Realizador: Matthew Vaughn
Actores principais: James McAvoy, Michael Fassbender, Jennifer Lawrence
Duração: 132 min
Crítica: Foram precisos seis anos desde ‘X-Men: Last Stand’ (2005), e o fiasco crítico (e de certa forma comercial) do filme a solo de ‘Wolverine’ (2008) para a saga dos heróis de X-Men regressar em força com toda a trupe. De permeio, já o Marvel Studios tinha explodido no mercado com o altamente bem-sucedido ‘Iron Man’ (2008) e Nolan brindou o mundo com ‘Dark Knight’ (2008), cada um, à sua maneira, mudando para sempre o retrato do super-herói cinematográfico. Nesse novo enquadramento, a patacoada fantasiosa que era ‘Wolverine’ já não era adequada e os espectadores mundiais, e bem, não corresponderam (tal como não corresponderam, em 2015, ao reboot – falhado – de ‘Fantastic Four’). Mas não era só isso. Sejamos sinceros, o filme era mau, muito mau, a todos os níveis. Tanto que, para mim (e digo isto tendo-o visto apenas uma única vez, no cinema, para dizer jamais) é o pior filme de super-heróis de sempre (e sim, ‘Batman e Robin’ e o ‘Batman’ de 1966 incluído).
Isto para dizer que em 2011, a saga X-Men precisava de dar uma volta. Que a saga devia continuar parecia inquestionável, dado o sucesso dos primeiros filmes e dos recentes filmes de super-heróis, sucessos de bilheteira atrás de sucessos de bilheteira. Mas a questão era como, se a saga já tinha ido ao limite em ‘The Last Stand’ e o filme a solo havia falhado. A resposta, neste mundo moderno de blockbusters, é óbvia e nada original. A prequela. Os filmes de Bryan Singer (‘X Men’, 2000, e ‘X2’, 2002) foram decisivos, a par dos filmes de ‘Spider Man’, para levar o filme de super-heróis para o seculo XXI, mas se repararmos com atenção não são bem bem filmes de super-heróis. São antes estudos de personagem (o segundo, inclusive, faz mais por Wolverine que o próprio filme a solo) e de certa forma alegóricas (a dicotomia mutante/humano e a batalha pela aceitação e existência), antes dessa mensagem se tornar cliché nos filmes seguintes. Já ‘Last Stand’ (2005), realizado por Brett Ratner (um realizador que não tenho vergonha de dizer que aprecio) enveredava muito mais pelo thriller de acção, rico em efeitos especiais, que viria a caracterizar o cinema de super-heróis na última década, mas sem esquecer a parte mais humana que Singer havia incutido na saga. Pode estar longe da BD (e por isso os fãs não apreciaram muito), mas para mim, que não conheço a BD, era o melhor filme (cinematograficamente falando) da saga, precisamente porque combinava com mestria ambas essas vertentes; o lado mais explosivo da acção enriquecida pelo efeito especial digital, e a vertente humana das personagens. Ambas as coisas que ‘Wolverine’ tenta, pateticamente, ter, e não consegue.
