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The Guns of Navarone

Ano: 1961

Realizador: J. Lee Thompson

Actores principais: David Niven, Gregory Peck, Anthony Quinn

Duração: 158 min

Crítica: Durante a Segunda Guerra Mundial, Hollywood produziu uma série considerável de filmes de guerra, mas cujo intuito, salvo raras excepções, era maioritariamente moralista, por mais heróicas ou dramáticas que fossem as histórias. Na década de 1950, o número de filmes bélicos decresceu, provavelmente porque a sociedade americana, então a iniciar um dos seus maiores períodos de expansão e prosperidade económica, quis voltar as costas aos verdadeiros horrores do conflito, que começavam aos poucos a ser conhecidos. Contudo, com a chegada da década de 1960, o género ‘filme de guerra’ regressou em força, com algumas das maiores entradas da sua história.

Houve um grande motivo para este regresso, nomeadamente a explosão do género épico, que surgiu com o intuito de atrair o público às salas de cinema depois da massificação da televisão; um último “hurrah!” dos estúdios clássicos em fase decadente e a poucos anos de ou serem desmantelados ou serem absorvidos pelos grandes conglomerados corporativistas da década de 1970. Nestes anos gloriosos de dramas e musicais de longa duração, elencos de luxo e com a melhor fotografia da história do cinema (na minha opinião) surgiu também um género muito particular do cinema de guerra: o filme-missão. Com o conflito a quase duas décadas de distância, Hollywood sentiu que que já podia regressar a esta temática sensível de um modo que praticamente nunca tinha experimentado antes. Não de uma forma moralista. Não de uma forma excessivamente dramática. Mas num modo épico, aventureiro e explosivo. Ou seja, no modo blockbuster, antes do termo realmente existir.

"Uma obra decisiva para marcar o ritmo do que seriam os filmes-missão dos anos 1960, ‘The Guns of Navarone’ (...) alia à boa história e à intensa cadência das suas sequências, muito mais do que boas personagens; alia fortes personalidades com quem o espectador imediatamente se identifica e não se importa nada de acompanhar, vivendo a aventura através dos seus olhos ao longo de umas extraordinárias duas horas e meia."

Como o próprio nome indica, os filmes-missão da Segunda Guerra Mundial contavam a saga de um pequeno grupo de soldados aliados (geralmente interpretados por um leque invejável de actores famosos) que em plena Guerra algures no interior da Europa, eram incumbidos de uma missão suicida, crucial para os destinos do conflito. Fosse roubar uns planos, salvar um conjunto de prisioneiros ou arrebentar com uma ponte, o espectador estava seguro de ter montanhas de adrenalina numa aventura máscula (muitas vezes a roçar o machista) com tensão, intensidade e heroísmo de sobra, e até algum humor pelo caminho. Numa década em que se fizeram obras como ‘The Longest Day’ (1962), ‘The Great Escape’ (1963), ‘Von Ryan's Express’ (1965), ‘The Dirty Dozen’ (1967) ou ‘Where Eagles Dare’ (1968), um dos melhores filmes-missão (pelo menos um dos meus preferidos) foi logo um dos primeiros: ‘The Guns of Navarone’ (em português ‘Os Canhões de Navarone’).

Uma obra decisiva para marcar o ritmo do que seriam os filmes-missão desta década, ‘The Guns of Navarone’ foi um massivo sucesso, com 7 nomeações para o Óscar incluindo Melhor Filme (ganharia apenas Melhores Efeitos Especiais) e arrecadando mais de quatro vezes aquilo que custou na bilheteira americana (ou seja ainda mais na bilheteira mundial). Tudo isto é inteiramente justificado. Desde o primeiro segundo, ‘The Guns of Navarone’ prende o espectador à cadeira. Pode não ter o ritmo acelerado ou a montagem frenética que associamos aos filmes de acção modernos, mas todos os cinéfilos sabem que isso não é condição para um filme ser excitante. ‘The Guns of Navarone’ resiste perfeitamente ao teste do tempo, porque à boa história e à intensa cadência das suas sequências alia muito mais do que boas personagens; alia fortes personalidades com quem o espectador imediatamente se identifica e não se importa nada de acompanhar, vivendo a aventura através dos seus olhos ao longo de umas extraordinárias duas horas e meia.

