Realizador: Chris Buck, Jennifer Lee
Actores principais (voz): Kristen Bell, Josh Gad, Idina Menzel
Duração: 108 min
Crítica: Quem é fiel leitor destas páginas ou quem me conhece bem, está perfeitamente familiarizado com a minha adoração pelas obras do Disney Animation Studios, que recentemente celebrou o seu 90º (!!) aniversário. A magia no cinema chega de muitas formas e feitios, mas a magia que Walt concebeu e foi limando ao longo de décadas é única, e praticamente inimitável. Walt Disney significa mais do que a criança que há em todos nós. Significa excelência e qualidade, não só no cinema de animação, mas no cinema em geral.
Mas claro, não se pode ser bom durante 90 anos seguidos. A Disney teve sempre os seus altos e baixos, e para mim o último baixo chegou bem recentemente, após 2004 e o filme ‘Home on the Range’, que foi anunciado como o último filme de animação tradicional que a Disney faria. Após este filme, a Disney mergulhou a fundo no mercado de animação CGI (a dita por ‘computador’), mas em vez de se manter fiel aos seus princípios, decidiu imitar a Pixar, a Dreamworks ou o Blue-Sky Studios e produziu uma série de aventuras hoje já esquecidas (Chicken Little, 2005; Meet the Robinsons, 2007). A coisa parecia que só poderia piorar quando a Disney comprou a Pixar em 2006 e John Lasseter (o menino prodígio da Pixar) se tornou, pouco mais tarde, o director de produção da Disney. Mas a Disney acabou, e bem, por dar um passo atrás e respirar fundo. Enquanto Lasseter se preocupava em mediatizar mais a Pixar do que a própria Disney, o seminal Animation Studios lançou ‘Princess and the Frog’ em 2009, não uma obra-prima, mas um regresso muito bem conseguido à animação tradicional e ao conto de fadas, e em seguida o magistral ‘Tangled’ (2010). ‘Tangled’ representa toda a pureza da Disney, e não é por acaso que a equipa de animação tradicional do estúdio trabalhou lado a lado com a equipa de CGI no produto final. Se é para fazer filmes de animação por computador, então ‘Tangled’ é o modelo a seguir. De filmes de animação feitos por ‘informáticos’ está já o público farto (ou pelo menos eu), e a Disney mais uma vez mostrou como é que a coisa se faz, genialmente. E felizmente, agora a Disney gere os três mundos. Em 2011 lançou ‘Winnie the Pooh’ (cuja crítica pode ser lida aqui), de animação tradicional, em 2012 ‘Wreck-it Ralph’, o filme à la Pixar para agradar a Lasseter e ao público moderno, e agora, na época natalícia de 2013, ‘Frozen’, que tenta ser feito no estilo híbrido de ‘Tangled’. E se a Disney continuar assim nesta rotatividade, não me irei queixar, já que é o único estúdio, pelo menos, que o faz.
‘Frozen’ chega agora às salas de cinema depois de mais de 10 anos de produção intermitente. Uma adaptação do conto de Hans Christian Anderson ‘The Snow Queen’, esteve inicialmente em desenvolvimento, diz-nos o imdb, no início da década de 2000, mas acabou por ser abandonado por divergências criativas. Mais recentemente, como projecto de animação tradicional, foi entregue à equipa de realizadores de ‘Beauty and the Beast’ e ‘Hunchback of Notre Dame’ (Kirk Wise e Gary Trousdale) bem como à argumentista Linda Woolverton (de ‘Beauty and the Beast’ e ‘Lion King’) e ao compositor seminal, Alan Menken. Contudo o projecto foi reformulado para CGI e dado ao realizador Chris Buck, de filmes menos conseguidos da Disney (‘Tarzan’, 1999 e ‘Surf’s Up’, 2007). Para além do mais, a argumentista de ‘Wreck-it Ralph’, Jennifer Lee, também foi chamada para escrever o argumento depois do sucesso deste filme, e o seu trabalho foi tão impactante, ao que parece, que lhe valeu também o crédito como realizadora. Este crédito é importante historicamente, pois Lee tornou-se a primeira mulher a ser creditada como realizadora de um filme de animação. E, para terminar, Menken, o génio da Disney vencedor de 8 Óscares (pela banda sonora e pelas músicas principais de ‘Little Mermaid’, ‘Beauty and the Beast’, ‘Alladin’ e ‘Pocahontas’) e que fez igualmente um extraordinário trabalho nas músicas de ‘Tangled’ acabou por não ser chamado para a fase final deste projecto (a Disney parece que se fartou de Menken, só o chama agora de 5 em 5 anos….). O trabalho de composição foi neste caso atribuído a Christophe Beck (compositor de comédias como ‘Hangover’ e cujo trabalho para a Disney praticamente se cinge aos filmes recentes dos Marretas) e as músicas fora atribuídas ao casal Kristen Anderson-Lopez e Robert Lopez, que só trabalharam para a Disney para compor as músicas do recente ‘Winnie the Pooh’.
