Realizador: George B. Seitz
Actores principais: Lionel Barrymore, Mickey Rooney, Cecilia Parker
Duração: 69 min
Crítica: Numa época de olimpíadas, todos somos relembrados de que a glória maior pode surgir das origens mais humildes. O mesmo acontece no cinema. Todos os anos, para não dizer todos os meses, assistimos ao lançamento de filmes que foram produzidos por duzentos milhões de dólares, com mais umas dezenas de milhar de dólares atirados para a promoção e o marketing do dito, cheios de espalhafato, efeitos especiais e estrelas da moda, que se tornam fiascos de bilheteira, são esquecidos ao segundo fim-de-semana de exibição e até têm a produção das suas sequelas cancelada. Por outro lado, filmes de concepção muito mais humilde, que nunca apareceram nas ditas revistas da especialidade nem na ComiCon nem em talk shows, sustêm o teste do tempo e tornam-se clássicos, pela força da sua qualidade cinematográfica, pelo poder do seu fascínio intrínseco, pela capacidade que têm de inspirar o espectador.
E isto não é necessariamente uma antítese inerente aos tempos modernos. O cinema sempre conheceu o seu quinhão de underdogs que galoparam para o sucesso imediato e o coração dos espectadores, mesmo perante outras obras-primas que ficaram muito mais para a posteridade. O ano de 1937 é marcante nesse sentido. Foi um ano de filmes maravilhosos que moldaram a face do cinema e que nunca serão esquecidos como ‘Lost Horizon’ de Capra, ‘Young and Innocent’ de Hitchcock, ‘The Awful Truth’ de Leo McCarey, ‘La Grande Illusion’ de Renoir, ‘Captains Courageous’ de Fleming, ‘The Good Earth’ de Franklin, ou a primeira longa-metragem animada da história: ‘Snow White and the Seven Dwarfs’, cortesia do senhor Walt Disney. Mas nenhum destes filmes, apesar dos sucessos de bilheteira, apesar dos prémios recebidos, apesar da rendição incondicional de críticos e cinéfilos até aos dias de hoje, criou tanto impacto nos espectadores na altura do seu lançamento ao ponto de inspirar nada menos que catorze (sim, leu bem caro leitor, catorze) sequelas ao longo da década seguinte, como o pequeno e humilde ‘A Family Affair’.
"‘A Family Affair’ é o primeiro filme daquela que ficaria conhecida para a posteridade como a saga de Andy Hardy, o nome da personagem interpretada pelo pequeno e genial Mickey Rooney (...) que por altura deste primeiro filme tinha apenas 17 anos de idade. Aliás, nos anos subsequentes, esta saga ajudaria a cimentar a sua popularidade como a maior estrela de cinema a nível mundial (...), e para sempre a sua imagem ficaria associada ao proverbial boy next door."
‘A Family Affair’ é o primeiro filme daquela que ficaria conhecida para a posteridade como a saga de Andy Hardy, o nome da personagem interpretada pelo pequeno e genial Mickey Rooney (um dos meus actores preferidos) que por altura deste primeiro filme tinha apenas 17 anos de idade. Aliás, nos anos subsequentes, esta saga ajudaria a cimentar a sua popularidade como a maior estrela de cinema a nível mundial (foi o actor cujos filmes renderam mais nos anos de 1939 e 1940), e para sempre a sua imagem ficaria associada ao proverbial boy next door, o arquétipo do adolescente americano, a representação perfeita e altamente identificável da caminhada até à idade adulta. Não só naquela época, diga-se, mas também, graças àquela magia que só o cinema pode proporcionar, em todas as épocas, já que, aconteça o que acontecer, por mais que o mundo evolua, os problemas dos jovens serão sempre, no fundo, os mesmos.
