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OK Connery

Ano: 1967

Realizador: Alberto De Martino

Actores principais: Neil Connery, Daniela Bianchi, Adolfo Celi

Duração: 104 min

Crítica: NOTA: esta crítica vem acompanhada de música. Poderá clicar no vídeo no final e ler a crítica ao som do tema principal do filme!

Hoje vou falar de um filme que o leitor certamente nunca ouviu falar. E depois de ouvir falar, talvez deseje que nunca tenha ouvido. Ou então não. Se calhar vai fazer todos os possíveis para arranjar tempo para o ver, e poder-se-á tornar um dos filmes de culto da sua vida. Aviso já, hoje em dia é muito fácil ver este filme, portanto a tentação poderá ser grande. A primeira vez que o vi tive que vasculhar durante meses em tudo o que era lado para conseguir encontrar uma cópia. Hoje é só ir ao youtube, escrever o título, carregar num botão e poderá ver o filme completo em todo o seu esplendor.

Estou a falar de um filme italiano de 1967 chamado ‘OK Connery’ ou, no seu título americano (na versão em língua inglesa) ‘Operation Kid Brother’. E é nesta altura que o leitor pergunta: e que diabo é ‘OK Connery’. Pois bem, ‘OK Connery’ é um dos expoentes de um género cinematográfico muito em voga na década de 1960 chamado ‘spy-fi’. Este género constitui o meu ‘guilty pleasure’ e já percorri as suas mais importantes entradas de uma ponta à outra. São filmes fracos, de baixo orçamento, mas têm um je ne sais quoi que os tornam completamente viciantes. Quase que se pode dizer que de tão maus se tornam bons, mas não são assim tão maus como o leitor possa imaginar. Pertencem simplesmente a um género muito próprio, cuja fórmula se tornou demasiado fácil de reproduzir e deu aso a filmes inacreditáveis, como este.

Tudo começou após o sucesso do dia para a noite dos filmes de James Bond no início da década de 1960. De repente, com a guerra fria, os romances de espiões e este sucesso imediato de Sean Connery e da saga Bond, a loucura pelo agente secreto ganhou proporções inauditas. Imediatamente surgiu a vaga do ‘spy-fi’, ou seja, dos filmes de espiões com um travo de ficção científica (nos engenhos, nos planos do vilão, etc). Se daqui surgiram entradas memoráveis (as séries ‘The Avengers’ ou ‘The Saint’; os filmes de Harry Palmer com Michael Caine) surgiram outras que nem por isso, usando uma formula batida de vilões, planos diabólicos de conquista mundial, um agente irresistível e miúdas, muitas miúdas. Hoje associamos a paródia deste género a filmes como ‘Austin Powers’ (que deve tudo ao ‘spy-fi’), mas as primeiras paródias não surgiram abertamente como tal. Surgiram como filmes menores do género, que não levavam a sério a imagem de Connery (como Roger Moore fez com o seu Bond), mas com a diferença de terem baixo orçamento, um argumento cliché e uma aura de possuirem a perfeita consciência da patetice que estavam a criar, e não se importarem. O resultado é algo difícil de explicar, filmes leves com travos de violência e paródia, focados intensivamente nas belas miúdas e nos vilões cada vez mais caricatos. Se na América apareciam paródias como ‘Casino Royale’ (1966) ou os filmes de Derek Flint (interpretado por James Coburn), na Europa, a meio da década de 1960, este fenómeno ganhou asas de uma forma impensável. Em Inglaterra (com maior qualidade), e em Itália e na França (com pior) o ‘spy-fi’ de repente tornou-se um género de filme vistoso que podia ser feito por tuta e meia, mas que poderia render uns bons milhares na bilheteira. Quando mais excêntrico fosse o vilão, quanto mais bonitas fossem as miúdas e quanto mais gozante com a personalidade de Connery fosse o espião, mais seria a possibilidade de sucesso. Os espiões OSS 117 (que Jean Dujardin retomou em 2006) ou Bulldog Drummond, por exemplo, bem como outros menos prováveis (como a ‘Fathom’ de Rachel Welch, invertendo o papel para uma agente feminina irresistível) surgiram com as suas próprias sagas (que contudo nunca duravam mais que 2 ou 3 filmes). Se muitos destes filmes são os apelidados ‘eurotrash’, há muitos, nomeadamente os que descrevi em cima, que valem a pena ver. Podem ser maus, podem ser uns meros imitões de Bond, mas tudo o que eu expliquei: os cenários europeus (muitas idas à Riviera – o casino cá do sítio), as miúdas, os vilões, e a verdadeira lamechice e má qualidade dos argumentos (o que os americanos apelidam de ‘cheesy’) tornam todo este género completamente irresistível para mim, um fã incondicional da espionagem cinematográfica bondesca.

