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The Good Dinosaur

Ano: 2015

Realizador: Peter Sohn

Actores principais (voz): Raymond Ochoa, Jeffrey Wright, Frances McDormand

Duração: 100 min

Crítica: Finalmente, temos oportunidade de ver o há muito aguardado projecto da Pixar Animation, ‘The Good Dinosaur’ (em português com o estranho título de ‘A Viagem de Arlo’). Há muito aguardado, pelo menos, em termos temporais. Este filme estava originalmente marcado para estrear depois de ‘Monsters University’ (2013), mas problemas na concepção do filme, uma mudança de realizador e outros atrasos diversos levaram a um primeiro adiamento (o motivo pela qual a Pixar não lançou nenhum filme em 2014, a primeira vez em quase dez anos em que falharam um ano), e depois a um segundo (fazendo-o sair depois ainda de ‘Inside Out’, lançado em Junho). Mas visto que a Disney, ao contrário do costume, não irá lançar um filme pelo Natal para não concorrer com o agora seu ‘Star Wars’ (‘Zootopia sairá apenas em Março de 2016), ‘The Good Dinosaur’ chega a tempo de preencher uma lacuna do estúdio (ao qual a Pixar agora também pertence) para o mercado de animação pré-natalício. 

Não sei contudo se o filme era há muito aguardado noutros termos, nomeadamente o da qualidade. Nas minhas críticas a outros filmes recentes da Pixar, ‘Up’ (2009), ‘Monsters University’ (2013) e ‘Inside Out’ (2015) já teci as minhas opiniões sobre o estúdio, pelo que não me vou estender agora. Resumidamente, longe vão os tempos em que a Pixar era a líder no universo dos filmes de animação por computador, os anos gloriosos em que fizeram coisas como ‘Toy Story’ (1995), ‘Monsters Inc’ (2001) ou ‘Finding Nemo’ (2003), e até, mais tarde, ‘Ratatouille’ (2007), para mim o último grande filme da Pixar. Se ‘Up’ ou ‘Wall-E’ ainda se conseguiam suster, mesmo que apenas parcialmente, a partir daí a Pixar entrou numa espiral negativa. Só há um departamento em que continuam imbatíveis; o da qualidade visual e técnica da animação computadorizada (e ‘The Good Dinosaur continua a prová-lo). Mas um bom filme não é só visual. Para mim o grande mal da Pixar é que perderam, muito simplesmente, a inspiração.

Os grandes senhores da Pixar, John Lasseter, Pete Docter e Andrew Stanton (os três produtores executivos de ‘The Good Dinosaur’) criaram obra-prima atrás de obra-prima nos anos 2000, mas o sangue novo do estúdio não lhes conseguiu seguir as pisadas. Os novos filmes da Pixar são brilhantes visualmente, mas as suas histórias são repetitivas, ocas e desinspiradas, e já nem se dão ao trabalho de tentar recapturar a velha chama do estúdio; limitam-se a seguir apenas fórmulas estereotipadas. Nos últimos cinco anos, a Pixar fez três sequelas (Toy Story 3’, 2010; ‘Cars 2’, 2011; e ‘Monsters University’, 2013), e os filmes originais que lançaram parecem cópias encapuçadas do antigo espólio da Disney. Por exemplo a curta ‘The Blue Umbrella’ (que saiu com o filme ‘Monsters University’) é uma cópia de ‘Jonny Fedora and Alice Blue Bonnet’, inserida no clássico ‘Make Mine Music’ (1946), e ‘Brave’ (2012) é estranhamente reminiscente de ‘Brother Bear’ (2003). Se ‘Inside Out’ ainda me conseguiu de certa forma comover como uma interessante mistura de entretenimento e moral familiar, uma grande obra para crianças, mas não tanto para adultos (porque mais uma vez a sua história estava parcamente desenvolvida e a sua ‘aventura’ era forçadíssima), já ‘The Good Dinosaur’ é um remake sem sabor de tudo o que já se fez antes sobre dinossauros, na Disney e não só.

Parece surpreendente que, em todas as suas fases de produção, se tenha demorado seis anos a completar este filme. Compreendo se me disserem que estiverem a desenvolver o visual. ‘The Good Dinosaur’ é magnífico, repito, é magnífico na sua animação computadorizada. Nunca vi nada assim num filme de animação digital. Os dinossauros têm um look mais usual neste tipo de filmes (tanto até que na primeira meia hora pensei que isto teria dado um bom filme de animação desenhado “à mão”) mas todos os cenários têm um grau de realismo soberbo. As folhas das árvores, a relva, as montanhas, a tempestade e principalmente a água (oh a água!) deste filme; os lagos, a chuva, o rio, são incríveis. Muito se disse sobre a cascata em ‘Brave’. Pois bem, a animação da água em ‘The Good Dinosaur’ mete isso num bolso, e em 3D fica ainda melhor. Mas isto é o contexto e o background. Por mais brilhante que seja a animação da natureza, o que se passa à frente dela, a história, é fulcral. Tem que cativar. Tem que seduzir. Nem que seja minimamente. Nada disso acontece em ‘The Good Dinosaur’ e mais uma vez é surpreendente que se tenha demorado seis anos e dois adiamentos para parir uma coisa destas.