Mesmo assim, porque os filmes da saga Andy Hardy por hábito não costumam aparecer naquelas repetitivas listas de clássicos que vão passando de geração em geração e que todos (quer tenham visto os filmes ou não) gostam de referenciar, tornaram-se uma espécie de tesouro bem guardado do cinema que só alguns têm agora a habilidade de (re)descobrir. Por isso mesmo, talvez seja impossível descrever ao leitor, especialmente ao leitor português, a popularidade desta saga e a forma como ao longo de todo o século XX foi bem-amada e ternamente recordada, principalmente pelo público americano. Não creio que um filme desta saga tenha alguma vez sido exibido na televisão portuguesa. Eu, que sempre “papei” cinema deste tenra idade, tive de chegar aos 30 anos de idade para a ver. Mas na América, pelo menos alguns dos filmes mais populares da saga tornaram-se uma norma de ciclos televisivos revivalistas em que o amor pelo cinema é passado de pais para filhos, numa cumplicidade familiar imbuída de amor, valores e importantes lições sobre a vida e o crescer. Filmes como ‘Love Finds Andy Hardy’ (1938), um dos melhores, senão o melhor da saga, podem estar facilmente no mesmo cesto que ‘It’s a Wonderful Life’ (1946) ou ‘The Wizard of Oz’ (1939). Não por necessariamente serem obras-primas como estes (nenhum dos filmes da saga Andy Hardy o é realmente), mas por partilharem esse mesmo sentimento de simples mas sincera alegria, de entretenimento familiar dos 8 aos 80 que ensina com um sorriso, de magia cinematográfica que inspira sem condescendência, e cuja mensagem, cujo apelo familiar, nunca fica datado.
Portanto é ainda mais incrível que tudo tenha tido origem numa rotineira produção de série B do estúdio MGM. Mas ao mesmo tempo, sabemos perfeitamente que não podia ter surgido em mais lado nenhum. Pela década de 1930, o sistema de estúdios estava perfeitamente enraizado em Hollywood e cada estúdio tinha o seu género trademark. A Warner Brothers produzia filmes de gangsters e de aventuras. A Universal ficou famosa pelos seus filmes de monstros e a Paramount pelos seus filmes mais ligeiros. Mas a MGM era a verdadeira meca do cinema, a mansão do glamour, o universo com “mais estrelas do que aquelas que há no céu”. O seu objectivo era produzir entretenimento de alta qualidade com classe que pudesse ser desfrutado por toda a família. E se isto queria dizer um ‘Gone with the Wind’ (1939), também queria dizer inúmeras opulentas adaptações literárias centradas em jovens actores como ‘David Copperfield’ (1935), ‘Captain’s Corageous’ (1937) ou ‘Wizard of Oz’ (1939).
" Filmes como ‘Love Finds Andy Hardy’ (1938), um dos melhores, senão o melhor da saga, podem estar facilmente no mesmo cesto que ‘It’s a Wonderful Life’ (1946) ou ‘The Wizard of Oz’ (1939). Não por necessariamente serem obras-primas como estes (nenhum dos filmes da saga Andy Hardy o é realmente), mas por partilharem esse mesmo sentimento de simples mas sincera alegria, de entretenimento familiar dos 8 aos 80 que ensina com um sorriso, de magia cinematográfica que inspira sem condescendência, e cuja mensagem, cujo apelo familiar, nunca fica datado."
Aliás, nunca um estúdio descobriu e promoveu tantas extraordinárias child stars como a MGM. Nas décadas de 1930 e 1940, saíram dos fornos da MGM estrelas como Shirley Temple, Elizabeth Taylor, Freddie Bartholomew, Judy Garland e claro, Mickey Rooney. Rooney havia começado a sua carreira uma década antes, com seis anos de idade, ainda no cinema mudo. A sua personagem Mickey McGuire, um miúdo de classe baixa que vai tendo aventuras e desventuras cómico-dramáticas, entrou em mais de 60 populares curtas-metragens entre 1927 e 1934, uma longevidade apenas rivalizada pelos grandes (Lloyd, Chaplin, Keaton, Laurel). Foi precisamente em 1934, quando a série acabou, que assinou pela MGM, e após alguns papéis secundários em 1937 teve o seu ano de explosão com sete filmes, incluindo ‘Captains Courageous’, ‘Thoroughbreds Don't Cry’ (o seu primeiro emparelhamento com Judy Garland) e claro, os dois primeiros filmes Andy Hardy.