A sequência pré-créditos, narrada por James Robertson Justice (interpretando Jensen, o oficial dos Aliados responsável pelo plano), enquadra-nos tudo o que precisamos de saber, enquanto assistimos a imagens bélicas reais projectadas sobre as belas ruínas da Grécia. Algures durante a Guerra, dois mil soldados britânicos estão cercados pelas tropas nazis na ilha grega de Kiros no mar Égeu. A única forma de aceder de barco à ilha, ou seja, a única forma de resgatar os soldados, é através de um estreito vigiado por dois potentes canhões instalados numa falésia rochosa na ilha vizinha de Navarone. Todas as tentativas dos Aliados de destruir os canhões pelo ar e pelo mar provaram ser infrutíferas, pois entranhados na rocha, os canhões são demasiado poderosos e demasiado inacessíveis. Assim, quando os Aliados recebem informações de que dentro de uma semana os nazis irão enviar um conjunto de tropas a Kiros para exterminar os soldados britânicos, Jensen urde um derradeiro plano para destruir os canhões, de forma a que os barcos para a evacuação possam passar. É a história dos seis dias seguintes que o filme narra.

"O que se segue é uma sucessão dinâmica de sequências, extremamente bem realizadas e com um mais que satisfatório toque de cor local (...) Mesmo num formato que para o espectador actual poderá parecer algo recatado (...), o filme consegue encontrar, graças ao virtuosismo da sua realização, montagem e argumento, a fórmula perfeita para ser intenso e excitante sem precisar de estar constantemente a encher o ecrã de violência."

Após um brilhante genérico de abertura, com o excitante e memorável tema musical de Dimitri Tiomkin (uma das grandes marchas heroicas da história do cinema), a sequência seguinte revela logo ao espectador qual é esse plano, sem mais delongas. O capitão Keith Mallory (um possante e consciente Gregory Peck, um ano antes de vencer o Óscar de Melhor Actor por ‘To Kill a Mockingbird’) é chamado para uma reunião de emergência. Jensen e o Major Roy Franklin (Anthony Quayle) revelam-lhe que só há um único ponto em toda a costa de Navarone que os nazis não vigiam, uma falésia rochosa tida como impossível de escalar. Ora Mallory era precisamente um dos maiores alpinistas mundiais antes da Guerra, pelo que lhe é pedido que lidere, juntamente com Franklin, uma pequena equipa de homens, todos eles especialistas numa área particular, primeiro para aceder à ilha, escalando a falésia, e depois para avançar por qualquer meio possível até à fortaleza que alberga os canhões, para os dinamitar. É um plano suicida com poucas probabilidades de sucesso, mas sem escolha, Mallory tem de aceitar.

Para além de Mallroy e Franklin, o resto da equipa é a crème de la crème do exército. John Miller (o grande David Niven numa interpretação “oh so british”, entre o cómico e o dramaticamente sarcástico como só ele sabia fazer) é um génio com explosivos. Brown, conhecido como o Carniceiro de Barcelona (Stanley Baker) é uma máquina assassina, um especialista em mortes silenciosas com facas. E depois há ainda dois gregos, para ajudar na infiltração. Andrea Stravos é interpretado por um surpreendentemente intenso Anthony Quinn, o actor mexicano que é tão convincente no papel que três anos depois seria a escolha natural para interpretar Zorba o grego em ‘Alexis Zorbas’ (1964) – e ainda hoje muitos cinéfilos acham que ele era realmente grego! E por fim Spyros Pappadimos (James Darren), o mais jovem e inexperiente da equipa (dentro e fora do ecrã) é útil visto o seu pai ser o líder da resistência em Navarone. Resignados e conscientes dos seus destinos, estes seis homens iniciam a sua missão.

O que se segue é uma sucessão de grandes set pieces de acção e tensão que nunca dão muito tempo ao espectador para descansar. Quando revêm o plano num quarto de Hotel antes da partida, alguém pode estar à escuta. Quando estão no barco a caminho da ilha, uma patrulha alemã tenta detê-los. Quando se aproximam da ilha, um temporal faz com que o navio se despenhe nas rochas. Depois há toda a tensão da escalada nocturna. E uma vez na ilha, os nazis estão sempre à espreita, constantemente atrás deles, enquanto a equipa vai-se alternadamente escondendo, atacando e avançando, auxiliados por duas mulheres da resistência, Maria, a irmã de Pappadimos (a grega Irene Papas), e Anna (Gia Scala) que supostamente se tornou muda depois de ter sido torturada pelos nazis.

"Uma das mais valias do filme é não exibir a acção pela acção; é assentá-la numa soberba gestão das personagens. Todos sabemos que neste tipo de odisseias bélicas as personagens são geralmente unidimensionais, representando estereótipos específicos. Neste filme, mesmo que cada uma corresponda a um determinado perfil, há classe e subtileza na forma como são introduzidas nuances para cada uma delas."

