrola-se firmemente na sua espiral emocional e vê pouco para além disso, e passado umas cenas a história do casal começa a perder o interesse. Apimentado artificialmente com os momentos de comédia e a set-piece do jantar, o filme vai-se mantendo à tona para ir satisfazendo os requisitos rotineiros de um produto cinematográfico mediano mas nunca se transcende. Destacam-se as boas actuações (seriam perfeitas de Duncan não sussurrasse tanto), mas a realidade é que há várias coisas que parecem faltar. Por exemplo, nem a essência de Paris consegue ser devidamente captada pela câmara de Michell. E por mais que ame o Godard dos anos 1960, e me tenha também apaixonado por ‘Bande à Part’ quando tinha vinte e poucos anos, não creio que o final em estilo homenagem seja suficientemente claro, em termos emocionais, para satisfazer os requisitos desta história. Esta essência que se tenta transmitir no argumento, embora seja em ‘homenagem’, é o mais original que possui (não o será certamente a sua história de base) mas mesmo assim é apenas uma originalidade superficial, ou seja, falta-lhe a chama. E neste sentido, o filme é tal qual o casal que retrata. Construiu-se em bases íntegras, mas falta-lhe paixão, e credibilidade de emoções.

Uma história de um casal em declínio esperando reencontrar-se. Já vimos. Muitas vezes. E mais bem feito. Mas não posso afirmar que o filme seja mau. Não o é. Será completamente satisfatório para um público mais velho, tenho a certeza. Mas não tem nada que o distinga e o seu final aberto, nostálgico e esperançoso não me convence. Por isso para mim o filme, em si, já está esquecido, uma semana volvida. Agora aquele espaço ao ar livre, naquele telhado, naquela noite ateniense, esse nunca o vou esquecer. Fa-bu-lo-so.

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Miguel. Portuense. Nasceu quando era novo e isso só lhe fez bem aos ossos. Agora, com 31 anos, ainda está para as curvas. O primeiro filme que viu no cinema foi A Pequena Sereia, quando tinha 5 anos, o que explica muita coisa. Desde aí, olhou sempre para trás e a história do cinema tornou-se a sua história. Pode ser que um dia consiga fazer disto vida, mas até lá, está aqui para se divertir, e partilhar com o insuspeito leitor aquilo que sente e é, quando vê Cinema.

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