Realizador: Vincente Minnelli, Lemuel Ayers, Roy Del Ruth, Robert Lewis, George Sidney, Merrill Pye, Charles Walters
Actores principais: Fred Astaire, William Powell, Judy Garland
Duração: 110 min
Crítica: Durante o período clássico dos estúdios de Hollywood, ninguém fazia entretenimento como a mega MGM – a Metro Goldwyn Mayer, o estúdio que autoproclamava ter “mais estrelas do que aquelas que há no céu”. E era mesmo verdade. O estúdio liderado pelo punho de ferro de Louis B. Mayer era a casa de Clark Gable, Spencer Tracy, Greta Garbo, James Stewart, Katherine Hepburn, Mickey Rooney ou Irene Dunne, e produziu/distribuiu filmes como ‘The Wizard of Oz’ (1939), ‘Gone with the Wind’ (1939), ‘An American in Paris’ (1951), ‘Singin' in the Rain’ (1952), ‘North by Northwest’ (1959) ou ‘Ben-Hur’ (1959), só para citar alguns.
Desde cedo a MGM percebeu aquilo que levava o público às salas de cinema. Na década de 1920 rodeou-se das estrelas mais brilhantes e, de forma pioneira, criou os cultos de personalidade (o mais famoso o de Greta Garbo), associando os actores, e como consequência os filmes, aos tablóides. E numa altura em que um filme era geralmente o veículo cuidadosamente concebido para uma única estrela, foi a MGM a primeira a ousar juntar vários egos na mesma película. O seu clássico de 1932, ‘Grand Hotel’, que venceu o Óscar de Melhor Filme, foi um dos primeiros grandes filmes em mosaico da história do cinema, com um elenco como nunca antes se tinha visto: Greta Garbo, John Barrymore, Joan Crawford, Wallace Beery e Lionel Barrymore. No ano seguinte repetiram a dose do all-star cast com ‘Dinner at Eight’ e voltaram à fórmula de quando em quando, sempre que o estúdio precisava de um sucesso de bilheteira. Portanto, quando uma década depois decidiram usar este conceito num musical, não havia ninguém que o poderia fazer melhor do que eles.
"MGM tinha os maiores talentos do canto e da dança cinematográfica que alguma vez existiram (...) Agora imagine-se o conceito de colocar todos estes génios num único filme (...) um mega musical; um espectáculo em vinhetas de música, dança e comédia, sem uma história a liga-las (a não ser o fio condutor da magia cinematográfica), para se tornar o maior showcase de sempre da máquina de sonhos que a MGM foi durante a década de 1940."
Afinal, a MGM tinha os maiores talentos do canto e da dança cinematográfica que alguma vez existiram. No início da década de 1940, Judy Garland iluminava o ecrã a solo em filmes como ‘The Wizard of Oz’ ou ‘Meet Me in St. Louis’ (1944), ou nos bem-sucedidos musicais com Mickey Rooney (‘Babes in Arms’, 1939, ‘Strike up the Band’, 1940, 'Girl Crazy,' 1943). Fred Astaire tinha iniciado a sua parceria com o estúdio, já sem Ginger Rogers, com ‘Broadway Melody of 1940’ (1940). Esther Williams, a rainha das danças subaquáticas, estava em ascensão depois de ‘Bathing Beauty’ (1944), tal como um tal de Gene Kelly que acabara de fazer ‘Anchors Aweigh’ (1945), contracenando com Kathryn Grayson, cuja voz estava a apaixonar uma nação. E Lena Horne, uma das primeiras grandes cantoras afro-americanas da sétima arte, pertencia também às fileiras da MGM, depois de ter entrado no pioneiro musical ‘Cabin in the Sky’ (1943).
Agora imagine, caro leitor, o conceito de colocar todos estes génios num único filme. Na realidade, muitos destes actores já haviam partilhado crédito em ‘Thousands Cheer’ (1943), um filme propagandista para elevar a moral das tropas durante a Segunda Guerra Mundial que terminava com um espectáculo de variedades em que todas estas celebridades e muitas outras davam o seu pequeno contributo. Mas ‘Ziegfeld Follies’ (em português 'As Mil Apoteoses de Ziegfeld'), planeado logo a seguir pelo mítico produtor Arthur Freed, era diferente. A tentativa era ser para o musical o que ‘Fantasia’ (1940) da Disney havia sido para a animação: um mega musical para terminar com todos os musicais; um espectáculo em vinhetas de música, dança e comédia, sem uma história a liga-las (a não ser o fio condutor da magia cinematográfica), para se tornar o maior showcase de sempre da máquina de sonhos que a MGM foi durante a década de 1940.
