Realizador: Mike Newell
Actores principais: Julia Roberts, Kirsten Dunst, Julia Stiles
Duração: 117 min
Crítica: Numa frase: o filme ‘Mona Lisa Smile’ (O Sorriso de Mona Lisa) é uma espécie de ‘Dead Poets Society’ (1989) em versão feminina, e em pior. Posso até dizer que ‘Mona Lisa Smile’ está para ‘Dead Poets Society’ como Julia Roberts está para Robin Williams, ou os talentos como actor de Robert Sean Leonard (pelo menos na sua juventude) ou de Ethan Hawk, estão para os talentos de meninas como Julia Stiles, Kirsten Dunst ou Maggie Gyllenhaal. Ou seja, não é que sejam maus de todo, pois não o são (Gyllenhaal, por exemplo, já provou a sua mestria em filmes como ‘The Dark Knight’ ou ‘Crazy Heart’), mas tudo somado o seu valor superficial acaba por suplantar quase sempre qualquer profundidade que possam ter. Robin William é um comediante de gema, mas quando é necessário intensidade, ele consegue dá-la, como demonstrou em inúmeros filmes como ‘Good Will Hunting’, ‘Bicentennial Man’, ‘Insomnia’, ‘One Hour Photo’ e claro, ‘Dead Poets Society’. Por outro lado, Julia Roberts tem sempre performances muito semelhantes, mas a verdade é que sorri muito, e o seu sorriso é cativante. E esta logística passa por osmose completamente para ‘Mona Lisa Smile’. À primeira vista, tudo parece bem, tudo tem lustro e boas formas. Mas por baixo da superfície o filme tem, esteticamente e conceptualmente, pouco para ver, compreender ou oferecer.
A acção do filme passa-se na América dos anos 1950, numa prestigiada universidade privada para mulheres. Apesar de estas serem as mentes jovens mais brilhantes do país (obviamente no que respeita a elite das jovens raparigas de boas famílias), a escola realmente está apenas preocupada em preparar estas jovens em termos de etiqueta e de boas maneiras, para poderem única e simplesmente arranjar o melhor marido possível, e depois serem donas de casa, à boa tradição americana neste período histórico, para o resto da vida.
E eis que na vida destas cabeças que sofrem diariamente lavagens cerebrais do ‘sistema’ entra Julia Roberts, uma professora de arte que chega à escola para preencher uma posição que vagara nesse ano. E aqui nada difere de Robin Williams no filme ‘Dead Poet Society’. Logo desde o primeiro dia de aulas, Roberts está pouco preocupada com o currículo recomendado pela escola e que é leccionado há gerações, e introduz as suas próprias noções e conceitos para estimular as suas jovens alunas. Roberts usa a sua disciplina, a arte, como Williams havia usado a literatura, para obrigar as suas alunas a pensar ‘fora da caixa’, incutindo-lhes um sentido de individualidade, um sentido crítico perante as normas pré-estabelecidas, e uma grande moral. Em ‘Dead Poet Society’ esta moral era Carpe Diem. Aqui é algo do tipo “A vida é vossa, vivam-na. Não se sintam obrigadas simplesmente a arranjar um marido e viverem como donas de casa o resto da vida. Se quiserem ir para a faculdade, vão. Se quiserem ser cientistas, podem ser!”. E assim por diante.
Obviamente, Roberts vai chocar contra uma barreira social bem erguida e uma rede de fofoca, intriguice e pensamento retrogrado bem oleada. A oposição surge de todos os cantos, desde algumas das suas próprias alunas (na pele de Kirsten Dunst, a menina superficialmente perfeita), até à reitora da escola, e passando pela pequena elite social da cidade, que começa a ostracizá-la. E Roberts, sempre com o seu sorriso, mesmo nas cenas mais dramáticas, enfrenta tudo isto, como uma heroína, para o bem das suas alunas, ou pelo menos daquelas que consegue inspirar, e quiçá para o bem de toda a humanidade. E basicamente é isto. E agora o leitor já percebeu que eu tinha razão. Isto é um remake de ‘Dead Poets Society’, mas com mulheres. Provavelmente foi este o ‘pitch’ feito num gabinete algures nos estúdios da Columbia. “Tenho uma brilhante ideia. Dead Poets. Mas com mulheres!”. Com a excepção do suicídio que ocorre em ‘Dead Poets Society’ (aqui não havia estofo para tal), ‘Mona Lisa Smile’ segue exactamente a mesma estrutura, a mesma sucessão de cenas e emoções, até mesmo ao final.