Mas vamos ao que interessa neste momento. O leitor poder-se-á perguntar o que é que distingue ‘OK Connery’ desta verdadeira amalgama de filmes com fórmulas todas iguais? Tudo se resume a uma única palavra… casting! A escolha do elenco para este filme requereu um enorme esforço financeiro aos produtores, estou certo (provavelmente todo o alocado ao filme, o que explica a má qualidade do resto), mas foi um incrível golpe de génio. Bem, talvez não seja assim tão genial, mas ao menos deve ter gerado um enorme interessa na altura e, como o leitor irá ver nas frases seguintes, ainda gera, senão interesse, pelo menos grande curiosidade agora!

O cirurgião plástico tornado espião que este filme apresenta é interpretado por nenhum outro actor se não Neil Connery! E quem é Neil Connery? Pois, o leitor já adivinhou. Neil Connery é o irmão mais novo de Sean Connery. Em 1967 alguém teve a brilhante ideia de ir buscar este senhor, que não tinha qualquer experiência como actor. Também não foi longe, apenas fez este e mais um filme, ‘retirando-se’ de seguida, para voltar à sua área de especialidade, a produção de gesso na Escócia. A sua actuação não é nada boa claro, mas é difícil de julgar já que a sua voz é dobrada por outro actor qualquer. Basicamente Neil Connery foi contratado para se exibir de um lado para o outro; uma marioneta parecida com Sean Connery que pode ser arrastada de cena para cena. Está parado no meio da cena, move a cabeça e mexe os lábios. E é isto. 

Mas a cartada do irmão de Sean Connery era apenas o princípio. Havia mais truques na manga. Estes italianos endinheirados da década de 1960, que tanto investiram em filmes de Fellini e Antonioni, como atraíram grandes produções americanas para serem filmadas na Cinecitta por baixo custo, decidiram esbanjar o seu dinheiro a contratar, para este filme com um argumento péssimo, todos os actores que conseguiram que tinham entrado nos 5 filmes de James Bond que tinham sido feitos até à data. A connery-girl deste filme (sim, porque Neil Connery faz de um espião chamado… Neil Connery!) é a actriz Daniel Bianchi (que foi a Bond-girl em ‘From Russia with Love’). Os actors Bernard Lee e Louis Maxwell (respectivamente M e Moneypenny da saga Bond) fazem basicamente os mesmos papéis. O vilão Alpha é interpretado por Anthony Dawson (um dos vilões de ‘Dr. No’). Já o vilão Betha é interpretado por Adolfo Celi (o italiano que tinha sido o vilão de ‘Thunderball’, o meu filme de Bond preferido).

Portanto, não há dúvidas que isto é a mais aberta paródia spy-fi a Bond feita na década de 1960. Ou seja, ninguém leva nem isto nem Bond a sério e estão todos muito contentes a fazerem papeis unidimensionais, a gozarem consigo próprios e a gozarem principalmente, menos com Bond, e mais com Connery, através do seu irmão. Mais estranho é o facto de Maxwell e Lee terem, depois deste filme, ainda feito mais uma série de filmes oficiais de Bond, como se nada fosse. Maxwell é o exemplo mais gritante. Parece que está a fazer um esforço para não se rir o filme todo. Quando M (que não é M mas é como se fosse) contrata Neil, Maxwell mete-lhe a mão a tapar a barba e comenta que o rosto dele se parece o suficiente com o do seu irmão para poder servir mais ou menos como espião. Só precisa de ter o aspecto, parece dizer, que o resto sairá naturalmente, já que esta profissão não requer grande esforço. Se isto não é gozar com Sean Connery, não sei o que é. E a verdade é que as referências a Sean Connery estão em todo o lado. Aliás, aparentemente Sean Connery também está a trabalhar no mesmo caso, mas por algum motivo misterioso nunca aparece no filme… Uma pessoa pergunta-se porquê…

Mas ainda há mais bocas. Celi comenta que o espião é o irmão do 00… mas Dawson interrompe-o antes do último número dizendo que eles são uma família muito irritante. Bianchi também se queixa a meio do filme, quando alguém lhe está a tentar explicar alguma parte do plano, que toda a gente parece estar a ler demasiados romances de Ian Flemming… E por falar em plano. Querem saber o plano? Há um plano?