Sendo esse o objectivo, parece então mais que correcto que Freed tenha decidido homenagear a herança de Florenz Ziegfeld, Jr., o grande Ziegfeld, o empresário que revolucionou o espectáculo teatral americano e a Broadway com as suas Follies no início do século XX. A MGM já lhe havia feito uma grande homenagem em 'The Great Ziegfeld’ (1936) que havia ganho 3 Óscares, incluindo Melhor Filme, e em 1941 Judy Garland havia sido a 'Ziegfeld Girl’ ao lado de James Stewart. Mas ‘Ziegfeld Follies’ não pretendia ser uma história à volta da lenda de Ziegfeld que aproveitava a deixa para ter números musicais. Poucos anos antes da televisão ter-se difundido em massa pelos lares americanos, e especiais televisivos terem adoptado este formato (embora com muito menos espectacularidade), ‘Ziegfeld Follies’, no grande ecrã e em Technicolor, descartou qualquer tipo de história linear, e enveredou por uma sequência de épicos sketches de entretenimento. O que se seguiu foi um massivo processo produtivo, que durou três anos e custou mais de 3 milhões de dólares (então uma quantia astronómica).
"‘Ziegfeld Follies’ é pioneiro já que corta a conversa desnecessária e vai ao âmago da questão. E o âmago da questão é o entretenimento em estado puro, produzido nos grandes hangares do estúdio. É o mundo dos massivos palcos em várias plataformas, dos holofotes de mil cores, dos extraordinários guarda-roupas, dos gigantescos cenários estilizados (...), com espaço de sobra para dezenas de dançarinos fazerem o que fazem melhor."
Contudo, tal como ‘Fantasia’, o formato não convencional (para a altura) de ‘Ziegfeld Follies’ tornava-o uma produção imensamente arriscada. A primeira versão do filme, com mais de três horas de duração, foi um fiasco com audiências de teste, o que levou o estúdio a reeditar severamente a obra. Já durante as filmagens o realizador original George Sidney havia sido substituído pelo guru dos musicais Vincente Minnelli (‘Cabin in the Sky’, ‘Meet Me in St. Louis’, ‘An American in Paris’, ‘Gigi’) para dar mais espectacularidade e dinamismo à produção. É o seu nome que aparece maioritariamente associado a este filme, embora um punhado de outros realizadores tenham estado envolvidos em sketches específicos, tal como o filme correctamente credita.
Assim, a versão definitiva do filme que chegou a um público alargado já em 1946 e que hoje conhecemos só tem duas horas, e inclui uma nova introdução para explicar o conceito do filme (tal como ‘Fantasia’), bem como uma sequência mais harmoniosa e ritmada de sketches, em que os bailados (maioritariamente sem diálogos) são entrecortados por cenas cómicas ricas em humor verbal. Assim a “falha” que ‘Fantasia’ tinha, pelo menos para um público com menor sensibilidade cultural (ou seja, a sua sucessão contínua de números artísticos sem momentos de “relaxamento”) é aqui subtilmente contornada. O filme acaba por ter um bocadinho de todas as componentes do espectáculo: dança, canto e humor, cada um nas suas várias possíveis formas. O pacote completo, com a vantagem de não precisar de estar rodeado por uma história, o calcanhar de Aquiles de muitos musicais.
De facto, em muitos filmes musicais as histórias eram apenas desculpas esfarrapadas (e muitas vezes pouco trabalhadas ou meras repetições dos argumentos de filmes anteriores) para encher o filme enquanto não surgia o número musical seguinte. Nesse sentido ‘Ziegfeld Follies’ é pioneiro já que elimina o intermediário, ou seja, corta a conversa desnecessária e vai ao âmago da questão. E o âmago da questão é o entretenimento em estado puro, produzido nos grandes hangares do estúdio. É o mundo dos massivos palcos em várias plataformas, dos holofotes de mil cores, dos extraordinários guarda-roupas, dos gigantescos cenários estilizados (tal como num bom palco da Broadway), com espaço de sobra para dezenas de dançarinos fazerem o que fazem melhor. E deslizando subtilmente numa grua, a câmara acompanha a coreografia, captando tudo mas nunca se intrometendo, em longos e hipnotizantes takes. Oh quanta falta não faz esta forma ilusória de fazer entretenimento hoje em dia!