Mas há diferenças profundas no significado do material. Enquanto ‘Dead Poets Society’ tem personagens credíveis, as personagens de ‘Mona Lisa Smile’ são completamente estereotipadas. Enquanto ‘Dead Poets Society’ é um filme intemporal e universal, que poderia existir fora do contexto que retrata, pois as suas personagens são incrivelmente poderosas, e os seus dilemas não são única e exclusivamente uma consequência do meio que as rodeia, em ‘Mona Lisa Smile’ é precisamente isso que acaba por acontecer. O filme está tão preocupado em dar uma tendenciosa lição de História, que o retrato estereotipado do contexto americano da década de 1950 é tudo o que parece interessar, e as personagens são mandadas para segundo plano, resignadas a terem atitudes e sentimentos superficiais e ‘clichezados’, que derivam de uma página de argumento e não de qualquer humanidade que possam ter.
A descrição das 3 ou 4 raparigas da turma no qual o filme se foca (aquelas que acabam por ficar mais ligadas a Roberts) explica o que eu quero dizer perfeitamente. Uma tem casos com professores mais velhos da escola. Outra casou aos 18 para sua infinita glória inicial, para descobrir pouco depois que está presa num casamento sem amor, sem possibilidades de poder sair dele. E a outra não tem presentemente (com 18 anos lembre-se) perspectivas de um potencial marido, o que a torna uma espécie de pária neste meio. E todas, sem excepção, são vítimas da pressão da etiqueta social e do controlo parental. E este desbobinar sucede-se, personagem atrás de personagem, cena após cena. Cada rapariga representa um problema específico deste contexto, e as cenas em que cada uma delas entra existem apenas para mostrar pequenos sketches das restrições e das convenções da era, para que pessoas de agora se sintam muito emocionadas e tenham muita pena delas. Contudo, isto nem sequer é um ‘filme social’. Roça, perigosamente, a telenovela. Mas sinceramente acho que houve aqui uma falha grande. Por mais que se busque na turma, não se encontra nenhuma rapariga que precise de um aborto. Juro, é a única coisa que falta. Senti-me enganado.
Continuo sem perceber exactamente qual é o objectivo deste filme. Repetir a fórmula de sucesso de um filme anterior, uma espécie de sequela disfarçada de remake, mas com personagens femininas? Ou dar uma lição condensada da História? Ou pelo menos, de uma versão mais ou menos cor-de-rosa (mesmo que semi-dramática) dela? Se é este o objectivo, então o filme até é relativamente bem sucedido. Situações como estas realmente existiram. Todas na mesma turma? Certamente que não. Mas a magia do cinema permite criar micro-cosmos e sumários que resultam se o filme for inteligente. Este não é. Deixa muito a desejar nas suas partes dramáticas e os arcos das personagens não são suficientemente interessantes. Não possui qualquer tipo de profundidade universal e humana que possa ter um paralelo para os dias de hoje, ou de qualquer outra era. A actuação é maioritariamente boa (destaque para Marcia Gay Harden), o desenho de produção também (uma concepção fiel e absorvente de uma década), mas a verdade é que a realização e o argumento não estão suficientemente limados e o filme, ao mostrar convenções datadas cena após cena, acaba por se tornar, ele próprio, uma convenção datada.
O realizador Mike Newell, cujo repertório vai de ‘Four Weddings and a Funeral’ (1994) a ‘Prince of Persia’ (2010) passando por um dos Harry Potters (‘Goblet of Fire’, 2005), mantém-se fiel ao seu estilo de “realização suficientemente boa, mas argumento que deixa algo a desejar”. Se é para fazer um filme passado na década de 1950, num colégio interno, com um professor inspirador que quebra convenções, então até o filme de 2002 ‘The Emperor’s Club’ – mais uma daquelas coisas inexplicáveis já que é uma espécie de ‘Dead Poets Society 2’, com poucas ideias originais e inclusive com um actor também de tradição cómica, Kevin Kline, como professor – então, dizia eu, ‘The Emperor’s Club’ acaba por ser bem melhor que ‘Mona Lisa Smile’. E visto que ‘Mona Lisa Smile’ surgiu apenas um ano depois que ‘The Emperor’s Club’ talvez a associação directa entre estes dois filmes não seja assim tão descabida. “Se eles conseguiram fazer um remake de ‘Dead Poet’s Society’, então nós também conseguimos. E se mudarmos a história de homens para mulheres ninguém notará a diferença!”. Errado. Nota-se, e muito. Especialmente quando a falta é de originalidade, por um lado, e de conteúdo e profundidade, por outro. Nestas coisas geralmente não há que enganar. O filme original é o melhor. E mais nada.
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