Realizador: Gareth Edwards
Actores principais: Felicity Jones, Diego Luna, Alan Tudyk
Duração: 133 min
Crítica: Eu nasci apenas em 1984 portanto toda a ânsia e excitação da trilogia original da ‘Guerra das Estrelas’ passou-me ao lado. Contudo, com apenas 14 anos de idade, organizei e liderei uma incursão de amigos à primeiríssima sessão de todas de ‘Episode I: The Phantom Menace’ na minha cidade, e depois repeti a dose nos dias de estreia de ‘Attack of the Clones’ em 2002 e ‘Revenge of the Sith’ em 2005. O ano passado, até me dei ao luxo de ir ver ‘The Force Awakens’ em IMAX 3D no segundo dia de exibição, acompanhado da minha extremamente grávida esposa. Como milhares de pessoas a nível mundial, sempre fui um fã da ‘Guerra das Estrelas’, mas um fã com consciência. E por ter essa consciência não pude deixar de ter sérias suspeitas relativas a ‘Rogue One’, anunciado (erradamente) como o primeiro spin-off da saga. Tantas suspeitas que deixei passar quase três semanas até que finalmente o fui ver, na passada quinta-feira.
Ser um tipo que tem várias vezes razão é porreiro. Conhecer a indústria cinematográfica por dentro e por fora há muitos, muitos anos faz com que uma pessoa desenvolva um sexto sentido. Mas por vezes odeio ter razão. E este é um desses casos. Eu cheirei a má qualidade de ‘Rogue One’ há mais de um ano, mas nunca esperei que pudessem ir tão baixo. Foram. Eu sou do tempo em que se se queria fazer dinheiro à custa de alguma coisa, se tinha a decência de fazer um telefilme ou então um bom e velho spin-off directo-para-VHS. Os spin-offs são por definição filmes de menor qualidade, e portanto quando são lançados pela porta pequena não estão a enganar ninguém. O espectador sabe que não terá uma grande obra, mas a contrapartida é que pode viver mais uma aventurazinha no universo que aprendeu a amar noutro filme. É um bom acordo. Quem se lembra dos dois singelos telefilmes com os Ewoks feitos nos anos 1980: ‘The Ewok Adventure’ (1984) e ‘Ewoks: The Battle for Endor’ (1985), esses sim os primeiros spin-offs da ‘Guerra da Estrelas’? Eram filmes familiares de entretenimento ligeiro que sabiam o seu lugar, e todos ficávamos contentes com isso.
"Eu sou do tempo em que se se queria fazer dinheiro à custa de alguma coisa, se tinha a decência de fazer um telefilme ou então um spin-off directo-para-VHS (...) Mas agora vivemos numa era em que todas as sequelas, prequelas, spin-offs e reimaginações são lançadas no grande ecrã (...) Ganhar uns bons trocos não é crime; o que é crime é tentar convencer o espectador de que vai ter a mesma coisa (...) e tratá-lo como se fosse a nona maravilha da humanidade"
Mas agora vivemos numa era em que todas as sequelas, prequelas, spin-offs e reimaginações são lançadas no grande ecrã. O objectivo é óbvio: fazer render o peixe e ganhar uns bons trocos. Ora, ganhar uns bons trocos não é crime; o que é crime é tentar convencer o espectador de que vai ter a mesma coisa que o produto principal. O que é crime é envolve-lo de tanto mediatismo e tratá-lo como se fosse a nona maravilha da humanidade. Alguns “críticos” (se lhes pode chamar assim) até afirmaram que ‘Rogue One’ era um dos melhores Star Wars de sempre. A sério?! Como será que conseguem dormir de noite depois de vender assim a alma ao diabo? Ou então estão tão dessensibilizados com a porcaria que invade os nossos cinemas hoje em dia que já não sabem o que é um bom filme. Mas há um crime ainda maior: quando quem faz o próprio filme acredita nas balelas que os próprios venderam à imprensa e não têm a humildade e o discernimento suficiente para perceber que a realidade não é bem assim.
