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El cielo gira

Ano: 2004

Realizador: Mercedes Álvarez

Actores principais: Peio Azketa, Hicham Chate, Cirilo Fernández

Duração: 110 min

Crítica: Eu não tenho muito a dizer sobre este filme mas as minhas ideias são claras como água. Há um motivo muito simples pelo qual eu só vi este filme uma única vez e, apesar de ter o DVD original na estante, não me parece que alguma vez volte a sair de lá. Só se não houver mais nenhum filme para ver no planeta Terra, e mesmo assim vou ter sérias dúvidas. Usando um coloquialismo português, este filme é uma SECA. Seca, seca, seca. É o filme mais seca que vi em toda a minha vida, e acreditem que eu já vi muitos filmes secas.

Este filme saiu há uns anos de graça com um jornal qualquer e por isso é que eu o tenho na estante. Este facto por si só poderia fazer a pessoa mais ingénua duvidar das suas qualidades, mas a verdade é que a minha estante está cheia de filmes aceitáveis (alguns até bons) que saíram de graça com o jornal. Ainda mais, a capa do DVD ostenta que este filme ganhou prémios de topo nos festivais de Roterdão, Paris e Buenos Aires. E para além disso, sendo que o resumo na contracapa refere que o filme é um documentário sobre uma pequena aldeia espanhola com apenas 14 habitantes, todos cidadãos seniores, a ideia do filme também me apelava, pois como muitos dos leitores sabem a minha profissão é a de planeador urbano.

Portanto não foi relutante que aqui há uns anos inseri o filme no leitor e comecei a vê-lo. Vi 40 minutos (demora 1h40) e não consegui aguentar mais. Tive de parar. Basicamente o filme é uma sucessão de planos estáticos, desinteressantes, de idosos sentados num banco na praça central da aldeia ou então a trabalhar no campo, a ter as conversas, supostamente reais e naturais, mas completamente desprovidas de interesse, como a maior parte das conversas de conveniência, ou para fazer tempo, da vida real são. Estes planos só são interrompidos por filmagens de trolhas a trabalhar nas obras (o leitor pode julgar se isto é interessante para si ou não), já que um velho e degradado mosteiro dos arredores está a ser convertido num hotel de charme, para turismo rural. O filme é todo ligado por uma narração feminina em voz off, monocórdica, que está tão em sintonia com o clima da aldeia que se torna a cura ideal para qualquer insónia.

Esta sucessão de cenas é tão lenta e tão insossa que eu vi a restante hora do filme no decorrer dos 6 dias seguintes; 10 minutos cada dia, religiosamente. E mesmo assim foi um esforço enorme. Eram dez minutos que demoravam uma eternidade a passar. Nunca mais chegava ao fim. Quando finalmente chegou foi um alívio. Vi o filme. Inteiro. Agora posso julgá-lo, posso falar sobre ele. Já tenho autoridade para o fazer. Mas o que nunca mais preciso é de o voltar a ver, e esse é o maior alívio de todos!  

Mas então qual o motivo de ter recebido tantos prémios? Qual o motivo daquelas citações de jornalistas e críticos de jornais, criteriosamente seleccionados, a dizer que este filme é uma maravilha? Bem, com o decorrer dos anos a ler, escrever e conversar sobre cinema tenho vindo a descobrir que muito boa gente, a tentar passar por muito cultas ou por muito sensíveis à arte nobre, confundem aquilo que é uma abordagem claramente fora do mainstream, e um tema social relevante, com aquilo que poderá ser uma grande obra artística cinematográfica. É o mesmo que assumir que todos os filmes sobre o racismo serão bons, só porque são sobre o racismo. E quem diz racismo diz homossexuais, pedófilos, deficientes, drogados, velhotes abandonados numa aldeia de Espanha. Não se é racista por criticar ou não gostar de um filme sobre o racismo, pois está-se apenas a criticar o filme, como filme, como obra de cinema ou de arte. O tema, como já disse nestas páginas várias vezes, não faz filme. Mas infelizmente há muita gente a escrever sobre cinema que não sabe, ou não quer saber, deste pequeno pormenor. “É sobre velhotes? Boa, então é socialmente relevante por causa disso e portanto tem que ser visto. É impossível de ver de tão mal filmado que está e possui uma total e completa falta de chama, ritmo ou interesse? Não importa. Já mencionei que é sobre velhotes abandonados numa aldeia em Espanha?