‘The Good Dinosaur’ é o filme de estreia de Peter Sohn, animador promovido a realizador depois da sua surpreendente curta, uma das melhores que alguma vez surgiu da Pixar, ‘Partly Cloudy’ (2009, aquela com a nuvem que fazia os bichinhos). Mas Sohn deve ter visto demasiados filmes de dinossauros, e de argumento ‘original’ ‘The Good Dinosaur’ tem muito pouco. Senão vejamos. Para começar o nosso herói é um jovem brontossauro. Meu amigo… Littlefoot, o herói de já treze filmes de ‘Land Before Time – Em Busca do Vale Encantado’ é um brontossauro. Aladar, herói de ‘Dinosaur’ (2000) da Disney, é um Iguanodon, basicamente um brontossauro gigante. Não havia outra espécie de dinossauro que podiam usar? Depois todo o conceito do filme centra-se no facto de o asteróide que extinguiu os dinossauros ter, nesta realidade alternativa, falhado o alvo, e portanto estes evoluíram e ganharam características humanas, enquanto os humanos, que surgiram milhares de anos depois, são uma espécie subdesenvolvida. Dinossauros que falam e humanos subdesenvolvidos? Espera. Isso não é o primeiro ‘Ice Age’ (2002)?! Em ‘Ice Age’ era apenas piada, aqui, como é a Pixar, o estúdio de ‘Up’ e ‘Wall-E, a fazer, os críticos já consideram uma grande alegoria… Patetice. É tão profundo como foi em ‘Ice Age’, o que não é dizer muito. E por fim, toda a psicologia da personagem principal é uma cópia descarada (descarada!) de ‘Lion King’ (1995), mas já aí vamos.

Depois de nos estabelecer o contexto da Terra alternativa, o filme avança milhares de anos e vemos que os dinossauros evoluíram tal como os humanos evoluíram na realidade, e agora dominam as técnicas da agricultura. Bem, talvez nem todos os dinossauros. Aliás, não sabemos nem nunca iremos saber isso. Isto porque o filme é estranhamente contido no seu universo animal, isto para não lhe chamar preguiçoso. Ao contrário do universo de todos os restantes filmes de animação no tempo dos dinossauros, em ‘The Good Dinosaur’ parece que estamos numa era pós apocalíptica onde todos morreram e os dinossauros estão espalhados pelo mundo em mini-comunidades a quilómetros de distância umas das outras. No máximo, vemos uns 15 dinossauros em todo o filme, sempre em grupos de não mais que três. Ou seja, vemos somente as personagens que interagem com o nosso herói. À parte destas não vemos um único (um único!), nem lá atrás, nem lá ao fundo, nem em lado nenhum, o que deita um pouco por terra o contexto que o filme supostamente tem. Curiosamente o filme não parece estar ciente disso.

Focamos numa quinta, onde uma família de brontossauros, pai, mãe e os três filhos, vivem da lavoura. Aparentemente vivem sozinhos no meio do nada numa existência que só posso supor seja extremamente miserável, pois não têm nenhuma família de dinossauros vizinhos num raio de quilómetros em qualquer direcção, brontossauros ou de qualquer outra espécie. Com quem interagem? Aparentemente, desde que nasce do ovo até à adolescência quando a sua aventura de começa, Arlo não conhece mais ninguém a não ser os quatro membros da sua família? A sério? Mais uma vez, esta limitação parece patética. O nosso herói, Arlo (na versão original voz de Raymond Ochoa), é o mais novo, o mais pequeno, o mais frágil e o mais desastrado da família. Enquanto os seus irmãos fazem a sua marca aos olhos dos pais, contribuindo para as tarefas da quinta, Arlo nunca consegue ultrapassar os seus medos. Há aqui algumas cenas engraçadas de contexto (a sua luta diária com as galinhas por exemplo), e alguma moral para crianças que o filme começa por estabelecer com frases extremamente lamechas (basicamente, cada jovem tem que enfrentar os medos e erguer-se para singrar na vida). Mas depois, para cumprir este objectivo e arranjar um rumo, o filme, como tem sido hábito nas recentes obras da Pixar, sente-se na obrigação de arranjar uma aventura forçada para Arlo percorrer; a tal viagem que dá o título ao filme.