Sim, infelizmente sim, há uma espécie de plano e uma espécie de argumento. Mas tirando o gozo e as auto-referências, a história é tão chata que não creio que haja muito interesse em discuti-la. Envolve hipnotismo, cirurgia plástica, uma rapariga japonesa que detém alguns segredos (mais uma boca a Sean Connery, que na altura era casado com uma japonesa) e uma organização de vilões ultra secreta, ao estilo de SPECTRE dos filmes/livros de Bond, cuja arma é uma espécie de íman que consegue tornar tudo o que é electrónico (relógios, telefones), mas surpreendentemente também tudo o que é mecânico (carros, armas) inútil. As coisas do costume. O mundo em resgate, etc, etc. Depois há muitas meninas em trajes menores a desfilar, vilões a fazerem coisas típicas de vilões, muitos tiros, muitas explosões, belas vistas do Mediterrâneo, e a batalha climática no lar do vilão, que se processa com arcos e flechas (já que os vilões inutilizaram todas as armas!). Se o Mini-Me ou o Austin Powers aparecessem no meio da batalha eu não acharia nada estranho…

Quando finalmente encontrei o filme sentia uma estranha antecipação antes de começar. Acabou por ser tão mau e chato quanto estava à espera, mas arranjei motivos para ficar contente. As únicas cenas engraçadas ou interessantes ocorrem apenas quando há piadas internas a Bond, Connery ou Flemming, e quando os ex-Bondianos se pavoneiam de um lado para o outro a gozarem com eles próprios. Pode ser tudo muito esquisito e desprovido de grande interesse, mas é uma oportunidade única de ver estes actores a fazer isto. Para os grandes fãs de Bond, é algo de tão impensável que este filme, que já se tornou de culto, imediatamente se transforma em algo de certo modo valioso. Mas ao mesmo tempo é de lamentar como esta oportunidade única de fazer a maior paródia a Bond de todos os tempos foi assim tão levianamente desperdiçada. O argumento simplesmente não presta e o filme é filmado sem qualquer tipo de convicção (quem sabe hoje quem é Alberto De Martino, o realizador??). E conseguir convencer Neil Connery a entrar num filme destes, mas depois desperdiçá-lo num papel de cirurgião plástico, que sabe fazer hipnotismo nas horas vagas e por força das circunstâncias, e pela parecença com o irmão, se torna um agente secreto… meu Deus… é falta de imaginação ou falta de talento, ou ambos! Só posso assumir que os produtores tenham achado que contratar esta gente era suficiente. Era só preciso contratá-los e filmá-los. Mais nada. E teriam dinheiro a jorrar pelas bilheteiras. Errado. E os actores aceitaram o dinheiro, guardaram-no e apareceram nos dias das filmagens só para se divertir e dizer as falas. Isto não é um filme, é uma verdadeira rebaldaria sem vestígios de qualidade. 

Uma das poucas coisas que realmente tem interesse neste filme pela sua qualidade é a banda sonora de Ennio Morricone. O grande maestro mostra aqui (na sua única banda sonora, do meu conhecimento, de um filme de espiões), como soariam as suas composições se os produtores de Bond alguma vez o tivessem contratado. Apesar de de vez em quando não resistir a colocar umas passagens estranhamente familiares, a banda sonora é interessante e cheia de ritmo. Não resisto em colocar aqui a música de abertura, um verdadeiro tema à la Bond, cantado por Christy (também existe uma versão igual, cantada pela mesma Christy, mas com a letra em inglês). É uma pena que nada no filme faça jus a esta música.


No final só posso recomendar este filme para três públicos: (i) fãs da saga Bond, que tenham o mínimo de interesse em ver os actores que conhecem a mandar umas piadas internas; (ii) para os viciados em eurotrash spy-fi dos anos 1960; ou (iii) alguém que tenha o mínimo de interesse em olhar durante uma hora e meia para o irmão de Sean Connery. Para ouvir a banda sonora de Ennio Morricone, caro leitor, use o youtube. Não vale a pena perder 104 minutos da sua vida.

Mais informações sobre a génese do spy-fi podem ser lidas nesta crónica!

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Miguel. Portuense. Nasceu quando era novo e isso só lhe fez bem aos ossos. Agora, com 31 anos, ainda está para as curvas. O primeiro filme que viu no cinema foi A Pequena Sereia, quando tinha 5 anos, o que explica muita coisa. Desde aí, olhou sempre para trás e a história do cinema tornou-se a sua história. Pode ser que um dia consiga fazer disto vida, mas até lá, está aqui para se divertir, e partilhar com o insuspeito leitor aquilo que sente e é, quando vê Cinema.

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