Em 2011, com 26 anos de idade, estava no último ano do meu doutoramento. Já há muito tempo que durante as horas de almoço que partilhava com o pequeno grupo de doutorandos e investigadores do centro de investigação universitário onde trabalhava, brincávamos com a ideia de tirarmos umas férias em conjunto. Depois de muitas ameaças, foi finalmente nesse Verão que passamos da teoria à prática. Eu, a minha namorada e mais quatro amigos/colegas de trabalho, fomos passar quatro dias à bela cidade de Berlim.
Quando seis jovens adultos fazem uma escapadela urbana a uma das grandes metrópoles europeias, dificilmente vão passar todo o seu tempo em conjunto. Claro que há sempre aqueles marcos turísticos incontornáveis que todos visitamos, e sermos da mesma área profissional (entre arquitectos, planeadores e engenheiros civis) implicava termos alguns interesses comuns na exploração da cidade (especialmente desta cidade). Mas depois há aquelas coisas relacionadas com gostos pessoais que, se quisermos ir visitar, não temos outra escolha senão ir sozinhos, porque ninguém tem grande interesse em ir connosco. E foi assim que, no nosso último dia de viagem, quando a minha namorada foi com as amigas algures, eu fui deixar a minha marca na mítica cinemateca alemã, a Deutsche Kinemathek.
A 'Filmhaus' pode ser encontrada no nº 2; à direita neste plano do Sony Center |
A Deutsche Kinemathek está hoje localizada no ultramoderno Sony Center na Potsdamer Platz, um espaço semi-público de exploração privada projectado pelo arquitecto Helmut Jahn numa antiga "terra de ninguém" perto do muro de Berlin. Desde que foi inaugurado em 2000 rapidamente se tornou um hub de comércio, serviços e escritórios. Contendo a sede da Sony Alemã e um multiplex de cinema com IMAX, tornou-se também, desde 2006, a casa da Cinemateca, que com a abertura de uma exposição permanente mudou de nome para ‘Deutsche Kinemathek – Museum für Film und Fernsehen (Cinemateca Alemã – Museu de Cinema e Televisão).
Com uma excitação miudinha entrei no no. 2 da Potsdamer Platz e dei umas voltas na entrada. Não iria propriamente explorar a sua biblioteca nem tinha tempo para esperar por uma sessão. Por isso fiz o que qualquer cinéfilo faria nas minhas circunstâncias: comprei o bilhete de 7 Euros para visitar a exposição permanente. Foi a melhor coisa que podia ter feito.
Quem está lá dentro nem se apercebe que está num edifício que por fora parece um mega complexo de escritórios, praticamente todo envidraçado. De facto, quando entramos no museu, é como se entrássemos para dentro de uma sala de cinema; um lugar escuro, sem janelas. De repente, uma extraordinária “ponte” rodeada de ecrãs convida-nos a esquecer o mundo lá fora e a mergulharmos na magia. E a magia, na margem oposta, surge na forma das origens do cinema alemão. Mais uns passos e já estamos no excitante universo da era dourada do cinema mudo; a era da República do Weimar (pré subida ao poder de Hitler) onde estúdios como a mítica UFA e realizadores como Lubitsch, Murnau, Lang ou Pabst produziram as suas obras mais memoráveis.
O extraordinário corredor que inicia a viagem pela história do cinema alemão |
Dois filmes, obviamente, têm um lugar de destaque: ‘Das Cabinet des Dr. Caligari’ (1920) e ‘Metropolis’ (1927), e vamos contornando réplicas dos cenários, projecções de cenas nas paredes, múltiplos posters e fotografias, adereços e placards com textos explicativos. É absolutamente fabuloso, particularmente para quem já viu estes filmes e conhece um pouco da história do cinema. Quem não conhece tem aqui, num museu muito bem construído, uma fantástica porta de entrada.
Depois, o museu prossegue contando-nos a história do cinema sonoro. Lembro-me bastante bem da ala inteira dedicada a Marlene Dietrich, incluindo uma sala só com alguns dos vestidos mais famosos que usou no grande ecrã. Com orgulho (e não com desprezo) o museu mostra-nos os grande exilados que fizeram o seu nome em Hollywood: Billy Wilder ou Erich von Stroheim. Com sobriedade mostra-nos a glória do cinema Nazi, com especial destaque para a obra prima de Leni Riefenstahl ‘Olympia’ (1936–38).
E depois continua com o período do pós-guerra, da divisão das duas Alemanhas, e do novo cinema alemão que nos daria Rainer Werner Fassbinder, Werner Herzog ou Wim Wenders, até chegarmos ao presente. Sinceramente achei esta última parte mais ilustrativa (muito à base de posters e stills) e sem a riqueza da exibição museológica a que o período clássico teve direito. Há também uma ala dedicada à televisão, com um impressionante Hall of Mirrors (com a projecção de imagens de cinquenta anos de TV) mas obviamente, não sendo versado em televisão alemã, não teve para mim muito interesse.
A capa do DVD que comprei na loja da Cinemateca: 'A Foreign Affair' (1948; em português 'A Sua Melhor Missão') |
Após esta viagem, e como bom turista cinéfilo, tive de dar um salto à loja. Estava decidido a levar uma recordação, e que melhor recordação que um DVD?! Tinha de ser de cinema alemão, ou pelo menos de um alemão. Caso fosse falado em alemão, tinha de no mínimo ter legendas em inglês. E tinha de, se possível (a cereja em cima do bolo), estar de alguma forma associado à minha viagem a Berlim. E por incrível que possa parecer, encontrei um filme que cumpria todos estes requisitos. Acabei por comprar o DVD de ‘A Foreign Affair’ (1948) de Billy Wilder (ok, ok, Wilder não era alemão, mas formou-se e trabalhou na Alemanha antes de ir para os EUA); um filme passado, precisamente, em Berlim. Espectáculo. Terminei em beleza a minha odisseia pela Deutsche Kinemathek. No dia seguinte, estava de volta ao bom e velho Portugal, com um saco cheio de boas memórias. Não voltei a Berlim… ainda.
Se alguma vez estiver por Berlim, caro leitor, visite esta extraordinária exposição na Cinemateca. Recomendo vivamente.
Eu e a Marlene. O Totó e a Diva. |
0 comentários:
Enviar um comentário
Porque todos somos cinema, está na altura de dizer o que vos vai na gana (mas com jeitinho).