E neste caso é incrível que só de ver o filme parece que conseguimos ouvir as cabecinhas do realizador e dos animadores a funcionar. “Ora bem, precisamos de o catapultar para a aventura. Para fazer isso precisamos de um impulsionador dramático. Que diz o livro ‘Argumentos para totós’? Ah sim, uma tragédia pessoal. E que tragédia pessoal podemos usar? Não me ocorre nada. E se imitarmos o argumento do Rei Leão. Boa ideia!”. E voilá, assim se constrói uma história. Cansado que o filho não cresça e enfrente os seus medos, mas ao mesmo tempo da estranha criatura que lhes anda a roubar o silo de comida, o pai de Arlo manda-o tentar apanhar essa criatura, que revela ser um pequeno humano, Spot. Arlo deixa-o ir quando vê que é apenas uma criança, mas o pai vê nisso um sinal de fraqueza e persegue-o com Arlo atrás. Convenientemente uma tempestade rebenta nessa altura e uma enchente no rio leva o pai de Arlo, sem que antes este o salve. Rei Leão. Sem tirar nem pôr.

Após uma cena patética em que parece que só Arlo e a sua mãe estão na quinta, a lutar para cultivar comida suficiente para sobreviverem ao Inverno (os irmãos onde foram parar?), Arlo encontra de novo Spot e persegue-o. Ambos caem ao rio que os leva para bem longe e aí sim começa a sua verdadeira viagem. Basicamente, a sua viagem de regresso a casa. Uma viagem cheia de perigos, mas também da alegria da descoberta e momentos de comédia com música a condizer (a genial cena dos porquinhos da índia). E quando envereda por estes, o filme facilmente esquece-se daquilo que anteriormente havia estabelecido. Coitadinha da mãe lá sozinha. Com Arlo não ia conseguir comida suficiente. E agora sem ele?! E não estará preocupada?! Nada disso. Quando ele no final chega a casa (não há surpresa nisso claro) parece, na perspectiva da mãe e dos irmãos, que só tinha ido lá fora tomar um café. Intensidade dramática: zero!

Primeiro culpando Spot (na realidade também a si próprio) pela morte do pai, é inevitável que ao longo da aventura ambos irão criar uma forte relação de amizade. Contudo, a inspiração deste filme é tanta (ou não) que Spot, o humano subdesenvolvido, é basicamente um cão. Não estou a gozar. Desde uivar, a pôr a língua de fora, a fazer as suas necessidades, Spot comporta-se como um cão. Qual é a base científica evolutiva para isto?! Inicialmente, Spot até apresenta uma complexidade e uma inteligência invulgares para uma criança tão pequena (pelo tamanho nem cinco anos parece ter), o que dão algum interesse (apesar de pouca credibilidade) à sua personagem, muito mais do que a de Arlo, que é um monte de clichés. Mas todo esse interesse se perde quando ele nunca ultrapassa a sua condição de ‘cão’, à excepção do final. É isto que a Pixar consegue produzir neste momento? Arlo é um dinossauro-humano e Spot é um humano-cão?! Uau. Portanto, Spot vai ficar fiel ao ‘dono’ e vai ajudá-lo nas suas aventuras, que basicamente resumem-se a encontrarem o caminho para casa enquanto interagem, sempre à vez, com os dinossauros que vão aparecendo pelo caminho. Um (nem mais, nem menos) brontossauro velhote. Três (nem mais, nem menos) T-Rexs bons que perderam a sua manada de búfalos. Três (nem mais, nem menos) velociraptors que querem comer os búfalos. E três (nem mais, nem menos) pterodáctilos que querem comer Spot. E é isto. Andam e andam e andam e andam e não encontram nem mais um dinossauro. 

Claro que ao longo destas mini-aventuras Arlo vai crescer, ganhar valores e enfrentar finalmente os seus medos. Claro que Arlo vai encontrar o caminho para casa. Claro que no final vai ter uma estúpida e excessivamente dramática despedida de Spot, para forçadamente puxar à lágrima (porquê, não podem viver nas proximidades um do outro? Porque se estão a despedir como se nunca mais se fossem ver na vida?). Claro que Arlo vai deixar finalmente a sua marca aos olhos dos pais, embora exactamente o que ele tenha feito para a merecer me passe ao lado (a mãe não sabe como foi a sua aventura, tudo o que ela sabe foi que ele desapareceu um dia e voltou passado uns tempos – é isso merecedor de uma marca?!). Claro que o filme acaba numa nota elevada, como se o seu jovem herói tivesse adquirido a maturidade e tudo tivesse acabado em bem, embora continuem no fim do mundo sem ninguém à volta e destinados a uma existência solitária e cíclica de plantar comida. Depois da mãe morrer, como irão Arlo e os irmãos reproduzir-se se não há mais brontossauros neste universo? É assustador pensar.