Eu já vi filmes incrivelmente lentos que eram lindíssimos, artísticos e extraordinários. Não é preciso pensar muito para recordar ‘2001: A Space Odyssey’ (1969), os 10 minutos iniciais de ‘Onde Upon a Time in lhe West’ (1968) ou ‘Stalker’ (1979) ou ‘Ordet’ (1955), todos com ritmos lentíssimos mas com uma força e um inegável magnetismo. Mas Kubrick, Leone, Tarkovsky, Dreyer, e outros como Godard, Fellini, e até muitos realizadores contemporâneos a trabalhar hoje em dia na Europa ou no Médio Oriente podiam filmar um idoso a dormir durante 5 minutos e transformar esse plano em cinema memorável. Mas não Mercedes Alvarez, a realizadora de ‘El cielo gira’. Ela filma um idoso a dormir durante 5 minutos e é simplesmente um idoso a dormir durante 5 minutos. Ou seja, é uma seca monumental. Ela limita-se a apontar a câmara e a carregar no REC. Não há uma pinga de sentimento. Não há uma pinga de emoção. Não há poder algum, ou chama alguma, no plano. Será certamente fiel à realidade, mas será que alguém que visite esta aldeia irá ficar a olhar para um idoso a dormir durante 5 minutos? Obviamente que não. Então porque está este "evento" a ser mostrado ao público?

Se o objectivo é criar uma memoria de uma aldeia que hoje, 10 anos depois do documentário ter sido realizado, provavelmente já nem existe, então este filme até poderia ser minimamente justificável, apesar da sua notória falta de interesse cinematográfico. Contudo, uma análise superficial revela a mesquinha artificialidade da produção. Supostamente é tudo muito natural e muito realista. Mas pela simples alteração de planos de câmara numa cena qualquer é notório que as conversas foram claramente ensaiadas. É só ver a cena, por exemplo, em que dois senhores se encontram no campo. O plano largo mostra-nos os senhores a caminharem um em direcção ao outro. Não há mais ninguém no enquadramento a não ser estes dois senhores. Não há nenhum camaraman, como se vê por exemplo nos reality shows, constantemente a cruzar os planos. Mas mal os senhores se encontram há o close up, para os vermos de perto e ouvirmos a sua conversa casual de ‘boa tarde’, ‘como está?’. Estes close ups foram filmados com câmaras telescópicas? Não me parece. E os senhores não são propriamente os melhores actores do mundo, o que denuncia ainda mais o jogo. O objectivo é captar a vida real desta aldeia. Mas depois pede-se a dois velhotes para aguardarem no meio do campo enquanto se monta o plano para depois poderem brincar ao teatro e dizerem ‘bom dia’ quando a realizadora grita ‘acção’, para o bem de uma cena pré-concebida. Muito bonito, sim senhora…

O tema que o filme aborda é relevante. Disso não há duvidas nenhumas. Aldeias do interior, de Espanha, de Portugal, e provavelmente de muitos outros países enfrentam um problema grave de envelhecimento, esquecimento, solidão e, no limite, de extinção. Mas este filme, supostamente a tentar chamar a atenção para esta problemática, tem para mim o efeito exactamente oposto. Este documentário faz com que a aldeia pareça tão enfadonha, tão insossa, tão desprovida de interesse a nível físico, social, cultural e humano (em suma não tem lá ninguém nem há lá nada, e o pouco que há não suscita interesse ou curiosidade), que eu nunca na vida terei vontade de lá ir, de a conhecer, ou de me mexer para lutar que ela seja preservada. Muito pelo contrário. Após 1h40min deste filme eu até fico contente por ela estar deserta e em vias de extinção! Se não por outra razão, pelo menos não se fará mais nenhum filme sobre ela, e isso já é uma bênção.

Este filme tentou mostrar ao público dos festivais de cinema a degradação que as aldeias do interior têm tido nas últimas décadas. Pode ter sido bem-sucedido pelo facto de conseguir que se falasse sobre estas aldeias (bem ou mal, o que importa é ser falado, já dizia Oscar Wilde), mas cinematograficamente falando este filme é, muito sinceramente, um fiasco a todos os níveis. E por o ser, faz-me imensa impressão que todos os críticos e membros do júri destes festivais dêem constantemente prémios de excelência cinematográfica somente baseando-se no tema do filme, e não no filme propriamente dito. O tema de ‘El cielo gira’ é importantíssimo, e como planeador urbano sou o primeiro a tentar promovê-lo e a aplaudir iniciativas que também o façam. Mas como amante de cinema não posso coadunar com produtos que não tenham o mínimo de qualidade, feitos com alguém com uma ideia nobre, sim, mas com uma total e completa falta de capacidade de realização e concepção cinematográfica. 

Caro leitor, o meu concelho é: não veja este filme. Por favor, poupe a si próprio 100 minutos de sofrimento e desespero.

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Miguel. Portuense. Nasceu quando era novo e isso só lhe fez bem aos ossos. Agora, com 31 anos, ainda está para as curvas. O primeiro filme que viu no cinema foi A Pequena Sereia, quando tinha 5 anos, o que explica muita coisa. Desde aí, olhou sempre para trás e a história do cinema tornou-se a sua história. Pode ser que um dia consiga fazer disto vida, mas até lá, está aqui para se divertir, e partilhar com o insuspeito leitor aquilo que sente e é, quando vê Cinema.

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