Realizado por George B. Seitz (o homem que estaria intrinsecamente ligado a esta saga, realizando a maior parte dos seus dezasseis filmes), ‘A Family Affair’ é, como o próprio nome indica, um filme familiar. Com apenas 70 minutos, foi pensado como um filme de série B, uma first feature (ou seja, o filme mais pequeno que passava antes do filme principal) destinado para a típica família americana que nessa altura visitava o cinema regularmente em conjunto. O enquadramento do filme, evitando as grandes cidades e passado na pequena Carvel, uma pequeníssima cidade no Midwest americano, representa essa ambição, quiçá ingénua (mas extremamente eficaz) de se relacionar com a ‘verdadeira América’. Do mesmo modo, a família que retrata está pensada ao pormenor para ser altamente representativa das inúmeras famílias que veriam este filme no cinema, nas grandes e nas pequenas cidades. Mas porque esse retrato está tão bem feito, o cliché rapidamente dá lugar à identificação por parte do público, e esse é um dos grandes segredo do inesperado sucesso deste filme (nem o estúdio estava à espera de uma resposta tão entusiasta do público).
A família Hardy tem ao seu centro o Juiz Hardy, o compreensivo juiz da pequena terriola que usa a sua sabedoria com placidez e tem a sua honestidade como maior arma para resolver os vários problemas que vão aparecendo, quer no tribunal, quer dentro da sua própria casa. Poder-se-á dizer que é uma espécie de cópia bem-intencionada, menos subtil mas mais abrangente, do Juiz Priest que John Ford concebeu no filme do mesmo nome de 1934. Mas o lendário Lionel Barrymore cria uma personagem que tem mérito próprio ao moldá-la à sua característica persona cinematográfica (pelo menos na década de 1930). Ou seja, Hardy é um pilar de virtude com um coração compreensível e uma alma ternurenta, contendo uma não artificial vulnerabilidade que contudo se sente sempre acanhado e relutante em mostrar, algo que lhe dá uma enorme credibilidade como personagem. O facto de Lewis Stone ter ficado com o papel nas restantes sequelas (um actor do gabarito de Barrymore nunca ficaria preso a uma série de filmes B) faz com que facilmente se esqueça que ele é o original Juiz, e portanto a sua interpretação torna-se ainda mais surpreendente e profunda em retrospectiva.
"‘A Family Affair’ é, como o próprio nome indica, um filme familiar. Com apenas 70 minutos, foi pensado como um filme de série B, (...) destinado para a típica família americana. (...) O enquadramento do filme, evitando as grandes cidades e passado na pequena Carvel, (...) representa essa ambição, quiçá ingénua (mas extremamente eficaz) de se relacionar com a ‘verdadeira América’. Do mesmo modo, a família que retrata está pensada ao pormenor para ser altamente representativa das inúmeras famílias que veriam este filme no cinema."
A sua esposa, Emily Hardy, é interpretada pela sempre exuberante Spring Byington, cujo papel infelizmente se restringe a ser uma compreensiva dona de casa e mãe de família. Faz portanto sentido que ela também tenha sido substituída nas restantes sequelas pela mais conscienciosa dona de casa interpretada por Fay Holden, num papel ainda mais limitado e superficial. Da memória de Byington neste filme fica contudo a pontinha de irreverência que a caracterizava e que justifica de certo modo a personalidade dos seus filhos, especialmente de Andy que sempre entenderemos mais como filho de Byington do que propriamente de Holden. A irmã de Emily, a Tia Milly (Sara Haden) também vive com a família, mas é uma presença inconstante ao longo da saga.