Portanto, ‘X-Men: First Class’ acaba por ser um filme que aprende com os erros do passado e que trás a lição bem estudada, permitindo assim fazer as pazes com o público e abrindo o caminho para a recuperação da franchise (seguiu-se o sucesso de bilheteira ‘X-Men: Days of Future Past’, que já critiquei, e ‘X-Men: Apocalypse’ estreia em Maio de 2016). Realizado por Matthew Vaughn, o homem que até então tinha no currículo ‘Layer Cake’ (2004), ‘Stardust’ (2007) e ‘Kick-Ass’ (2010) (e que entretanto já fez mais ‘Kingsman’, 2014), ou seja, um realizador para quem o entretenimento de acção não é nada estranho, ‘X Men: First Class’ não tem problemas em tomar para si o melhor da abordagem de Bryan Singer e de Brett Ratner, de forma a criar um todo mais coerente, ou melhor, mais adequado ao estilo do filme de super-heróis que o universo da Marvel estabeleceu na última meia dezena de anos e ao qual a bilheteira mundial respondeu com um estrondo. E melhor ainda, sendo uma prequela, o filme pode optar por estas abordagens despreocupadamente, e é livre por percorrer o rumo que mais lhe convier, desde que no final faça pequenas referências aos eventos que já conhecemos, e mostre como uma personagem ficou assim e a outra assado. Se o fizer, independentemente de como lá chegou, os fãs vão aplaudir. É por isso que ‘Revenge of the Sith’ é a melhor das prequelas da Guerra das Estrelas, e por isso que ‘X-Men: First Class’ funciona muito melhor que ‘Wolverine’. Mas o que todos parecem esquecer-se é que isto só funciona se sentirmos qualquer coisa pelas personagens. Senão não teremos interesse nenhum em saber como é que ficaram com um corte na cara ou de cadeira de rodas. E por isso é que o poder dos filmes originais não pode ser descartado, para explicar o sucesso destes mais recentes, por mais acção ou efeitos especiais que tenham (ou não tenham, no caso de ‘Days of Future Past’). Os produtores podem congratular-se de que tiveram um sucesso de bilheteira muito maior, mas se não fosse a base dos filmes de Singer e Ratner, sê-lo-ia? A resposta será a mesma à pergunta: seria ‘The Force Awakens’ um sucesso sem os seis ‘Star Wars’ anteriores?!
Portanto, ‘First Class’ já tem metade do trabalho feito, e muito tranquilamente limita-se a dar ao espectador a outra metade, sem grandes esforços. Basicamente, o filme conta a história da origem da fraternidade X-Men, nomeadamente a ascensão paralela de Charles (no final do filme o Professor X na forma que o conhecemos) e Erik (que se tornará Magneto). Esta condição é muito conveniente para um dos truques mais bem-sucedidos desta prequela; a substituição dos actores da velha guarda (Patrick Stewart, Ian McKellen, etc) por actores mais jovens e mais na moda. Neste caso temos, respectivamente, James McAvoy como um jovem Charles (nunca muito convincente) e Michael Fassbender como jovem Magneto, esse sim com uma imponente interpretação (e não daria ele um grande James Bond daqui a uns anos?!). Hoje em dia é também inevitável destacar que o papel da jovem Mystique foi parar a Jennifer Lawrence, na altura não o nome sonante que é hoje, o que se reflecte no seu papel menos salientado (ou melhor, em comparação com o destaque exagerado que a personagem tem em ‘Days of Future Past’, consequência não da história, mas da popularidade da actriz que a interpreta…).
Após uma breve introdução às personagens de Erik e Charles nos anos 1940 (podia jurar que usaram a mesma cena de Erik do primeiro ‘X-Men’, não?!), onde ambos lentamente começam a descobrir os seus poderes, o filme passa-se na América dos anos 1960, não tanto retratada como uma era flower power (curiosamente, em ‘Days of Future Past’, nos anos 1970, há mais essa vibe), mas uma era de forte instabilidade e tensão política. Contextualmente, o filme situa-se em redor dos eventos que levaram à crise dos mísseis em Cuba, mas não há crise (perdoem-me o trocadilho) se o espectador não perceber muito de História do século XX. O filme explica.
Contudo este enquadramento deixa-me logo de pé atrás. Eu sei que isto é uma opinião meramente pessoal, mas nunca fui grande fã destas deturpações históricas, ou seja, da introdução de personagens fictícias em eventos marcantes da história mundial. Uma coisa é se o fizermos artisticamente e auto-conscientemente, como Tarantino fez em ‘Inglourious Basterds’ (2009). A outra é se usarmos isso preguiçosamente, assente no suposto ‘realismo dramático’ que tem caracterizado o cinema de super-heróis desde ‘Batman Beggins’ (2005). Como escrevi na crítica de ‘Days of Future Past’: “Eu posso pegar em qualquer evento histórico, desde a construção das pirâmides até ao recente desaparecimento do avião da Malaysian Airlines e meter X-Men ao barulho, mas isso não torna imediatamente o meu filme espectacular! Nunca foi o conceito da história só por si que fez um filme, nem os actores, nem o que se fez em filmes anteriores”. Ou seja, com isto quero dizer que ao introduzir personagens fictícias em eventos reais, então os riscos são maiores. Em ‘MIB’ (1997) dizem-nos que as grandes invenções, como o micro-ondas, foram trazidas pelos extra-terrestres que estão escondidos pela Terra. E isso tinha piada, porque era suposto ter. Agora, se nos dizem que a Baía dos Porcos só não descambou em Guerra Mundial por causa dos X-Men (como quando nos dizem em ‘Captain America’ que a Segunda Grande Guerra só foi ganha por causa do Capitão) nós, como espectadores, somos mais cépticos, porque o tom do filme não é bem o de uma comédia ou de uma fantasia. É uma realidade alternativa que só será aceite se tiver força para tal, na acção, nas personagens, no argumento; se tiver força para nos esquecermos até de que a Baía dos Porcos é um evento real. ‘First Class’ vai estar sempre na corda bamba nesse departamento, embora no final consiga transmitir a sensação de que sim, que foi bem sucedido em convencer-nos.
