Depois da minha ‘Uma pequena lista de pequenas extravagâncias cinéfilas’, agora uma lista dedicada às pequenas inconveniências. E o que são as pequenas inconveniências cinéfilas? São aqueles momentos chatos, pouco apelativos, extremamente enervantes, que qualquer cinéfilo tem que aturar quando sai do conforto do seu lar, abandona o seu prezado sistema de home cinema e o controlo e a liberdade total, pela lotaria de ir a uma sala de cinema pública onde, rodeado pelos seus concidadãos, cinéfilos e não cinéfilos, tudo pode acontecer. E acontece mesmo. É o preço que tem de pagar para experienciar a magia do grande ecrã. A velha máxima aplica-se: o cinéfilo também sofre. Coitadinho…
Quando a qualidade de exibição não é boa
Agora, na era do digital, isto já não acontece tantas vezes como quando as películas eram exibidas em 35 mm. Há muitos, muitos anos por vezes tínhamos que sofrer com uma má imagem, um som dessincronizado ou uma falha momentânea quer de uma coisa quer de outra. Tenho memórias vagas de isso me ter acontecido uma ou outra vez na infância, mas não consigo precisar os filmes. Mas mais recentemente tal aconteceu-me, o que é incrível nesta era moderna. Foi em 2012, na exibição do filme ‘Dredd’ em 3D. Durante os primeiros 5 minutos a imagem estava tão desfocada que não se conseguia perceber patavina, com ou sem óculos 3D. Finalmente, depois de muitos boos da assistência, lá se parou a exibição para fazer os ajustes necessários. Momentos depois a imagem surgiu, acertada, e a exibir o fabuloso 3D que o filme contém. Mas segundos depois a imagem voltou a parar. Novos boos. Mas desta vez foi por uma boa causa. Para compensar os inconvenientes, o projeccionista teve a ideia, bastante inspirada, de chegar todo o filme atrás. E assim voltamos a ver os primeiros 5 minutos, agora a perceber mais qualquer coisinha, e depois prosseguimos, com o resto do filme.
Quando só conseguimos arranjar bilhete para a primeira fila
Nãaaaaaaaaaaao!!! A primeira fila não. Só há lugar na primeira fila? Então esqueça. Vamos todos jogar bowling, em vez de apanharmos um torcicolo! Agora quando vou ao cinema costumo fazê-lo em dias mais tranquilos, numa noite de semana, numa tarde de domingo. Já não me atrevo a ir a um centro comercial numa sexta-feira ou num sábado à noite, e aturar multidões e salas de cinema à pinha. Já tive doses infinitas disso quando era adolescente e ia ao cinema nestas circunstâncias com os meus amigos. Bilhetes centrais eram preferíveis, e hoje continuam a sê-lo. Bilhetes nas filas de trás estavam na moda quando tinha uns 16 anos, mas a experiência surround vai à vida. Bilhetes laterais são de evitar mas se tiverem que ser, se o filme valer a pena, que seja. Mas na primeira fila, onde só se vê queixos dos actores e as legendas, nem pensar. Então primeira fila lateral é que nunca. Para isso, como disse em cima, mais vale ir ao bowling. Mas já vi filmes, como os demais, na primeira fila. O que tem de ser tem muita força. Ir ao cinema na sexta à noite com um grupo grande e comprar bilhetes em cima da hora é tiro e queda para só restarem esses lugares impróprios. Vi um dos Shreks, o segundo creio eu, na primeira fila. Vi um drama de polícias com Ray Liotta há muitos anos (qual? Sei lá!) na primeira fila. E mais recentemente, em 2011, cometi o erro de ir ver o ‘Piratas das Caraíbas 4 - On Stranger Tides’, na sexta-feira da semana de estreia. Big Mistake. Primeira fila. Mas foi a última vez. Não me apanham lá de novo!
Quando nos despejam um balde de pipocas em cima
Cinema e pipocas. Pipocas e cinema. De mãos dadas desde sempre. O problema é que as pessoas não dão as mãos às pipocas. Não são as pipocas que têm manteiga, são as pessoas que têm mãos de manteiga. Não sei se é por a sala ser escura e as pessoas não verem o que fazem. Não sei se é por os senhores do balcão encherem o balde até cima. Não sei se é por as pessoas terem mais olhos que barriga e de cada vez que metem a mão no balde tentarem tirar o maior número de pipocas possíveis. Não sei se é por as pipocas serem um tipo de produto alimentar fácil de arremessar e que quem ainda não tem maturidade ache muita piadinha em fazê-lo. Nenhuma miúda, digo eu, ficará impressionada com um tipo que atire pipocas para a fila da frente. Independentemente da razão, quando as luzes se acendem no final, todos nós já vimos a enormidade de pipocas que está no meio do chão; nas filas, debaixo dos assentos, nas escadas, no corredor de saída. É preciso fazer uma gincana para não as pisar. Sinceramente, que desperdício de dinheiro. E depois há sempre a questão do entornar do balde. De vez em quando a meio de uma sessão lá se ouve o barulho do balde a virar e das pipocas a irem todas para o meio do chão ou para cima de alguém. Na maior parte dos casos é pura estupidez e logo se ouvem uns risinhos irritantes e o gozo artificial de quem tenta estar acima da culpa em vez de simplesmente pedir desculpa. Incidentes desses não faltaram na minha adolescência. Contudo, por vezes é puro acidente. Os acidentes, infelizmente, também acontecem. Em 2013, durante os trailers antecedendo ‘Machete Kills’, a minha mulher inclinou-se sobre mim e, num incompreensível momento de descoordenação (vamos crer que sim!), entornou-me todo o balde em cima das calças… Ups. Fui ao balcão e ofereci-me para limpar a bagunça. Talvez por ter tomado essa iniciativa o senhor foi extremamente simpático. Limpou ele e ofereceu-nos um novo balde cheio, sem custos adicionais. O conteúdo deste segundo balde, agora sim, foi todo, todinho, para o bandulho.