Muita gente não gostou da trilogia das prequelas que Lucas realizou entre 1999 e 2005 e prefere aquilo que foi feito em ‘The Force Awakens’. Tudo bem. É verdade que as prequelas não eram propriamente grandes filmes; ‘Phantom Menace’ era demasiado infantil e ‘Attack of the Clones’ tinha exageradíssimos efeitos especiais e um argumento super-pastoso. Eu próprio escrevi o ano passado que “‘The Force Awakens’ é muito melhor filme que qualquer uma das prequelas (Ep. III inclusive) – outra coisa não seria de esperar”, mas chamei à atenção que “paradoxalmente é muito menos ‘Star Wars’ que qualquer uma delas (Ep. II inclusive)”. Ou seja, o novo filme tinha a pirotecnia necessária, o tom, o estilo, o look, as referências e o entretenimento suficiente para cativar as novas gerações e ser um bom filme de aventuras. Mas, como escrevi “a sua alma mais pura, aquela alma que era a essência de 'Star Wars', de valores honestos e verdadeiros (não estes de plástico que satisfazem as distopias futuristas das novas gerações), não está presente”. Terminei escrevendo “J.J. faz uma excelente homenagem, mas nunca conseguirá descobrir o segredo para fazer click. Nem ele, nem ninguém. Só George o sabe. E esse não volta.”.
Para mim, o problema é que quem está a fazer estas novas adaptações está a interpretar 'Star Wars' através da sua própria experiência de fã. Já não se reinvoca uma aura mitológica abstracta composta de um vasto leque de fontes culturais, como George o fez. Em vez disso, reinvoca-se apenas um filme e um gigantesco universo de merchandising, que cada um experienciou à sua própria maneira ao longo das últimas três décadas. Por isso é que as “pequenas homenagens” soam sempre forçadas (porque são feitas para piscar o olho ao espectador e não se inserem na lógica do filme) e, mais importante que isso, afastam-se da verdadeira essência da história e da mitologia. O original 'Star Wars' baseava-se numa série de lendas. Estes novos filmes baseiam-se apenas na lenda que é 'Star Wars', e esta nuance faz toda a diferença.
"O original 'Star Wars' baseava-se numa série de lendas. Estes novos filmes baseiam-se apenas na lenda que é 'Star Wars' (...) Mas o mal de ‘Rogue One’ é bem mais grave. Muito simplesmente, o filme é fraco, na história, na técnica, na arte. Não é apenas um spin-off em termos formais (...) é também em termos do lugar-comum da própria construção de um spin-off. É tudo uma versão menor, de baixo orçamento e atabalhoadamente feita daquilo que já conhecemos."
Mas se este era o mal, mais perdoável, de ‘The Force Awakens’, o mal de ‘Rogue One’ é bem mais grave. Muito simplesmente, o filme é fraco. Fraco na história, na técnica, na arte. Não é apenas um spin-off em termos formais, ou seja, no sentido em que se passa, argumentalmente, nas margens da história que conhecemos dos restantes filmes. É um spin-off também em termos do lugar-comum da própria construção de um spin-off. É tudo uma versão menor, de baixo orçamento e atabalhoadamente feita daquilo que já conhecemos. A realização é incrivelmente desinspirada, as interpretações são fracas e não há química entre elas, as personagens são desprovidas de qualquer originalidade e profundidade, alguns efeitos visuais tentam ser tão retro que acabam por ser piores que os do original 'Star Wars' de 1977 (incrível!), e o argumento é extremamente mecânico e segue todas as leis enfadonhas e datadas de um filme de aventuras que quer ser dramático e engraçado ao mesmo tempo. Parece que voltamos às aventuras familiares dos bons velhos anos 1990. Com um bocadinho menos de frases inspiracionais e mais de piadas foleiras e escapes cómicos, podíamos estar num filme da ‘Múmia’. Com um bocadinho mais de originalidade e dinamismo podíamos estar em ‘Serenity’ (2005), o filme de baixo orçamento baseado na série de culto ‘Firefly’.