Quando reencontramos Erik ele está numa demanda para apanhar os ex-Nazis que mataram a sua mãe. Desta vez é pessoal, e isso leva Erik até à Suíça e depois à Argentina, numa parte do filme, cheia de tensão, emoção e acção, que tem os contornos de um filme de Bond (daí ter ficado convencido do potencial de Fassbender para esse papel). Enquanto Erik vai seguindo no encalço destes Nazis foragidos, desta vez até aos Estados Unidos, cedo descobrimos que o líder destes é nenhum outro senão Sebastian Shaw (Kevin Bacon numa excelente performance de vilão, usando todo o seu charme e carisma para a perfídia!), um ‘mad doctor’ que fez experiências genéticas durante a Guerra com os primeiros X-Men e que, surpresa surpresa (bem, talvez não assim tanta) é também ele um mutante. Será através das suas acções e do seu plano maléfico que a Guerra Fria, principalmente a crise Cuba-Estados Unidos, será instigada (através de cenas que misturam eventos políticos verdadeiros com a fantasia X-Men), e será ele também que formará o primeiro bando de maus X-Men. O seu objectivo é o costumeiro: instigar a Guerra Nuclear para os humanos se matarem uns aos outros e apenas restarem os mutantes… Nada de novo nesse departamento.
Paralelamente, o filme vai mostrando como Charles e Mystique foram crescendo juntos, achando-se únicos. Será apenas quando Shaw inicia o seu ataque à humanidade que Charles irá eventualmente ser recrutado pelo CIA e começará a perceber como poderá usar os seus poderes mentais para o bem. Já com Erik e Hank (Nicholas Hoult) do seu lado, Charles irá usar pela primeira vez Cerebro e iniciar o recrutamento dos X-Men (incluindo uma tentativa falhada de recrutar Wolverine – um cameo engraçado de Jackman) para criar uma equipe de ‘bons’ X-Men e tentar travar o plano nefasto de Shaw. Sobre isto, uma questão. Porque é que, com tantos mutantes no mundo, só recrutam apenas cinco? É porque os vilões mutantes só são também cinco e por isso todos acharam que assim seria uma luta justa? Posso ser casmurro mas não seriam muito mais bem-sucedidos com 100 ou 200 mutantes? Claro, sabemos porque isso não acontece; seria impossível ao filme gerir 100 mutantes. Mas este recrutamento na realidade fílmica não se faz (ou não se devia fazer) por conveniência do realizador. Paz-se (ou devia fazer-se) dentro da lógica da história… Convenhamos, foi uma decisão estúpida de Xavier, no mínimo, quedar-se por cinco.
Picuísses à parte, e tirando algumas cenas adicionais para lançar as bases dos temas recorrentes dos filmes dos X-Men, que já soam algo batidos passados tantos filmes, nomeadamente dar dimensão à questão ‘humana’ dos mutantes (quem somos, para onde vamos, devemos aceitar a nossa condição) e o costumeiro racismo dos humanos “normais”, tudo converge para uma intensa e extasiante batalha ao redor da Baía dos Porco, que constitui o último terço do filme. Em várias frentes (russos vs. americanos; humanos vs. mutantes; bons mutantes vs. maus mutantes) e enlaçando os desfechos de várias tramas pessoais (a vingança de Magneto, a incerteza de Mystique, a dedicação do Prof. X), enquanto abre alas para a realidade que conhecemos dos filmes anteriores, esta sequência constitui um clímax de topo no universo dos filmes de super heróis da última década. Aliás, em retrospectiva, pode ser considerada muito melhor, mais intensa e mais bem filmada que o frouxo ataque à Casa Branca que termina ‘Days of Future Past’. Só por isso, é bom recordar esta sequência.