Há um primeiro nível no qual podemos desfrutar confortavelmente de ‘The Guns of Navarone’. Precisamente, este que se prende com a sucessão dinâmica de sequências, extremamente bem realizadas e com um mais que satisfatório toque de cor local (o filme foi extensamente filmado em várias localizações na ilha de Rodes). Sendo esta uma obra comercial da década de 1960, o espectador não deve esperar longas cenas de perseguição, muitas explosões ou muitas mortes. Não era assim que se fazia este tipo de obras. Mas mesmo num formato que para o espectador actual poderá parecer algo recatado (e a verdade é que algumas sequências são um pouco morosas), o filme, tal como por exemplo os primeiros filmes de James Bond que se iniciariam um ano depois, consegue encontrar, graças ao virtuosismo da sua realização, montagem e argumento, a fórmula perfeita para ser intenso e excitante sem precisar de estar constantemente a encher o ecrã de violência. 

Veja-se a sequência da escalada nocturna. Mesmo que alguns planos tenham sido obtidos claramente em estúdio (embora o Óscar de Efeitos Especiais seja mais que merecido) cada pé posto em falso, cada metro que é ascendido faz o espectador suster a respiração. O mesmo acontece a cada momento em que uma patrulha nazi se aproxima e os nossos heróis têm de se escapulir ou enfrentá-los mais uma vez. Quando um deles, ferido, tem de ficar para trás, sentimos o peso do seu destino. E a sequência de diálogos entre todos após se materializar a desconfiança de que um dos membros da equipa afinal é um traidor pode ser longa mas nenhum espectador irá notar isso, tão embrenhado que está na história.

E esta constatação leva-nos precisamente ao segundo grande nível em que se pode desfrutar de ‘The Guns of Navarone’. Uma das mais valias do filme é não exibir a acção pela acção; é assentá-la numa soberba gestão das personagens. Todos sabemos que neste tipo de odisseias bélicas as personagens são geralmente unidimensionais, representando estereótipos específicos. Neste filme, mesmo que cada uma corresponda a um determinado perfil, há classe e subtileza na forma como são introduzidas nuances para cada uma delas. Sem quebrar o ritmo do desenrolar da missão, o filme opta, e bem, por não introduzir as personagens no início, mas por aproveitar um ou outro momento de pausa (uma viagem de barco, um período de descanso na escalada, uma conversa à noite num acampamento improvisado) para nos oferecer vislumbres da luta interna de cada herói.

"É indubitavelmente um dos mais excitantes filmes-missão que alguma vez foi realizado. Principalmente, porque sabe apertar os botões certos (...) com inteligência, usando o drama entre as personagens para aumentar a tensão, e utilizando o constante apertar do cerco das tropas nazis e a luta contra o tempo (indicações de quanto tempo falta até ao ataque nazi abundam), para gerar uma sensação de relativa claustrofobia."

Franklin é um homem que, por própria admissão, fica cego pelo sentido do dever, e isso pode fazê-lo perder o foco. Brown começa a ficar com remorsos dos múltiplos assassinatos que já cometeu no decorrer da guerra e começa a hesitar. Stravos tem uma vendetta privada com Mallroy, visto que há uns anos, graças a uma má decisão estratégica deste, a sua mulher e filhos foram mortos pelos nazis. Miller, que sempre recusou ser promovido no exército, revolta-se com a frieza dos seus superiores, capazes de jogar sem remorsos com a vida dos seus soldados. A segue de vingança de Pappadimos pelo mau trato do seu povo é tão impetuosa como a sua juventude. Maria tem o peso da liderança da resistência depois da morte do seu pai. E a enigmática Anna terá sofrido horrores nas mãos dos nazis que nenhum dos outros poderá compreender. Não é que o filme perca muito tempo a explorar estas ramificações emocionais. Mas aborda-as com subtileza e inteligência, o suficiente para as personagens se humanizarem aos olhos do espectador. Por exemplo, a sequência em que se escondem num casamento e Pappadimos começa a cantar na sua língua materna, revela uma lírica pungência; um inesperado momento de pausa antes de serem capturados pelos nazis. 

Ao contrário de inúmeros filmes de Guerra, em que o fio condutor é a missão, em ‘The Guns of Navarone’ sem que nos apercebamos bem disso, as lutas internas entre as personagens começam a tornar-se mais importantes, sustentando o desenrolar dos acontecimentos e as escolhas, sacrifícios e traições que cada um acaba por fazer. Isso dá ainda mais consistência à trama e torna o drama deste pequeno grupo ainda mais apelativo. Assim, mais cedo ou mais tarde, o filme encaminha-se para a fortaleza impenetrável onde se dá o grande clímax. Não temos dúvidas que a missão irá ser cumprida (senão o filme não tinha razão de existir) mas resta, para nos cativar, o como, o quando e por quem (obviamente alguns terão que se sacrificar para outros saírem vitoriosos). E a resposta a cada uma dessas peguntas cativa-nos, sem dúvida alguma.