E o que é mais curioso é que isto quase parece propositado. Veja-se a forma como o título do filme aparece de repente, findo o prólogo: as letras ‘Rogue One’ sobre um céu estrelado e com uma música excessivamente heróica a acompanhar. Esqueçam os anos 1980; um dos clássicos sci-fi dos anos 1950 não o faria melhor. Mas em 2016 parece tão kitsch que dá vontade de rir. Por outro lado podemos desconfiar que isto não foi propositado olhando para a lista técnica, repleta de nomes menores. O realizador é Gareth Williams (que apenas fez ‘Monsters’, 2010, e o remake de ‘Godzilla’, 2014), a história foi desenvolvida por John Knoll (especialista em efeitos visuais, de 'Star Wars' a ‘Avatar’, no seu primeiro argumento) e Gary Whitta (escreveu o fiasco ‘After Earth’, 2013); e o argumento final tem o cunho de Tony Gilroy (‘Armageddon’, 1998; ‘Duplicity’, 2009) e Chris Wetiz (‘American Pie’, 1999; ‘The Golden Compass’, 2007, ‘Twilight: ‘A New Moon’; 2009). Deram propositadamente uma aura de spin-off de série B ao filme, ou simplesmente não sabem fazer melhor? Inclino-me mais para a segunda opção.
Como já todos sabemos pela exposição mediática do último ano, o filme ocorre temporalmente entre os eventos de ‘Revenge of the Sith’ e o original 'Star Wars'. A batalha de Yavin, a batalha que permitiu a Luke destruir a primeira Estrela da Morte, só foi possível porque os planos dessa estação espacial foram anteriormente roubados e uma falha encontrada. Essa nota de rodapé, despachada em duas frases em 'Star Wars' dá origem aqui a um filme inteiro. Contudo, a forma como se decidiu abordar a história é incrivelmente patética e pastosa. Todos nos rimos de ‘Attack of the Clones’, mas simplesmente porque Lucas não sabe (nunca soube) escrever diálogos, e portanto sem a ajuda de Lawrence Kasdan o resultado foram aquelas frases super-lamechas que Natalie Portman teve que debitar. Mas só as frases eram más, não a essência das emoções. Em ‘Rogue One’ as frases podem estar melhor escritas, mas as emoções são todas superficiais.
"A realização é incrivelmente desinspirada, as interpretações são fracas e não há química entre elas, as personagens são desprovidas de qualquer originalidade e profundidade, alguns efeitos visuais tentam ser tão retro que acabam por ser piores que os do original ‘Star Wars’, e o argumento é extremamente mecânico e segue todas as leis enfadonhas e datadas de um filme de aventuras que quer ser dramático e engraçado ao mesmo tempo."
O filme abre num verdejante planeta longínquo onde um cientista exilado, Galen Erso (Mads Mikkelsen que faz o que pode com o papel) tenta viver uma vida pacífica com a mulher e a filha, a pequena Jyn (a saga continua sem conseguir fazer um casting decente de actores jovens…). Mas o Império, representado por Krennick (Ben Mendelsohn que até é um vilão interessante apesar da inevitável previsibilidade da sua personagem), há muito que o procura para o obrigar a terminar o que havia começado: a Estrela da Morte. Numa cena repleta de diálogos lamechas com todos os lugares comuns possíveis e imaginários (frases inspiradores, a oferta de um colar para sustentar a ligação pai-filha, a morte da mãe), Erso esconde a filha antes de ser levado pelo Império. A pequena Jyn é então criada pelo rebelde Saw Gerrera (Forest Whitaker) que a transforma num dos seus melhores mercenários.
Dez anos passam. A primeira parte do filme é estética e cinematograficamente fraquíssima, com uma montagem atabalhoada e uma contextualização muito insegura, saltando de personagem em personagem e de planeta em planeta em cenas rápidas, forçada e artificiais. Enervantemente, recorre-se ao constante uso de legendas para descrever o nome dos locais onde se está, com um excessivo e totalmente descabido zelo dramático. Enervantemente, as personagens, as suas personalidades e os seus arcos são revelados sem o mínimo de subtileza emocional, com cada cena tendo um objectivo específico como se estivéssemos na primeira aula de um curso de escrita de argumentos: “Esta é a cena em que temos de mostrar que Jyn é muito esperta”; “Esta é a cena em que temos de mostrar que Cassian tem um conflito interior”… Enfim… Nem ‘Attack of the Clones’ fazia isto.