"O filme evita o que talvez fosse um cliché, regressar de tempos a tempos ao céu e a Ziegfeld (...), e portanto, a partir deste ponto e pelas duas horas seguintes, vai-nos oferecer treze sketches, todos eles com uma enorme qualidade produtiva. Há uns melhores do que outros claro, dependendo também se o gosto de cada um é a dança, a música ou o stand-up. Mas não há um único filler e é isso que torna este filme tão especial e estas duas horas tão desfrutáveis."
A única cena relativamente convencional é a primeira, onde voamos literalmente ao Paraíso para ouvir o anjo de Ziegfeld, interpretado por William Powell, que recupera o papel que imortalizara uma década antes em 'The Great Ziegfeld’. Ziegfeld, falando directamente para o espectador, recorda os tempos áureos em que revolucionou a Broadway e as suas memórias são acompanhadas visualmente por uma animação stop-motion em ‘bonecos de plasticina’. Embora fosse também pioneiro para a altura ver algo assim numa grande produção de um grande estúdio, parece em retrospectiva uma excentricidade exagerada, tendo em conta a opulência dos números “reais” que o filme irá mostrar logo de seguida. É para mim a pior escolha “estética” desta obra.
Mas de repente, esquecemos o stop-motion ao mesmo tempo que Ziegfeld decide deixar de pensar com saudosismo no passado. Uma Ziegfeld Follies, diz de si para si, também pode ser produzida agora, já que talentos não faltam. Assim, usando os seus poderes celestiais, Ziegfeld comanda um espectáculo a partir da sua “nuvem”, e é a esse espectáculo quase “divino” (é o adjectivo certo) que o espectador tem a “bênção” de assistir. “Como começar?”, pergunta-se Ziegfeld, e a resposta vêm-lhe imediatamente à cabeça: com o seu velho amigo Fred Astaire.
Num piscar de olhos, é Fred Astaire que vemos surgir, em frente a um palco escuro, um mestre de cerimónias de um grande espectáculo que está prestes a começar. Antes de dar início às hostilidades com o número musical “Here's to the Ladies”, um tributo ao legado de Ziegfeld com aparições de Cyd Charisse e Lucille Ball (e que inclui também algumas das suas antigas bailarinas, por isso não se admire de ver coristas bastante mais velhas do que é habitual), Astaire fala-nos um bocadinho sobre o homem e a sua visão, definindo assim o tom de todo o filme. ”Ziegfeld nunca se importou muito com vilões, tramas ou histórias. As Follies nunca tiveram uma história. As Ziegfeld Follies eram elas próprias a história de uma década. Se era feliz, brilhante e belo… bem, era como Ziggy queria”. E é como nós queremos também.
O filme evita o que talvez fosse um cliché, regressar de tempos a tempos ao céu e a Ziegfeld (como ‘Fantasia’ regressava à sala de espectáculo), e portanto, a partir deste ponto e pelas duas horas seguintes, vai-nos oferecer treze sketches, todos eles, é preciso admiti-lo, com uma enorme qualidade produtiva. Há uns melhores do que outros claro, dependendo também se o gosto de cada um é a dança, a música ou o stand-up. Mas não há um único filler e é isso que torna este filme tão especial e estas duas horas tão desfrutáveis.
"Parece justo que seja Fred Astaire, o melhor dançarino cinematográfico que alguma vez existiu, a ser o fio condutor deste espectáculo. Para além do número de abertura, Astaire vai regressar mais três vezes, em showstoppers musicais que vão aumentado de espectacularidade (...) O crème de la crème é a última (...), uma dança electrizante, não fosse esta a única parceria cinematográfica da sua carreira com Gene Kelly."
Parece justo que seja Fred Astaire, o melhor dançarino cinematográfico que alguma vez existiu, a ser o fio condutor deste espectáculo. Para além do número de abertura, Astaire vai regressar mais três vezes, em showstoppers musicais que vão aumentado de espectacularidade. Em duas sequências, “This Heart of Mine”, numa festa da alta sociedade, e “Limehouse Blues”, na Chinatown, vai dançar ao lado de Lucille Bremer, uma descoberta de Freed que teve uma breve e intensa carreira na MGM na década de 1940 – fez 8 filmes em apenas 4 anos, para de seguida abandonar cinema quando casou com um milionário mexicano. As duas sequências são um triunfo do estilo musical de Minnelli que atingiria o seu pico meia década depois em ‘An American in Paris’, com um Fred Astaire no topo da forma e Bremer com pernas suficientes (algo nada fácil, diga-se) para o acompanhar.