E depois, como não podia deixar de ser, temos os filhos. ‘A Family Affair’ contém a única aparição da filha mais velha, Joan (interpretada por Julie Haydon) já casada e que neste filme está em vias de se divorciar. É uma linha argumental demasiado inovadora e controversa para os anos 1930 (apesar de dar, sem dúvida, algum inesperado peso a este primeiro filme), portanto para bem do apelo popular da saga, a personagem foi simplesmente cortada nos filmes subsequentes, como se nunca tivesse existido. Já Marion e Andy, bem como os actores que os interpretam desde o início (respectivamente Cecilia Parker e Mickey Rooney), tornaram-se presença constante e assídua. Marion é uma rapariga na casa dos vinte anos que no primeiro filme regressa a casa da universidade (para lá não parece voltar nos restantes filmes) e que existe para ter umas paixonetas mais “sérias” (pelo menos quando comparadas com as paixões de adolescente de Andy, muito mais humorísticas) e uns corações partidos, o que explica o rápido declínio de interesse da sua personagem. Já Andy está espectacularmente concebido como um adolescente típico, hesitando continuamente entre uma infantilidade inata e a atracção pela vida adulta, entre a paixão pelo desporto e a paixão pelas miúdas, e entre uma constante necessidade de se exibir, de forma fanfarrona, e a compreensão dos valores mais sinceros e humildes que muitas vezes, ao longo dos filmes, tem de aprender a mal (ou pelo menos um mal que sabemos que vai sempre acabar em bem). As suas conversas íntimas com o pai em momentos decisivos dos filmes tornaram-se uma marca da saga, e o momento clássico para debitar as grandes lições de moral que cada obra tenta ensinar.
A lenda das personagens que este filme concebeu, e a forma como foram adoptadas pelo público mundial como se fossem os seus próprios vizinhos ao longo dos anos seguintes é tão poderosa que a história inevitavelmente passa para segundo plano. ‘A Family Affair’, baseado na peça de teatro ‘Skidding’ de Aurania Rouverol, começa no tribunal da pequena cidade de Carvel – o local onde se iniciariam muitos dos filme da saga daí em diante. Um grupo de homens poderosos mas com intuitos fraudulentos procura que o Juiz aprove um contrato da construção de um aqueduto, aclamado como uma grande obra que trará riqueza e progresso à cidade. Mas perante alguns factos mais duvidosos, o Juiz recusa aprovar o projecto antes de poder explorar as nuances da questão mais a fundo.
"Andy está espectacularmente concebido como um adolescente típico, hesitando continuamente entre uma infantilidade inata e a atracção pela vida adulta, entre a paixão pelo desporto e a paixão pelas miúdas, e entre uma constante necessidade de se exibir, de forma fanfarrona, e a compreensão dos valores mais sinceros e humildes que muitas vezes, ao longo dos filmes, tem de aprender a mal."
À medida que o Juiz anda, de forma introspectiva, preocupado com estas questões e com outros assuntos que tem de resolver e pessoas que tem de ajudar pela cidade (um cliché da saga), o filme vai-nos introduzindo a sua restante família. A sua harmonia vai contudo ser quebrada quando os vilões desta história começam a fazer uma enorme campanha para sujar o nome do Juiz, usando os jornais para manipular a opinião pública, de forma a o poderem desacreditar e destituir, substituindo-o assim por um Juiz muito mais colaborante. No limite, recorrem à chantagem, nomeadamente a ameaça da exposição dos detalhes mais chocantes (ou pelo menos, chocantes para a altura) do divórcio da filha...
O filme vai seguindo a demanda do Juiz para limpar o seu nome e o da filha, e provar que o projecto não é tão transparente como aquilo está a ser vendido ao povo, que a certa altura fica completamente contra o Juiz e, como consequência, contra a sua família. Marion vê o seu namoro com um engenheiro do aqueduto (que não sabe que é tudo uma falcatrua) em risco e Andy vê a sua vida social do liceu minada, incluindo as suas primeiras relações com aquela que seria a sua principal namorada ao longo da saga, Polly (Margaret Marquis apenas neste filme num papel que Ann Rutherford tornaria seu na restante saga). E, vitimas destas pressões, eles próprios se voltarão contra o pai, que terá de escolher entre ceder ou seguir o caminho da verdade até ao fim.