Resumidamente, há um piloto do Império, Bodhi (Riz Ahmed), o homem que despoleta tudo ao desertar e fugir da base imperial, levando consigo uma mensagem secreta de Erso para Saw Guerrera. Há um agente da Aliança, Cassian (Diego Luna; péssimo casting) que recebe esta informação e procura o piloto na esperança que isso o leve a descobrir o paradeiro de Erso. Acompanha-o um dróide (voz de Alan Tudyk) que, na minha opinião, é a melhor personagem do filme. Pelo menos é engraçada e não é uma mera repetição de C3PO, como BB8 era de R2-D2. E depois claro há uma Jyn crescida (Felicity Jones, uma actriz agora popular mas que, sinceramente, ainda não me convenceu, aqui inclusive), uma espécie de mini-Hans Solo; talentosa, inteligente e cheia de recursos, mas que não quer depender de nada nem de ninguém. Quando o filme a re-encontra está numa prisão espacial, mas irá, relutantemente, ser resgatada pela Aliança, que espera que ela ajude Cassian a encontrar o seu velho pai adoptivo, Gerrera, e consequentemente Bodhi, Erso e a mensagem secreta.
"A primeira parte é estética e cinematograficamente fraquíssima, com uma montagem atabalhoada e uma contextualização muito insegura, saltando de personagem em personagem e de planeta em planeta em cenas rápidas, forçadas e artificiais (...) Enervantemente, as personagens, as suas personalidades e os seus arcos são revelados sem o mínimo de subtileza emocional"
Não quero divulgar muitos mais pormenores da história, mas basicamente todas estas personagens vão convergir e descobrir que a Estrela da Morte está quase operacional. A mensagem de Erso, quando finalmente é revelada na forma de um holograma, é para mim uma das maiores patetices do filme. Para começar é um corrido de lamechice paternal, o que não faz sentido visto que Erso não faz ideia se a filha está viva ou se esta irá alguma vez ver a mensagem. O seu objectivo, supostamente, é avisar a Aliança de que há uma falha, que o próprio concebeu, na Estrela da Morte. Mas não parece muito interessado em passar essa informação, visto que só depois de três minutos de sentimentalismo barato sobre a filha é que se lembra de dizer a correr “ah e já agora inseri uma falha na Estrela da Morte”. Só não me rio porque o filme segue sempre esta triste lógica na sua vertente humana de trazer por casa. E depois não parece fazer qualquer sentido que Erso consiga enviar esta mensagem e não consiga enviar também os planos da Estrela da Morte. Em vez disso orienta a Aliança na direcção do planeta Scarif, a mega-biblioteca do Império, o único sítio onde os poderão roubar…
Só para tornar a coisa ainda mais artificialmente dramática, o Conselho dos Rebeldes recusa aprovar a missão. Mas Jyn, muito inspirada pela memória do pai, juntamente com os vários companheiros que vai encontrando pelo caminho (cada um preenchendo a quota do lugar comum da personagem secundária – apenas destaque para o semi-jedi invisual interpretado por Donnie Yen, o Ip Man) vão dar uma de ‘rogue’ e abarcam, com um tragicismo consciente mas sempre descabido, a missão suicida. É verdade que a batalha de Scarif, um planeta que parece o Dubai (provavelmente de forma propositada) é a única coisa que consegue salvar o filme, visto que tem (finalmente!) a intensidade e a excitação que faltam ao resto da trama. Mas com pesar nota-se que os argumentistas se inspiraram nos filmes missão-suicida errados. Deviam ter estudado a era dourada dos anos 1960 e 1970 e as obras-primas sobre a Segunda Guerra Mundial: ‘The Guns of Navarone’ (1961), ‘Dirty Dozen’ (1967), ‘Kelly’s Heroes’ (1970) ou ‘Where Eagles Dare’ (1968), transladando a sua tensão e a sua aura trágica para o universo Star Wars. Em vez disso basearam-se no imaginário dos anos 1990 e 2000, dos filmes de acção leves e familiares, de personagens ocas e one-liners kitsch, que no limite nos levaram até ‘The Expendables’ (2010). E isso não é nada bom.
O que isto significa é que ‘Rogue One’ se desenrola com uma inacreditável displicência dramática. É o tipo de filme em que cada personagem só falece depois de, deitada no chão, dizer uma ou duas frases lamechas à pessoa que se agacha a seu lado. É o tipo de filme em que todas as personagens aceitam o seu destino trágico com uma quase divina serenidade, de braços abertos, cientes do seu heroísmo. É o tipo de filme em que uma plataforma só explode um segundo depois do herói a percorrer, um botão só fica inactivo um segundo depois do herói carregar nele, uma personagem secundária só morre um segundo depois de cumprir o seu propósito. Uma ou duas vezes até podemos compreender. ‘Rogue One’ são duas horas disto, non-stop. Chega a um ponto em que ficamos totalmente fartos das forçadas coincidências. Claro que o objectivo é exacerbar o dramatismo da missão em que tudo é feito “no último segundo possível”. Mas todo e cada nico da missão é feito “último segundo possível”, muitas vezes de forma tão forçada que até dá dó.