Se ‘Tangled’ era um filme de princesas (inicialmente chamava-se ‘Rapunzel’) mas foi introduzindo elementos masculinos para não perder o público-alvo, e se em ‘Wreck-it Ralph’ se passou o inverso, ‘Frozen’ é também um filme de raparigas, pelo menos numa primeira frase. No fundo é uma história sobre o amor fraternal de duas irmãs. Anna (voz de Kristen Bell) e Elsa (voz de Idina Menzel) são as princesas do reino e o filme abre quando são pequenas e adoráveis. Mas Elsa tem uma ‘maldição’, tem o poder de criar gelo com as mãos, e tem dificuldade em controlá-lo. O seu pai, o Rei, vê isso sempre pelo lado negativo e diz-lhe constantemente que tem que esconder esse dom de toda a gente. Quando Elsa numa brincadeira magoa Anna, o Rei acaba por fechar Elsa do mundo. Anna, cuja memória do acidente foi apagada por uns trolls a quem o rei recorreu, não percebe porque é que, ao crescerem, Elsa deixou de ser sua amiga. Fechada no quarto constantemente, Elsa recusa-se a voltar a brincar com Anna e ganha medo. Mais tarde os pais morrem num naufrágio e quando atinge os 18 anos, Elsa terá que ser coroada rainha. Nesse dia fatídico, sai pela primeira vez do quarto em anos e tenta controlar o seu poder. Mas não consegue, porque Anna está sempre a puxar por ela. Aí, para não a querer magoar, Elsa foge do palácio para as montanhas, mas deixa o reino coberto de gelo.
Anna vai então juntar-se ao simpático Kristoff (voz de Jonathan Groff), um jovem vendedor de gelo que, bem, ficou sem negócio, ao seu fiel alce, e a um divertido boneco de neve mágico criado por Elsa, Olaff (voz de Josh Gad), numa demanda menos para salvar o reino ou o Verão, e mais para conseguir fazer as pazes com a sua irmã e poder tê-la de volta. Esta aventura, de contornos Tanglescos, vai-se desenrolando com pormenores mais ou menos previsíveis, mas aqui o twist é que, como todo o público sabe logo à cabeça, Elsa não é maléfica e tudo o que faz é sacrificar-se em prol da irmã. Portanto, o filme lá arranja um par de mauzões, nomeadamente os indivíduos que ficam a gerir o reino na ausência das duas princesas, que vão ter, obviamente, uma agenda escondida. De uma forma ou de outra, o amor é encontrado (entre irmãs, e entre, claro, Kristoff e Anna) e o reino acaba por ser salvo, do Inverno e dos mauzões.
‘Frozen’ é um filme que se apresenta como uma mescla. Uma mescla de estilos, de mentes criativas (algumas sem a experiência na realização de contos de fadas, e outras muito focadas na moderna animação por computador) e de objectivos, em termos daquilo que o produto final deve ser e do público-alvo que deve atingir. O resultado final é que ‘Frozen’ aponta, por vezes quase de uma forma desesperada, para todos os lados, e quer ser tudo ao mesmo tempo.
A primeira coisa que quer ser é um musical da Broadway, ou um musical à la Menken. Há um grande esforço para conceber uma série de canções para todas as personagens, temas próprios num estilo quase Wagneriano, e que por vezes são em tão grande quantidade que atrasam a história em vez de a fazer avançar. No início isto é notório, pois graças às músicas o filme demora imenso tempo a chegar onde quer ir. Curioso é que nos últimos 20 minutos não há uma única música, e inclusive o filme termina sem um reprise, ou um tema musical. Há um conjunto muito interessante de canções (não é Menken, mas não é mau, e o casal Lopez prova o seu valor como já o fizera em ‘Winnie the Pooh’), principalmente ‘For the First Time in Forever’ e ‘Let it Go’ (as músicas chave de cada uma das irmãs), mas a verdade é que o filme tem a sua fase “musical” e depois perde a coerência quando vai para a fase “aventura”.