No global ‘The Good Dinosaur’ é mau e extremamente desapontante. Para adultos é péssimo; a sua psicologia é forçada, a sua aventura é banalíssima, e a sua construção é preguiçosa. Para crianças divido-me no adjectivo que devo utilizar. É inegável que o filme tem partes estranhamente negras (a morte do pai, a cena dos pterodáctilos, o final sem rumo), mas elas não são compensadas por uma aventura exuberante e divertida e de valores heróicos (como ‘Rei Leão’) que permitisse encontrar um equilíbrio onde crianças e adultos pudessem compartilhar da experiência e confortar-se mutuamente. Em vez disso o filme fica num limbo em que realmente nada de muito interessante se passa, e onde a aventura não tem força para que a moral do filme, a tal do ‘jovem que aprende a ultrapassar os seus medos e fazer-se homem’ (nada original num filme de animação), perdure nos seus espectadores mais jovens. Isto para não falar de todo o contexto do ‘dinossauro jovem só e órfão à procura do caminho para casa’ que é o bê-à-bá dos filmes de dinossauros e quase um insulto à criatividade da velha Pixar. Se não fosse o estonteante visual digital da película, não teria dúvidas em catalogá-la com o tag ‘A Evitar’, mas por causa disso (e apenas por causa disso) não o farei.

No final da minha crítica a ‘Inside Out’ recordei com saudosismo que outrora a Pixar já teve o melhor dos dois mundos; filmes baluartes do entretenimento mas que ao mesmo tempo tinham valores e uma forte consciência social; ao qual se acrescenta um terceiro mundo; o da inovação tecnológica na animação digital, que já desde os tempos em que se formaram no seio da ILM de George Lucas estão na vanguarda mundial. Mas hoje, não parecem conseguir conciliar estas três dimensões, lançando filmes que apenas exploram uma delas. ‘Up’ por exemplo, tinha notas máximas nos valores sociais, mas tinha uma história fracamente desenvolvida. ‘Inside Out’ a mesma coisa. Escrevi “Dos 7 aos 12 anos este filme é provavelmente uma obra prima, explorando temas que nenhum filme animado abordou até hoje. Mas conseguiu entreter e divertir e inspirar para o fazer? Pobremente”. Já ‘The Good Dinosaur’ falha redondamente na sua vertente de entretenimento e diversão. Tem picos de gargalhada, claro (mau era), mas no global é insosso. Falha redondamente no departamento dos valores, não acrescentando absolutamente nada de novo ao que se pode encontrar no mais banal filme de animação de hoje em dia. Só cumpre, realmente, no departamento da animação digital. Mas é isso o que se quer de um filme de animação na época pré-natalícia? Claro que não. Dos próximos cinco filmes planeados na Pixar, quatro são sequelas (‘Finding Dory’, ‘Toy Story 4’, ‘Cars 3’ e ‘Incredibles 2’). Preciso de dizer mais para provar que este estúdio já não tem uma única pinga de inspiração nas suas veias?! Tenho pena, tenho muita pena, que assim seja. Mas é verdade também que se é para lançar filmes originais como ‘The Good Dinosaur’, bem, realmente, fazem melhor ficarem-se pelas sequelas…

Por fim de dizer que o filme surge acompanhado, como de costume, por uma pequena curta, ‘Sanjay's Super Team’, realizado por Sanjay Patel num fantasioso estilo autobiográfico. Mostrando a divergência de valores entre gerações, a curta divide-se entre um filho que quer ver os seus super-heróis na televisão e um pai que quer rezar aos deuses hindus, estranhamente semelhantes uns aos outros, pelo menos na imaginação do miúdo. E é na sua imaginação que a aventura se vai desenrolar, e que originará, na vida real, um ponto de contacto entre pai e filho. Comecei por gostar muito desta curta pela sua honestidade e pela criatividade em representar a mitologia hindu, mas depois perdi-me um pouco quando ficou com tons de jogo de computador. Mesmo assim, é uma obra bastante mais interessante que ‘The Good Dinosaur’. Valha-nos isso.

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Miguel. Portuense. Nasceu quando era novo e isso só lhe fez bem aos ossos. Agora, com 31 anos, ainda está para as curvas. O primeiro filme que viu no cinema foi A Pequena Sereia, quando tinha 5 anos, o que explica muita coisa. Desde aí, olhou sempre para trás e a história do cinema tornou-se a sua história. Pode ser que um dia consiga fazer disto vida, mas até lá, está aqui para se divertir, e partilhar com o insuspeito leitor aquilo que sente e é, quando vê Cinema.

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