Wings

Ano: 1927

Realizador: William A. Wellman

Actores principais: Clara Bow, Charles 'Buddy' Rogers, Richard Arlen

Duração: 144 min

Crítica: Hoje em dia os historiadores de cinema recordam ‘Wings’ (‘Asas’ em português) por um motivo muito simples: foi o filme que ganhou o Óscar de Melhor Filme (Melhor Produção, como era chamado na altura), na primeira cerimónia dos Óscares de sempre, em 1927. E até ‘The Artist’ em 2011, era o único filme mudo a deter esse título. Mas é também relembrado pelas brilhantes sequências de batalha aéreas e pelas acrobacias perigosas (e verdadeiras) dos aviões, com câmaras colocadas nas asas, caudas e cockpits para atingir um efeito fabuloso e altamente realista (um feito ainda maior se pensarmos que estávamos em 1927 e quer os aviões, quer as câmaras, não eram propriamente fáceis de manobrar). E, finalmente, ‘Wings’ é também recordado pela breve, mas impactante, aparição de 2 minutos de um muito jovem (e então virtualmente desconhecido) Gary Cooper, uma aparição tão marcante que originou milhares de cartas de fãs curiosas ao estúdio a perguntar ‘Quem é este aviador?!’. Isto teve como consequência o primeiro grande contrato de longo prazo de Cooper com um estúdio, o que marcou definitivamente o início da sua longa e prolífera carreira (que incluiu 2 Óscares de Melhor Actor e inúmeras performances memoráveis).

Mas, para além das três coisas que mencionei no parágrafo anterior, na realidade este épico de 2h20min da Primeira Guerra Mundial tem pouco mais para oferecer, e não envelheceu assim tão bem, ou seja, é um filme claramente datado. Mas é verdade que quando este filme foi lançado, em 1927, o público nunca tinha visto nada de semelhante, portanto não é difícil de acreditar que as magnificas sequências das batalhas aéreas tenham tido um impacto forte e marcante nos espectadores. E é ainda mais verdade que o realismo destas batalhas aéreas só muito poucas vezes conseguiu ser repetido no cinema. Até filmes modernos carregados de efeitos especiais (sim, estou a falar de ti, ‘Pearl Harbor’), não conseguiram recriar de uma forma tão ‘dentro da acção’ nem tão tensa, a dinâmica destas batalhas, tal como ‘Wings’ as apresenta.

Portanto, não é por aqui que o filme falha. O problema está mais na história. E agora que falo em ‘Pear Harbor’ (1999), não me espantaria nada que os argumentistas deste filme tenham ido buscar a inspiração a ‘Wings’, tal como ‘Gladiator’ (2000) vai, digamos, roubar a história a ‘Fall of the Roman Empire’ (1964). A história de ‘Wings’ é, sinceramente, uma telenovela de pouco interesse. E em vez de capitalizar nas magníficas sequências de acção, o filme perde demasiado tempo nesta história lamechas e tem intertítulos a mais, o que é ainda pior pois um filme mudo precisa, por definição, de ser fluído.

Jack e David (interpretados por Buddy Rogers e Richard Arlen) são dois jovens rapazes americanos, inocentes e despreocupados, que passam os dias idilicamente e estão ambos apaixonados pela mesma rapariga. Esta, contudo, só gosta de Jack. Há ainda uma segunda rapariga, Mary interpretada pela famosa Clara Bow (cuja imagem icónica em cima de um camião aparece sempre quando este filme é mencionado, quer em livros, quer em documentários), que por sua vez está apaixonada por David.

Rapidamente, as personalidades idílicas e despreocupadas destes rapazes desfazem-se progressivamente quando vão primeiro para o campo de treinos e depois para o palco da guerra. Aí, com as contínuas batalhas aéreas, a sua forma de ser brincalhona e convencida finalmente sucumbe aos horrores da guerra.

Mais tarde, descobre-se que a própria Bow também vai para a guerra, como camionista. Só a outra rapariga, a tal que dividiu o interesse dos rapazes, é que nunca mais aparece no filme, portanto um espectador pode-se perguntar o porquê de tanto tempo gasto no início. A razão é simples. É um artifício fílmico para dar motivos aos rapazes para colidirem um com o outro durante a guerra. Fisicamente batalham um inimigo comum, mas sentimentalmente cada um ainda está convencido que quando voltar a rapariga será sua e não do rival, o que dá azo a rivalidades e discussões várias.

Mesmo assim, a primeira hora do filme (o treino e a primeira parte da guerra) passa muito bem e está muito bem-feita tecnicamente. Os ângulos de câmara (todos obtidos realmente, sem qualquer artifício de pós produção) são impressionantes, e as acrobacias dos duplos são de cortar a respiração. No entanto, quando os rapazes têm uma licença de uma semana em Paris, o filme parece tirar a licença com eles. O filme fica descuidado, perde ritmo, e passa demasiado tempo a mostrar os rapazes a embebedarem-se em bares. Esta dinâmica que perde nunca mais recupera, o que para um filme mudo significa a morte do artista.

Assim sendo, apesar da segunda parte da guerra mostrar o épico, final, e decisivo ataque, com batalhas quer na terra de ninguém, quer nos céus, o filme tem imensa dificuldade, parece-me, em re-captar a atenção do público. Só o consegue, a meu ver, na climática perseguição final, na qual um dos rapazes encontrará o seu destino, numa impressionante reviravolta argumental.

No final pode-se resumir este filme como sendo fraco no seu lado ‘humano’ e ‘sentimental’, e brilhante como um feito técnico. Não creio que nenhum outro filme na história, com a clara excepção de ‘The Right Stuff’ (1983), tenha conseguido captar tão bem a essência de voar num avião. Na cerimónia dos Óscares de 1928, outro filme ganhou o prémio de ‘Melhor Filme, Produção Única e Artística’ (um prémio que só existiu nesse ano – daí se considerar que ‘Wings’ é o Vencedor do ‘Melhor Filme’, apesar de ter ganho ‘Melhor Produção’): ‘Sunrise’ de Murnau. Este é um filme muito melhor em todos os aspectos. É uma obra-prima do cinema, ao contrário de ‘Wings’ que é ‘apenas’ uma obra-prima da técnica cinematográfica. Hoje em dia já ninguém recorda ‘Wings’ enquanto a maior parte dos cinéfilos ainda venera ‘Sunrise’…

William A. Wellman, o realizador, iria ele próprio realizar outras obras-primas magníficas, muito melhores que ‘Wings’, que aprecio bastante como ‘Public Enemy’ (1931), o filme que lançou Cagney, ‘The Ox-Bow Incident’ (1943), um magnifico retrato da histeria das multidões, ou ‘Battleground’ (1949), o épico filme de guerra da Batalha do Bulge, passado nas regiões geladas de Bastogne.

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Miguel. Portuense. Nasceu quando era novo e isso só lhe fez bem aos ossos. Agora, com 31 anos, ainda está para as curvas. O primeiro filme que viu no cinema foi A Pequena Sereia, quando tinha 5 anos, o que explica muita coisa. Desde aí, olhou sempre para trás e a história do cinema tornou-se a sua história. Pode ser que um dia consiga fazer disto vida, mas até lá, está aqui para se divertir, e partilhar com o insuspeito leitor aquilo que sente e é, quando vê Cinema.

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