Depois, quer ser Disney, quer ter princesas, aventura, personagens encantadas e personagens secundárias cómicas (tem não uma mas pelo menos duas; o alce e o boneco de neve). Mas ao mesmo tempo quer ser Pixar. Numa cena, inexplicavelmente, Elsa sem querer cria um monstro da neve que persegue os nossos heróis montanha abaixo. É uma criatura espalhafatosa completamente fora do espírito desta aventura de criaturas adoráveis e mágicas e surge para encher ou criar um momento de tensão que, realmente, não era preciso. Este é o exemplo mais berrante mas pequenos pormenores deste género vão surgindo.
Depois, quer ser um filme de raparigas, e é-o verdadeiramente. Se até hoje o filme de referência feminista da Disney seria provavelmente ‘Mulan’ (1998) ou ‘Little Mermaid’ (1989), ‘Frozen’ é capaz de arrebatar esse título. É provável que a argumentista/realizadora tenha tido influência clara nisto, e tirando algum exagero nas sequências iniciais, a relação entre as irmãs está brilhantemente desenvolvida. Contudo, o filme não acha isso suficiente, e vai introduzindo elementos mais ‘masculinos’, especialmente na sua parte de road-movie (ou melhor floresta/montanha-movie) à la Tangled, para que os pais que só têm filhos masculinos possam também comprar o bilhete e os bonecos na DisneyStore. Para além do mais, esta história de redenção de duas irmãs também foi considerada não possuir força suficiente para suster o filme (provavelmente não possuiria, mas não era preciso denunciar isso tão abertamente) por isso o filme a meio lembra-se que tem de ter um vilão. Elsa é apenas uma rapariga que quer ser livre, viver a sua vida e não magoar ninguém. Mas cresceu com o medo do seu dom e é esse medo que a corrói e que a faz libertar coisas que não deve (como o monstro da neve). Mas essa dualidade nela poderia ser mais explorada (a sua música fá-lo bem – embora nessa cena eu pergunto-me se o poder dela também permite mudar de roupa e de maquilhagem?!), em vez de ser gasta num vilão completamente unidimensional que revela o jogo exactamente no momento em que se espera (on cue como dizem os ingleses).
‘Frozen’ quer ser todas estas coisas e outras ainda mais, tudo ao mesmo tempo. Isto foi muito arriscado, pois ao querer ter tudo poderia acabar por não ter nada. Felizmente, ‘Frozen’ encontra, no meio desta amálgama, o seu valor por mérito próprio. Tem as suas inconsistências é certo (que serão mais apreendidas por cinéfilos experientes e não pelo seu público-alvo) e não é a obra-prima que ‘Tangled’ é, mas fará rir todos os miúdos, tem canções muito interessantes e que a criançada pode cantar, e acaba por, com a sua moral e a sua magnífica ‘fotografia’ (leia-se animação digital), aquecer o coração dos espectadores nesta época natalícia. Falta-lhe aquele je ne sais quois para se tornar uma obra de referência Disney, mas não se pode querer ter tudo sem abdicar de qualquer coisa, e no final ‘Frozen’ acaba por deixar um ligeiro sabor amargo de que se poderia ter explorado um bocado mais o material. Poderia ter seguido com coragem o seu rumo próprio (tal como as personagens) em vez de ceder a pressões e tentar introduzir na fórmula todos os ingredientes que era suposto. “Só” disso, e do facto da construção do musical ser muito descompassada, é que não gostei. De resto fez-me sorrir e acabei por desfrutar da minha ida ao cinema. É raro ver filmes que apesar de todo o espalhafato que se esteja a passar à sua volta e dentro dele, apesar de todos os critérios que tenham de cumprir para ser vendáveis, consigam ser fieis à sua ideia base, à chama que no fundo, no fundo, os alimenta e que é a sua razão de serem e terem sido feitos. Neste caso é o amor entre duas irmãs, e apesar de tudo, o filme nunca se esquece que é sobre isso. E isto é de louvar. Portanto nunca deixo de berrar ‘Viva a Disney!’. Viva a Disney! Terá sempre um lugar nos corações, como o meu, que nunca cresceram.