Eu não sou nem nunca fui um leitor, quanto mais um especialista, das bandas desenhadas dos X-Men. Estes filmes julgo-os não pela sua fidelidade à BD de base, mas pela sua capacidade de entreter e cativar, no contexto do blockbuster que pretendem ser. Dito isto, acho que ‘X-Men: First Class’ poderá ser um dos filmes de ‘X-Men’ que mais saciarão as duas vertentes de espectadores: os fãs e os cinéfilos leigos. O forte conteúdo emocional dos filmes de Singer e a exploração da profundidade das personagens da BD desapontaram os fãs do cinema de acção; a forte vertente de entretenimento do filme de Ratner, em prol da fidelidade à BD desapontou os fãs dos álbuns; e o filme de ‘Wolverine’ desapontou qualquer pessoa que gosta de um filme bem escrito com pés e cabeça. Portanto ‘X-Men: First Class’ pode não ser o melhor filme da franchise, mas funciona porque, como disse em cima, consegue equilibrar suficientemente bem os elementos de sucesso das abordagens anteriores, ao mesmo tempo que introduz um realismo dramático mais sentido e se acomoda confortavelmente na sua posição de prequela.
Os fãs da BD não deixarão de sorrir pelos pequenos detalhes que vão caindo naturalmente ao longo de todo o filme. Os fãs da BD e dos filmes vão sorrir quando virem as personagens crescerem ao longo do filme até se tornarem naquilo que nós conhecemos (porque é que Charles fica numa cadeira de rodas, onde é que Magneto arranjou o capacete que bloqueia a leitura de mente; porque é que Hank é uma bola de pêlo azul, como é que Magneto e Mystique se conheceram, como é que Charles fundou a escola para mutantes na mansão, etc). E os fãs do cinema em geral vão sorrir com os engraçados cameos de Hugh Jackman e Rebecca Romijn Stamos, mas também, principalmente, com a fluída gestão da acção, que vai sempre cumprindo o seu objectivo: entreter com o mínimo de conteúdo e o mínimo de inteligência. Os 130 minutos do filme passam a voar, e a realização é das melhores da saga, muito embora as montagens de treino e as sequências de acção estejam como de costume num nível bastante superior ao do habitual cliché das partes sentimentais “ai eu sou um mutante, e agora?!”.
Podemos ver como uma desvantagem a ausência de necessidade que o filme tem de fechar o ciclo da sua história. Porque não precisa de acabar, porque não precisa de colmatar pontas que deixou soltas (não só por causa dos filmes anteriores, mas também para dar margem de manobra a outras prequelas que possam ser feitas) o filme acaba por ter algumas falhas, particularmente ao nível do desenvolvimento das personagens. Mas filmes como este nunca são desenhados para ser vistos como entes isolados. O que Vaughn consegue oferecer de novo à saga é alguma ingenuidade nas personagens, reflectindo a sua juventude e inexperiência, que cai bem e lhes dá credibilidade. Numa era em que cada filme de super-heróis tenta bater os anteriores em epicidade e efeitos visuais, e em que já vimos ‘X-Men: Days of Future Past’ tentar ser uma espécie de ‘The Avengers’ e com X-Men: Apocalypse’ na calha para lhe seguir os passos, é bom (re)encontrar em ‘First Class’ ainda um meio termo aceitável entre qualidade fílmica e entretenimento. E isso já é qualquer coisa num filme destes.
Para terminar alguém me explique só uma coisa. Porque é que Charles, o Professor X, tem que espetar dois dedos na testa sempre que quer usar os seus poderes telepáticos? Ele tem o talento incrível de ler mentes, mas estão-me a dizer que ele não o consegue fazer a não ser que meta os dois dedinhos no cocuruto? Ridículo. Como se o público não fosse perceber…
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