Home » , » Grandes compositores. Grandes realizadores. Grandes bandas sonoras. Grandes filmes – introdução a um ciclo de crónicas musicais

Grandes compositores. Grandes realizadores. Grandes bandas sonoras. Grandes filmes – introdução a um ciclo de crónicas musicais

Quem lê este blog sabe bem que eu não sou só um fã de grandes filmes. Sou e sempre fui um grande fã de bandas sonoras. As minhas estantes estão atoladas de VHSs, DVDs e Blu-rays, mas também estão atoladas de CDs.

Mas que fique aqui bem claro que quando escrevo “banda sonora” não me estou a referir à chamada “source music”, nem àqueles CDs de música “inspirada” pelo filme cujo único objectivo é vender, vender, vender; já que muitas vezes estão cheios de canções da moda que nem sequer se ouvem no filme, a não ser durante 10 segundos num rádio ou a bombar no genérico final para ver se conseguem uma nomeação para o Óscar de Melhor Música. Estou a referir-me, isso sim, a composições originais (instrumentais ou não); pedaços de música seja de que género for (sinfónica, electrónica, gótica, rock) que acompanham emocionalmente o filme, dando-lhe uma camada preciosa que nem a câmara, nem os actores, conseguem proporcionar. Pode ser uma camada de nostalgia ou de beleza sentimental. Pode ser uma camada de ritmo e energia, como no caso das excitantes músicas de excitantes cenas de acção. Mas, se for bem composta e bem inserida no filme, será sempre uma camada de arte.

John Williams e Steven Spielberg - 28 filmes juntos... and counting
A arte da banda sonora é contudo algo negligenciada, quer pela classe dos críticos (quantas vezes se inclui a banda sonora numa crítica de cinema?), quer pelos próprios produtores. Como disse Steven Spielberg quando John Williams recebeu o prémio carreira do AFI em 2016: “É assim que funciona: primeiro toda a gente, menos o John, faz o filme. Milhares de pessoas, de todo o mundo, trabalhando juntas, durante meses, por vezes até anos. E depois, finalmente, mostramos o nosso trabalho a John”. Raras são as ocasiões em que a música é escrita a priori (como Ennio Morricone fazia para Sergio Leone). Raras são as ocasiões em que um realizador muda toda a edição do filme para seguir o ritmo das peças musicais (como Norman Jewison fez depois de ouvir a partitura de Michel Legrand para ‘The Thomas Crown Affair’, 1968). Raras são as ocasiões em que um compositor tem mais do que duas ou três semanas para escrever a banda sonora, num filme que esteve certamente mais de um ano em produção. É um desequilíbrio injusto responsável, na minha opinião, por muitas bandas sonoras insípidas. Mas muitos realizadores também não querem mais, só querem uns acordes para que as cenas não fiquem “esquisitas” sem som; uns acordes que ninguém se apercebe que lá estão quando se vê o filme e ninguém irá reouvir fora dele.

Mas todos sabemos que depois há as outras bandas sonoras. Aquelas bandas sonoras que, estando ou não estando em grandes filmes, ficam para sempre. Ou melhor, uma boa banda sonora é sempre capaz de dar novas valências a qualquer filme, porque cria uma ligação emocional ao espectador que transcende as imagens, que perdura na memória. Talvez seja um exagero dizer que uma grande banda sonora pode transformar um filme menos conseguido numa grande obra. Mas não recordamos nós muitos filmes da nossa adolescência pela sua música (que por um breve momento no tempo foi a banda sonora das nossas vidas), mais do que pela história? E, voltando-me para os meandros do colecionismo de bandas sonoras, não são partituras como aquelas de filmes pouco recordados como ‘Cherry 2000’ (1987) do mítico compositor Basil Poledouris, ou 'Tokyo Blackout' (1987) de Maurice Jarre, consideradas objectos de culto, cujas raras cópias dos CDs originais foram vendidas na internet por centenas de euros?

Mas muito mais importante que isso é o impacto que uma grande banda sonora pode ter num grande filme. É uma união feita no céu. O filme deixa de ser “simplesmente” uma obra-prima, passa a ser imortal. Porque é a música que muitas vezes faz a ponte para a posteridade, ao passar a ser parte daquela playlist que toca continuamente nas nossas cabeças, a playlist que nos define. Todos sabemos trautear a marcha de Indiana Jones ou o tema de 'Star Wars'. Todos reconhecemos o tema de ‘Gone with the Wind’ e comovemo-nos com o de ‘Cinema Paradiso’. O genérico de ‘The Good, the Bad and the Ugly’ não atingiu a imortalidade por causa das aguarelas nem o de ‘Ben-Hur’ por causa do tecto da Capela Sistina. É a música que nos embala nas aventuras, que nos emociona e comove, que ajuda interligar todos os sentidos e nos conduz a memória para regressarmos, uma e outra vez, àquele momento de excitação em que fomos arrebatados por um certo filme pela primeira vez. É só tocar dois ou três acordes do tema de ‘Star Wars’ para milhares de pessoas por todo o mundo sentirem um calorzinho quente e aconchegante, bem dentro das suas almas; sentirem o conforto que só um grande filme pode proporcionar. 