Apesar deste conteúdo sério (o mais sério de toda a saga), ‘A Family Affair’ é no global um filme leve e simpático, com escapes de humor tranquilos é certo, mas verdadeiros e engraçados (especialmente os relativos a Andy). O filme flui facilmente até aos seus 70 minutos totais de duração e se a história possui algumas, breves, pontadas críticas sobre euforia das multidões, pressões sociais e a dicotomia progresso vs. velhos costumes, nunca se vai deixar consumir por estas questões. Usa-as apenas como um catalisador da moral que pretende transmitir; a moral da honestidade, da sinceridade, da união familiar. O seu argumento, directo e contido, é contudo eficaz e o filme tem uma estrutura suficientemente coesa (apesar da óbvia previsibilidade da trama) para suportar estas lições de moral e incutir estes valores no espectador.
"‘A Family Affair’ é no global um filme leve e simpático, com escapes de humor tranquilos é certo, mas verdadeiros e engraçados (especialmente os relativos a Andy) (...) O seu argumento, directo e contido, é contudo eficaz e o filme tem uma estrutura suficientemente coesa (apesar da óbvia previsibilidade da trama) para suportar [as suas] lições de moral e incutir estes valores no espectador."
Nunca temos dúvidas que tudo se resolverá bem, mas também nunca as temos em qualquer conto de fadas. E é precisamente isso o que este filme é. O pequeno ‘assunto familiar’ a que o título alude nada mais é que um conto moral, daí a unidimensionalidade da trama e dos malfeitores, e daí o lugar-comum dos membros desta família que podiam pertencer a qualquer família. Mas a verdade é que esta fórmula, por qualquer motivo intangível, resulta.
Talvez seja a enorme humildade e simplicidade do material, a forma como transmite valores sinceros com a leveza da sua comédia dramática familiar. Talvez seja a surpreendente profundidade das tramas secundárias, desde o divórcio da filha aos pormenores da vida de Andy. Talvez sejam as actuações de mestre que o filme contém, a começar na aura virtuosa que Barrymore transmite. Ou talvez seja o poder intrínseco do génio de Mickey Rooney, a não intencional luz mais brilhante (de longe) deste filme. Como Andy Hardy, Rooney rouba todas as cenas em que está com a sua incrível naturalidade, o seu impecável timing cómico e uma ligeira, propositada, ponta de overacting tão típica da adolescência. Portanto não é de todo de estranhar que aos poucos, esta fábula da pequena América se tenha tornado eventualmente a sua saga.
‘A Family Affair’ não é um grande filme. Nem de perto nem de longe. Mas por todas estas razões e provavelmente outras é uma pérola nostálgica tão simplesmente verdadeira que se entende perfeitamente que se tenha tornado um inesperado sucesso. É um filme que sacia plenamente porque tem o pouco que é preciso. É um filme que se torna o perfeito complemento de entretenimento numa tarde em família. É um filme que toda a família pode ver, gostar e, pela sua anónima universalidade, rever como se fosse pela primeira vez.
"‘A Family Affair’ não é um grande filme. Nem de perto nem de longe. Mas por todas estas razões e provavelmente outras é uma pérola nostálgica tão simplesmente verdadeira que se entende perfeitamente que se tenha tornado um inesperado sucesso. (...) É um filme que toda a família pode ver, gostar e, pela sua anónima universalidade, rever como se fosse pela primeira vez."