A primeira é um bailado em que Astaire interpreta um ladrão de jóias infiltrado na festa que almeja a pulseira de diamantes de Bremer, e inclui alguns efeitos de dança fantásticos obtidos através de passadeiras rolantes escondidas. A segunda é ainda mais ambiciosa, a ilusão amorosa de um chinês às portas da morte (Astaire com os olhos em bico num papel que hoje seria politicamente incorrecto) que peca talvez por ter um interlúdio “dramático” demasiado alongado antes de passarmos a uma fabulosa sequência de dança (a dos leques) num cenário com um requintado toque de surrealismo.
Mas o crème de la crème das sequencias de Astaire é a última (a penúltima do filme) intitulada “The Babbit and the Bromide”. O cenário é muito mais simples: uma pequena praça com uma estátua, mas a dança é electrizante, não fosse esta a única parceria cinematográfica da sua carreira com Gene Kelly (apareceriam juntos só mais uma vez no documentário ‘That's Entertainment, Part II’ em 1976). É uma rotina deliciosa (foi escrita por George e Ira Gershwin) em que estes dois gigantes da dança (um consumado, outro em ascensão) desfrutam de cada passo, de cada movimento, como só dois génios o podiam fazer, e pelo meio ainda arranjam uma maneira de brincar um com o outro com a classe que os caracterizava mas também com respeitoso mútuo. Para um fã dos dois não há nada que se equipare.
"Mas não só de música e dança vive ‘Ziegfeld Follies’ e pelo meio temos quatro grandes sketches de comédia que ainda hoje não perderam a sua vivacidade e a sua piada, e que se apresentam aqui num formato muito próximo daquele que a comédia televisiva iria ter a partir da década seguinte."
Mais sequências de dança incluem "A Water Ballet" o típico bailado aquático de Esther Williams co-realizado por Merrill Pye, e “A Great Lady Has An Interview” com uma soberba Judy Garland, então em vias de casar precisamente com Minnelli, que a dirigiu. Nesta sequência que dura quase 10 minutos, Garland, nos seus anos dourados (a sua magreza neste filme até estranha) interpreta uma grande estrela dramática que recebe um conjunto de jornalistas no seu quarto de Hotel para lhes falar do seu próximo filme sério. Com uma dinâmica impressionante, e sustendo um largo monólogo cantado e não cantado, Garland vai aos poucos deixando cair o seu artificial decoro refinado para revelar, com a força quase tribal que a caracterizava quando estava nos seus melhores momentos, a sua paixão pelo musical. Memorável.
Outras cenas de canto incluem a interpretação de um excerto da ópera “La Traviata” por James Melton e Marion Bell (provavelmente o segmento mais esquecível pois é o menos original); a interpretação de “Love” por Lena Horne num cenário sulista (uma sequência dirigida por Lemuel Ayers que infelizmente foi cortada do filme em muitos estados americanos por motivos de intolerância racial); e a rendição de “Beauty” por Kathryn Grayson, que fecha o filme, em que ela demonstra a beleza incomparável da sua voz de soprano.
Mas não só de música e dança vive ‘Ziegfeld Follies’ e pelo meio temos quatro grandes sketches de comédia que ainda hoje não perderam a sua vivacidade e a sua piada, e que se apresentam aqui num formato muito próximo daquele que a comédia televisiva iria ter a partir da década seguinte. Em "Number Please" (dirigido por Robert Lewis) Keenan Wynn brinca com a ineficiência das telefonistas; enquanto em “When Television Comes” (creditado a George Sidney), Red Skelton, que parece o Jim Carrey dos anos 1940, brinca com a invasão dos anúncios televisivos, num sketch que não só é incrivelmente hilariante, como incrivelmente profético. “Pay the Two Dollars” é outro irónico pedaço de comédia, onde uma mísera multa de 2 dólares passada a Victor Moore o leva, graças à aldrabice do seu advogado (o mítico Edward Arnold) à sua ruína e até a ser condenado à pena de morte!