Alfred Hitchcock e um sonolento Bernard Herrmann - 8 icónicos filmes juntos que não deixam ninguém adormecer
Portanto, em teoria, a fórmula mágica é imensamente simples. É só preciso um grande realizador, com um grande filme e com abertura e humildade suficiente para se juntar a um grande compositor e dar-lhe, não só tempo e espaço suficiente para compor, mas tempo e espaço suficiente no seu filme para que a música possa ter o seu papel, como qualquer actor, como qualquer efeito especial. Um grande realizador precisa de um grande compositor, talvez mais do que precisa de um grande técnico de outro qualquer departamento (provavelmente com a excepção do director de fotografia). Mas um grande compositor também precisa de um grande realizador para que a beleza das suas composições seja ouvida, e faça sentido. É desta união sagrada entre imagens e música, entre realizador e compositor, que surge a glória cinematográfica. É desta união sagrada que surgiram inúmeros dos (para não dizer todos os) momentos mais marcantes da história do cinema.

Como já lamentei na minha crónica ‘Histoire(s) du cinema: John Williams Filmworks (1997); ou o primeiro CD que comprei’, hoje a arte da banda sonora está outra vez pelas ruas da amargura. O papel das composições, principalmente das composições instrumentais sinfónicas, deixou de ser visto, como era nos anos 1980 e 1990, como uma afirmação temática e emocional, uma arte de direito próprio, para passar a ser apenas “ambiente”, enterrada como está por baixo dos massivos efeitos sonoros e dilacerada pelas batidas modernas, anti-melódicas, que caracterizam o mundo da música actual. Não sei há quantos anos Hans Zimmer não escreve uma melodia, por exemplo. As suas bandas sonoras de hoje são notas guturais e ritmos metalizados. Temos tantos filmes de super-heróis hoje em dia, mas não há um único tenha um tema icónico que tenha ficado para a posteridade, como o de John Williams para ‘Superman’ (1978). Eu pessoalmente, como grande fã de grandes bandas sonoras, tenho pena. Tenho muita pena.

Mas não desespero. Pois um dia toda esta glória poderá voltar, tal como voltou no final dos anos 1970 pela mão de John Williams depois de uma década em que, fruto das mudanças culturais e sociais na América dos anos 1960 e 1970, outras sonoridades dominaram as composições para filmes. Até isso voltar a acontecer, gosto sempre de tirar da minha estante um CD de uma grande banda sonora e ouvi-lo. Não só porque musicalmente me agrada, como me permite fazer a ponte; a ponte para grandes filmes, para grandes memórias.

Uma das minhas fotografias preferidas. Sergio Leone e Ennio Morricone na escola primária. Reencontrar-se-iam mais de duas décadas mais tarde para fazer magia em 7 colaborações
Como o leitor já deve ter reparado, gosto de honrar essa paixão pela música de filmes aqui em EU SOU CINEMA. E portanto, serve esta pequena crónica para iniciar um ciclo de crónicas musicais onde partilho músicas e memórias sobre as grandes parcerias entre grandes realizadores e grandes compositores. Hitchcock e Bernard Herrmann. Steven Spielberg e John Williams. Miyazaki e Joe Hisaishi. Erich Wolfgang Korngold e Michael Curtiz. Sergio Leone e Ennio Morricone. Mas há mais. Muitas mais. E podes (re)descobri-las em breve por aqui.



0 comentários:

Enviar um comentário

Porque todos somos cinema, está na altura de dizer o que vos vai na gana (mas com jeitinho).

Vídeo do dia

Citação do dia

Top 10 Posts mais lidos de sempre

Com tecnologia do Blogger.

Read in your language

No facebook

Quem escreve

Quem escreve
Miguel. Portuense. Nasceu quando era novo e isso só lhe fez bem aos ossos. Agora, com 31 anos, ainda está para as curvas. O primeiro filme que viu no cinema foi A Pequena Sereia, quando tinha 5 anos, o que explica muita coisa. Desde aí, olhou sempre para trás e a história do cinema tornou-se a sua história. Pode ser que um dia consiga fazer disto vida, mas até lá, está aqui para se divertir, e partilhar com o insuspeito leitor aquilo que sente e é, quando vê Cinema.

Visualizações

Seguidores Blogger

 
Copyright © 2015 Eu Sou Cinema. Blogger Templates