E do dia para a noite, todo o mundo ficou a conhecer os Hardy, a ter os Hardy no coração, a viver intensamente as suas aventuras e desventuras. Ao longo da década seguinte, a MGM produziu em massa os filmes de Andy Hardy, obviamente também porque esta era uma época em que não havia televisão e portanto estas sagas de filmes B (tal como os filmes policiais de ‘Thin Man’ ou de ‘Sherlock Holmes’ a que já aludi nestas páginas) faziam as vezes das séries, com novas aventuras ‘descartáveis’ feitas rapidamente com poucos recursos a sair nos cinemas a cada três ou seis meses. A saga de Andy Hardy pode ter começado assim, e até demorado um pouco a arrancar (alguns dos filmes iniciais são admitidamente fracos) mas graças a este seu intangível apelo universal atingiu um estatuto inaudito. No fundo é muito mais do que uma série. É um daqueles raros companheiros de crescimento, como um grande livro como 'A Ilha do Tesouro' ou 'As Aventuras de Tom Sawyer'.
E como Tom Sawyer, de repente o pequeno Andy Hardy tornou-se o filho que todos os pais queriam ter, o irmão que todos os filhos queriam ter, o namorado que todas as raparigas queriam ter, o companheiro de aventuras que todos os rapazes queriam ter. Não durou muito até os filmes deixarem de tentar abarcar toda a família para se centrarem nos dilemas de crescimento do próprio Andy. Ao quarto filme o seu nome já aparecia no título (‘Love Finds Andy Hardy’, 1938) e a partir do sétimo (‘Andy Hardy Gets Spring Fever’, 1939) apareceria em todos até ao final da saga. Com Andy aprendemos a ultrapassar os problemas da adolescência. Com Andy tivemos inúmeras paixonetas de Verão que incluíram diversas actrizes que se tornariam famosas: Judy Garland, Donna Reed, Lana Turner ou Esther Williams. Com Andy aprendemos os factos da vida, o quanto ela custa, o que devemos descartar e o que devemos reter para sermos felizes. Com Andy fomos para a faculdade e até, mais tarde, à Segunda Guerra Mundial, como milhares de outros jovens na década de 1940. Com Andy constituímos família e tivemos os nossos próprios filhos. E com Andy regressamos a casa, após tantos anos, após tudo o que passamos.
Quando Mickey Rooney recebeu o Óscar Honorário em 1982, Bob Hope introduziu-o como “o miúdo que iluminou todos os nossos ontens, e o homem que animou todos os nossos hojes”. Foi. Foi mesmo. Caro leitor, poderá demorar alguns meses, mas acompanhe-me nesta viagem pela saga de Andy Hardy e pelos seus subsequentes dezasseis filmes cujas, nem lhes chamarei críticas mas breves reflexões nostálgicas, tentarei publicar em intervalos regulares. E se conseguir encontrar os filmes (não é fácil) desafio-o a mergulhar neste pequeno pedaço de céu cinematográfico. Reitero que nenhum destes filmes é uma obra-prima do alto cinema. Mas são obras-primas do ponto do vista do cinema de entretenimento familiar, porque se erguem em verdadeiros valores e oferecem pequenas lições de moral através de doses perfeitas de sorriso e seriedade. Andy Hardy pode ser um produto do seu tempo, mas é intemporal. E a sua memória não pode ser perdida, porque se os nossos ontens forem iluminados, e os nossos hojes animados, então não podemos ter medo do futuro. E essa é a maior dádiva de todas, e aquela que dedico ao meu filho bebé com quem espero, um dia daqui a pouco mais de uma década, rever todas estas obras…
"Quando Mickey Rooney recebeu o Óscar Honorário em 1982, Bob Hope introduziu-o como “o miúdo que iluminou todos os nossos ontens, e o homem que animou todos os nossos hojes”. Foi. Foi mesmo. (...) Andy Hardy pode ser um produto do seu tempo, mas é intemporal. E a sua memória não pode ser perdida, porque se os nossos ontens forem iluminados, e os nossos hojes animados, então não podemos ter medo do futuro. E essa é a maior dádiva de todas"
Caro leitor, não perca em breve as críticas dos restantes filmes da saga, seguindo os links em baixo à medida que forem sendo publicadas:
Love Laughs at Andy Hardy (1946) (a publicar)
Andy Hardy Comes Home (1958) (a publicar)
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