"A batalha de Scarif (...) é a única coisa que consegue salvar o filme, visto que tem a intensidade e a excitação que faltavam (...) Mas com pesar nota-se que os argumentistas se inspiraram nos filmes missão-suicida errados. Deviam ter estudado a era dourada dos anos 1960 e 1970 (...) Em vez disso basearam-se no imaginário dos anos 1990 e 2000 (...) O que isto significa é que ‘Rogue One’ se desenrola com uma inacreditável displicência dramática"
E depois é o tipo de filme que tenta desesperadamente fazer da sua personagem central a heroína (não, não foi Luke que salvou a galáxia, foi Jyn) muito embora, como vemos, ela é apenas um elemento da equipa, que contribui tanto como qualquer outro. Mas o filme recusa-se a reconhecer isso. Note-se como o Almirante Raddus diz claramente no final “Ela conseguiu!”. Ela?! Como assim “ela”? O Almirante não faz ideia do que se passou em Scarif, portanto não sabe se foi “ela”. Tanto quanto ele sabe, Jyn até pode ter sido a primeira a morrer, e foi qualquer um dos outros que conseguiu transmitir os planos no final… De notar também que o filme está tão envolto na sua epicidade barata que nem repara que, pela primeira vez na história do cinema, é o herói – o herói reitero – que decide perder o seu precioso tempo e parar durante largos segundos para contar todo o seu plano ao vilão…
Mas há mais turn-offs. O filme é, como seria de esperar, altamente previsível. Há mais de um ano que adivinhei o final (ou seja, o que acontece às personagens – também não é difícil imaginar), mas o filme é igualmente previsível pedaço a pedaço. Cheiramos à distância as manobras de todas as personagens (é só seguir o trilho da lamechice) e cheiramos à distância quem vai morrer a seguir (é só seguir o trilho dos close-ups). E, apesar do seu suposto dramatismo ligeiro de entretenimento familiar, há contudo uma intensidade excessivamente negra, a mesma que já havia criticado em ‘The Force Awakens’, que prevalece no filme. Veja-se a massiva destruição que é mostrada três ou quatro vezes e que está longe, muito longe, da verdadeira essência de Star Wars embora esteja perto, muito perto, do negro tom moderno dos filmes de super-heróis. Não se pode ser tudo, mas este filme quer, sem ter a classe e o carisma para tal. Outro exemplo gritante é o da banda sonora. Michael Giacchino até não é nada mau compositor, mas aqui quer tudo; todas as passagens requerem toda a orquestra a matraquear em plena força, sempre, o tempo todo, sem uma pinga de subtil lirismo para executar um contraponto. Esta constatação é metafórica para todo o filme.
Não digo que os fãs não irão gostar, ou pelo menos sorrir perante este filme e principalmente perante o seu plano final, que aquecerá os corações de todos, especialmente agora após o falecimento trágico de Carrie Fisher. ‘Rogue One’ enche-se, e bem, de “ovos da Páscoa” relacionados quer com a mitologia concebida por Lucas (os cristais Kyber; a Whill da Força), quer com o filme original. Mas esta cumplicidade também cai por terra (como todas as poucas coisas boas que este filme tem), graças à desinspiração argumental e graças ao medo de ser subtil, o medo de que um espectador fique indignado por a piadinha lhe passar ao lado. Assim, sempre que temos um picar de olho, o filme praticamente pára para gritar nas orelhas do espectador: AQUI ESTÁ UM OVO DA PÁSCOA!