Tudo somado, ‘The Guns of Navarone’ pode não ser o mais realista, nem o mais acutilante, nem o mais dramático, nem sequer o mais intenso filme de Guerra, mas é indubitavelmente um dos mais excitantes filmes-missão que alguma vez foi realizado. Principalmente, porque sabe apertar os botões certos, mesmo tendo em conta as restrições ao nível dos efeitos especiais e de pirotecnia da década em que foi feito (ou pelo menos comparado com o cinema moderno). E aperta-os com inteligência, usando o drama entre as personagens para aumentar a tensão, e utilizando o constante apertar do cerco das tropas nazis e a luta contra o tempo (indicações de quanto tempo falta até ao ataque nazi abundam), para gerar uma sensação de relativa claustrofobia.

"Não podemos considerar ‘The Guns of Navarone’ propriamente uma obra prima. (...) Mas o seu inovador argumento, a sua dinâmica realização, e a forma como se apresenta como um blockbuster bélico que se recusa constantemente a negligenciar as suas personagens, tornando-as sempre o centro dos enquadramentos mesmo perante algumas impressionantes set pieces de acção e tensão, garantem a sua imortalidade"

A missão tem um objectivo físico – a destruição dos canhões – mas no fundo o filme aborda-a como tendo um objectivo pessoal para cada um dos intervenientes. Se por um lado esta escolha tira explosividade à trama, por outro transforma-a numa aventura de apelo universal, porque está assente em credíveis arcos emocionais. Talvez a sua maior falha seja precisamente não conseguir conciliar em pleno estas duas vertentes. Por exemplo, tirando o oficial das SS que os questiona numa única cena, os soldados nazis são apenas um alvo anónimo ou uma ameaça anónima; e nos momentos de pausa essa ameaça é de certa forma esquecida em prol das tensões entre os membros da equipa e da trama do agente infiltrado. Mesmo assim, ‘The Guns of Navarone’ demonstra perfeitamente a sua influência para todo um género que vigoraria até à década de 1980 (por exemplo ‘Escape to Athena’, 1979). É difícil encontrar um filme-missão desde então, como ‘Inglourious Basterds’ (2009) de Tarantino, que de certa forma não recupere ou homenageie a bem concebida fórmula estrutural e argumental que este filme contém.

Não podemos considerar ‘The Guns of Navarone’ propriamente uma obra prima. Está condicionado pelas próprias restrições da sua condição como espectáculo de entretenimento. Mas o seu inovador argumento, a sua dinâmica realização, e a forma como se apresenta como um blockbuster bélico que se recusa constantemente a negligenciar as suas personagens, tornando-as sempre o centro dos enquadramentos mesmo perante algumas impressionantes set pieces de acção e tensão, garantem a sua imortalidade. Aqueles que não são fãs de filmes de Guerra até poderão encontrar motivos para o apreciar numa perspectiva dramática. Mas os fãs dos filmes de Guerra clássicos encontrarão sempre, mesmo após repetidas visualizações (desde a adolescência que já vi o filme pelo menos uma dezena de vezes), mais que motivos para ficar satisfeitos.

O sucesso do filme foi tanto, não só nas salas como em posteriores reposições no cinema e na televisão, que o estúdio adiou continuamente fazer a planeada sequela (a lógica contrária à que hoje impera). Quando esta finalmente chegou, em 1978, já nenhum dos actores do filme original fazia parte do elenco. Robert Shaw ficou com o papel de Mallory, Edward Fox com o de Miller e um jovem Harrison Ford (que acabara de filmar ‘Star Wars’) dá também o ar da sua graça. Contudo ‘Force 10 from Navarone’, consensualmente, é um filme que não chega aos calcanhares do original. ‘The Guns of Navarone’ só há um; um que todos os cinéfilos, principalmente os fãs do cinema bélico, deveriam ver. E desafio alguém a terminar o filme e resistir a trautear o majestoso tema principal pelo resto do dia…

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Miguel. Portuense. Nasceu quando era novo e isso só lhe fez bem aos ossos. Agora, com 31 anos, ainda está para as curvas. O primeiro filme que viu no cinema foi A Pequena Sereia, quando tinha 5 anos, o que explica muita coisa. Desde aí, olhou sempre para trás e a história do cinema tornou-se a sua história. Pode ser que um dia consiga fazer disto vida, mas até lá, está aqui para se divertir, e partilhar com o insuspeito leitor aquilo que sente e é, quando vê Cinema.

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