"‘Ziegfeld Follies’ não é um filme. É um serão incrivelmente bem passado numa sala de espectáculos (...) Tem um ritmo fabuloso e sketches que estão constantemente entre os melhores que os seus respectivos interpretes fizeram nos anais da sétima arte. Facilmente podia ser uma parada de estrelas. Mas não é. É verdadeiramente uma montra do melhor talento que cada uma delas tinha para dar"
Por fim, em "A Sweepstakes Ticket" (realizado por Roy Del Ruth) Fanny Brice, o único elemento deste elenco a ter entrado verdadeiramente numa Ziegfeld Follie (e sim, é aquela que Barbra Streisand interpreta em ‘Funny Girl’, 1968), está sublime, no estilo só dela, como uma dona de casa que descobre que venceu a lotaria. O único problema é que o seu marido (Hume Cronyn) deu o bilhete vencedor, que julgava sem valor, ao senhorio, para pagar uma pequena dívida…
Tudo somado, o que se pode dizer mais sobre ‘Ziegfeld Follies’? Certamente que, tal como ‘Fantasia’, e tal como outros projectos ambiciosos que vão contra as regras bem estabelecidas de como um filme deve ser estruturado, não é para todos os espectadores. Mesmo aqueles que têm um fascínio por cinema clássico poderão não desfrutar deste épico espectáculo de variedades, se não forem grandes fãs de musicais e de comédia ao estilo televisivo. Mas se forem, ou se decidirem dar uma oportunidade a este filme, então preparem-se para um espectáculo ímpar. Isto não é apenas uma junção de estrelas para que fique bem na publicidade ou no trailer. Há realmente magia a acontecer no ecrã, sequência atrás de sequência. Alguma vez as verdadeiras Follies foram assim tão visualmente espectaculares? É provável que não. Mas nunca o cinema lhes fez tanta justiça como aqui.
‘Ziegfeld Follies’ não é um filme. É um serão incrivelmente bem passado numa sala de espectáculos, e isso é sem dúvida a sua melhor valência. Após o fiasco inicial com audiências de teste, a versão que foi lançada mundialmente acabou por ser um sucesso de bilheteira (embora tenha dado pouco lucro ao estúdio porque o seu custo foi muito elevado). E não é por acaso. Numa altura em que quase ninguém tinha televisão, a MGM levou o tipo de entretenimento que só alguns podiam comprar a todas as salas de cinema do Mundo. Não é um filme convencional, nem mesmo um filme musical convencional. Pouco importa. Mas tem um ritmo fabuloso e sketches que estão constantemente entre os melhores que os seus respectivos interpretes fizeram nos anais da sétima arte. Facilmente podia ser uma parada de estrelas. Mas não é. ‘Ziegfeld Follies’ é verdadeiramente uma montra do melhor talento que cada uma delas tinha para dar, e cada uma delas dá efectivamente o seu melhor para tornar este filme absolutamente memorável.
"Filmes como este são o motivo pelo qual o cinema singrou como meio de entretenimento (...) Porque ofereciam entretenimento em estado puro, que podia não ser “alta cultura” mas que era, sem dúvida alguma, arte. Da voz gloriosa de Grayson a qualquer bailado de Astaire, do sotaque nova iorquino de Bryce ao mergulho de Esther Williams, do sorriso de Kelly à energia incontrolável de Garland, ‘Ziegfeld Follies’ é arte, de uma ponta à outra."
E ao centro está Fred Astaire, o mestre de cerimónias, que nos conduz pela magia da música, da dança e da comédia. “Eu não gosto de musicais” disse muita gente que não quis ir ver, ou viu e não gostou de ‘La La Land’ (2016) recentemente. OK, gostos são gostos, mas filmes como ‘Ziegfeld Follies’ são muito mais do que musicais. São o motivo pelo qual o teatro singrou, e o cinema singrou depois como meio de entretenimento. São o motivo porque as Follies de Ziegfeld encheram salas da Broadway durante duas décadas. São o motivo pelo qual a MGM era o maior estúdio de cinema do planeta. Porque ofereciam entretenimento, entretenimento em estado puro, entretenimento que podia não ser “alta cultura” mas que era, sem dúvida alguma, arte. Da voz gloriosa de Grayson a qualquer bailado de Astaire, do sotaque nova iorquino de Bryce ao mergulho de Esther Williams, do sorriso de Kelly à energia incontrolável de Garland, ‘Ziegfeld Follies’ é arte, de uma ponta à outra.
Para quem é grande fã dos musicais clássicos, para quem a MGM foi a maior meca dos sonhos de entretenimento que o cinema pode proporcionar, não há melhor, nem nunca haverá. As danças são divinas, as vozes que cantam são imaculadas, a comédia faz rir às gargalhadas. Quem precisa de história se se tem estas três coisas? Uma eterna memória do espectáculo que o cinema é, cujos aplausos ressoam até hoje. Só os filmes ‘That’s Entretainment’ que a MGM lançou nos anos 1970 (compilações das melhores cenas dos seus musicais) alguma vez chegaram perto da magia de ‘Ziegfeld Follies’. Se nunca viu um musical clássico, talvez seja melhor começar por um mais convencional. Mas se já viu e aprecia, e ‘Ziegfeld Follies’ sempre lhe passou ao lado, não sei de que é que está à espera. É um filme do qual o próprio Ziegfeld estaria orgulhoso, e certamente sorriu do céu, como William Powell sorri neste filme, ao vê-lo.
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