"Não digo que os fãs não irão gostar, ou pelo menos sorrir perante este filme (...) ‘Rogue One’ enche-se, e bem, de “ovos da Páscoa” relacionados quer com a mitologia concebida por Lucas (...), quer com o filme original. Mas esta cumplicidade também cai por terra (como todas as poucas coisas boas que este filme tem), graças à desinspiração argumental e graças ao medo de ser subtil"
O simples facto de se inserir uma referência não garante automaticamente uma cena bem sucedida. A muito badalada aparição de Dath Vader, só para dar um exemplo, é um autêntico fiasco. Sentimos um aperto no coração por ouvir a voz cansada de um James Earl Jones já com 86 anos, mas não sentimos nenhum aperto ao ver este Vader. As frases que diz e as atitudes que tem bem que podiam ser atribuídas ao Governador Tarkin, já que são pouco dignas da sua subtil e ameaçadora inteligência, e só ajudam a reforçar a fraqueza do filme. Quanto mais não seja para nos recordarmos da patetice que é o Imperador e Vader não terem conseguido prever ou impedir nada do que se passa aqui. A regra de ouro é que nos spin-offs não entram as personagens principais. Devia ter sido comprida. Este Vader não é nada e deve ser esquecido para sempre.
Enfim, podia estar aqui até depois de amanhã a criticar os pormenores deste filme, mas não vale a pena e isto já vai muito longo. O filme é tão banal, tão menor, tão desinspirado, tão enfadonho, tão previsível que não o merece. Não via mal nenhum em ‘Rogue One’ se fosse assumidamente um produto menor, lançado directo-para-DVD ou no Netflix, ou associado a uma daquelas séries de animação do Disney Channel. Aliás, agora que penso nisso, ‘Rogue One’ calhava bem nesse formato, como um especial de duas horas da série ‘Star Wars Rebels’ ou algo do género. A história é suficientemente infantil e emocionalmente imatura para tal. Agora assim, no grande ecrã, a pergunta que se impõe é se era mesmo preciso um filme de série B de 'Star Wars', principalmente porque, se pensarmos bem, já tivemos inúmeros; todos os filmes menores de ficção científica espacial que se inspiraram nele desde os anos 1980. Portanto o que é que ‘Rogue One’ dá que esses não nos deram? E a infeliz resposta é nada, excepto a associação argumental a 'Star Wars'. Mas isso não é suficiente para fazer um bom filme.
‘Rogue One’ já cumpriu o seu objectivo: ser um massivo sucesso de bilheteira. Mas não foi isso garantido pelo marketing intenso e por ter o logotipo Star Wars? Foi. Portanto, queremos mesmo associar a marca Star Wars a uma coisa destas? A Disney não tem pudor em desvirtuar assim a saga? Se não tem, devia ter. Porque hoje a marca Star Wars apela a fãs de todo o mundo, que sem hesitar pagam um bilhete para ir ver uma aberração destas. Mas se isto continuar, quanto tempo vai o apelo automático da marca Star Wars manter-se? Quantos maus filmes consegue um espectador suportar no cinema? Será o poder dos filmes originais tão eterno que se possa continuar a fazer ‘Rogue Ones’ perguiçosamente ad aeternum? Espero bem que não. Espero sinceramente que não. Senão um belo dia estaremos a ver um spin-off sobre o extra-terrestre que fabricou o coldre de Hans Solo. E quem vai pagar um bilhete para ver uma coisa dessas? Eu não. Este já me chegou.
"A pergunta que se impõe é se era mesmo preciso um filme de série B de Star Wars, principalmente porque, se pensarmos bem, já tivemos inúmeros; todos os filmes menores de ficção científica espacial que se inspiraram nele desde os anos 1980. Portanto o que é que ‘Rogue One’ dá que esses não nos deram? E a infeliz resposta é nada, excepto a associação argumental a 'Star Wars' (...) Com pesar anuncio este como o pior ‘Star Wars’ de sempre."
Com pesar anuncio este como o pior ‘Star Wars’ de sempre. Um filme-missão foleiro, dramaticamente oco, visto e revisto nos anos 1990, com a única diferença que aqui as roupas, as naves e os nomes são starwarsianos. Só há uma única vantagem em ter visto este filme. Reforçou o meu amor pelo original, reforçou o meu amor pelo trabalho de George Lucas. Esse não volta e aparentemente os grandes filmes da ‘Guerra das Estrelas’ também não. Tenho pena, grande pena, pelas novas gerações. Mais valia reporem nos cinemas os filmes dos Ewoks. Pelo menos seria muito mais divertido.
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