Duas coisas mais. Um, onde está aquela cena genial que constava do teaser trailer de há cerca de um ano? Aquela em que Olaff e o alce lutavam por uma cenoura, na melhor tradição da comédia visual ao estilo Scratch de Ice Age!? Porque foi retirada da versão final do filme? Era genial! Bem, estará certamente nos extras do blu-ray. Segundo, a curta metragem que antecede o filme, um regresso às personagens do universo Mickey, parece ser um tipico produto de Lasseter, ou seja, a ideia é genial (a mistura de CGI com animação tradicional) e é executada com um brilhantismo técnico perfeito, mas infelizmente a curta apoia-se exclusivamente nessa ideia e não a faz evoluir, portanto perde a sua dinâmica e interesse rapidamente...
Dois anos depois:
Dois anos depois, que dizer ao revisitar 'Frozen'? Reconhecidamente, passa o teste do tempo, pois continua a ser um filme que possui uma fantástica animação e contém todos os elementos para exercer um hipnótico fascínio nas crianças. Mas continua, ao mesmo tempo, a ser um filme bastante desequilibrado (se o esmiuçarmos com olho clínico), e indeciso. Decididamente, é um filme que não sabe o que quer. Ou melhor, sabe: apelar a todos os públicos e criar um intemporal sucesso de bilheteira, o que acabou por acontecer (é hoje um dos 10 filmes mais rentáveis de sempre na bilheteira mundial). Mas os números financeiros escondem outros. Na primeira meia hora, 'Frozen' desenrola-se fantasticamente como um musical animado, recordando alguns dos melhores filmes da Disney de sempre como 'Beauty and the Beast' ou 'Tangled', com nada menos que cinco músicas, culminando no soberbo 'Let It Go'. Mas após a primeira meia hora, só há mais duas músicas, cantadas por personagens secundárias e o filme, paradoxalmente, nem sequer termina com uma canção! Pois a partir da primeira meia hora, depois do fantástico desenvolvimento de personagem que nos envolveu na história, o filme perde-se para satisfazer os vários públicos, enchendo-se de sideckicks, vilões, pobres twists emocionais, paragens na história para introdução de momentos de comédia e até um monstro à la Pixar, completamente fora de contexto. Cativa? Sim. Claro. Sempre. Faz a história avançar? Zero. Mas mesmo assim, algo desengonçado, não perde a sua aura e consegue ser mais um grande conto de fadas intemporal que saiu dos fornos da Disney. É um filme alegre, para ver e rever, pois sempre terá piada e sempre terá boas músicas. É uma pena não ser tão perfeito quanto se diz. Podia ter sido, com mais introspecção e menos ambição...
Dois anos depois:
Dois anos depois, que dizer ao revisitar 'Frozen'? Reconhecidamente, passa o teste do tempo, pois continua a ser um filme que possui uma fantástica animação e contém todos os elementos para exercer um hipnótico fascínio nas crianças. Mas continua, ao mesmo tempo, a ser um filme bastante desequilibrado (se o esmiuçarmos com olho clínico), e indeciso. Decididamente, é um filme que não sabe o que quer. Ou melhor, sabe: apelar a todos os públicos e criar um intemporal sucesso de bilheteira, o que acabou por acontecer (é hoje um dos 10 filmes mais rentáveis de sempre na bilheteira mundial). Mas os números financeiros escondem outros. Na primeira meia hora, 'Frozen' desenrola-se fantasticamente como um musical animado, recordando alguns dos melhores filmes da Disney de sempre como 'Beauty and the Beast' ou 'Tangled', com nada menos que cinco músicas, culminando no soberbo 'Let It Go'. Mas após a primeira meia hora, só há mais duas músicas, cantadas por personagens secundárias e o filme, paradoxalmente, nem sequer termina com uma canção! Pois a partir da primeira meia hora, depois do fantástico desenvolvimento de personagem que nos envolveu na história, o filme perde-se para satisfazer os vários públicos, enchendo-se de sideckicks, vilões, pobres twists emocionais, paragens na história para introdução de momentos de comédia e até um monstro à la Pixar, completamente fora de contexto. Cativa? Sim. Claro. Sempre. Faz a história avançar? Zero. Mas mesmo assim, algo desengonçado, não perde a sua aura e consegue ser mais um grande conto de fadas intemporal que saiu dos fornos da Disney. É um filme alegre, para ver e rever, pois sempre terá piada e sempre terá boas músicas. É uma pena não ser tão perfeito quanto se diz. Podia ter sido, com mais introspecção e menos ambição...
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