Quando somos os únicos a ver o filme na sala
Neste momento o leitor pode estar a pensar como é que isto pode ser uma inconveniência. Ai pode, pode. Acredite que pode. Há quem goste de multidões, das experiências sociais em conjunto, por isso se for a única pessoa na sala pode sentir-se sozinho ou até com medo, se o filme for de terror! Não é esse o meu caso, embora sozinho sozinho nunca tenha estado por isso não sei como reagirei se algum dia vir algo tipo ‘Suspiria’ a solo numa sala de cinema para 500 pessoas. Mas já estive com um grupo de amigos numa ocasião em que éramos os únicos clientes. Isto porque quando eu comecei a ir ao cinema com amigos, em 1998 com 13 anos de idade (‘There’s Something About Mary’ o primeiro filme de sempre sem os pais!), íamos a sessões da hora de almoço. Os nossos pais deixavam-nos nos shoppings de manhã e iam-nos buscar a meio da tarde. Nesse período íamos às arcadas jogar videojogos, almoçávamos, íamos às arcadas, íamos ao cinema e regressávamos às arcadas de novo até aparecerem os nossos pais (ah, gloriosos anos 1990). Portanto muitas vezes íamos a sessões que praticamente não tinham ninguém. E por uma vez, em 1998, ao ver o filme ‘Enemy of the State’ (1998) com Will Smith, depressa chegamos à conclusão que o nosso grupo de cerca de 10 era o único que estava dentro de uma das maiores salas da cidade do Porto. Foi bonito foi. Uma dezena de pré-adolescentes sozinhos numa sala enorme num filme de duas horas?! Eu e mais um ou outro colega vimos o filme do início ao fim sentadinhos. Mas tivemos que aturar a javardice total dos restantes, que andaram a experimentar todos os lugares de todas as filas nas mais variadas posições, do de pé ao deitado, foram fazer palhaçada para a frente da tela, atiraram pipocas de todas as direcções e ângulos (ver ponto anterior), enfim. Já na altura não achei piada quanto mais agora. Mas só se é jovem uma vez portanto espero que lhes tenha feito bom proveito. Cada um se diverte à sua maneira. Eu com o cinema, eles com a javardice. Repetir a dose é que não! Respeito demasiado o cinema.
Quando o barulho na sala é tão grande que não se consegue ver o filme convenientemente
Há países, como os Estados Unidos, que têm por tradição uma enorme interacção do público com aquilo que se está a desenrolar na tela; vaiar, aplaudir, berrar, etc. Mas eu sou um cinéfilo mais low profile. Prefiro, se tanto, aplaudir no final, e depois espalhar a palavra de que o filme é bom. Discutir antes e depois recomenda-se e faz bem à saúde. Durante é que já é um bocadinho mais chato, principalmente para aqueles nas filas à nossa volta. Estar num local público é diferente do que estar em casa mas há muito boa gente que não sabe essa diferença. Durante o filme propriamente dito prefiro desfrutar, e acima de tudo, que me deixem desfrutar. Claro que não sou um monge. De vez em quando aprecio fazer um ou outro comentário em surdina a quem quer que esteja ao meu lado. Mas tudo o que é de mais é um exagero. Detesto quando não consigo ouvir um diálogo porque uns jovens na fila de trás estão na galhofa. Também fiz galhofa quando era jovem, mas nunca depois do filme começar. Detesto quando numa cena mais intimista as senhoras da fila da frente, enfadadas, decidem começar a discutir, numa voz para meio mundo ouvir, o que vão fazer logo para jantar. Por estes motivos, e os mares de gente, deixei de ir ao cinema nas horas de pico. Lembro-me de muito más experiências a ver, por exemplo, ‘300’ em 2006, mas também quem é que me manda ir ver um filme num feriado à tarde (a sala estava à pinha de estudantes de liceu)?! Durante ‘Skyfall’ o senhor à minha frente decidiu que se tinha de armar perante a mulher o filme todo com o seu (fraco) conhecimento. Mais recentemente em ‘Minions’ tive de chegar ao extremo de mudar de lugar. Dois adultos a explicarem as piadas um ao outro como se fossem duas crianças, quase frame a frame. Valha-nos Deus. Só faltava agora ter relato, quando vou ao cinema.
Quando a publicidade e os trailers não têm fim
Outrora gostava de chegar às sessões mais cedo para assistir aos trailers. Não havia internet nem grandes programas de cinema na televisão portuguesa portanto os trailers dos filmes a estrear só se viam mesmo no cinema. E havia um critério sério na selecção dos trailers. Eram sempre de filmes do género daquele que íamos ver. E havia um número razoável de trailers. Viam-se uns quatro ou cinco juntamente com um ou outro anúncio. Dez minutos depois da hora da sessão o filme estava a começar. Hoje em dia, pelo menos nas salas portuguesas, já não é assim. Não sei se é falta de dinheiro ou assumirem que se o espectador quiser ver um trailer pode facilmente ir ao youtube, inclusive no seu telemóvel durante a sessão. Mas a verdade é que o número de trailers nas salas se reduziu para números mínimos; um, no máximo dois, raramente três, nunca quatro, e estes estão imersos numa gigantesca torrente de publicidade que nunca mais acaba. Neste momento os filmes começam 20 minutos depois da hora anunciada da sessão, e as salas dos shoppings portugueses abusam ainda mais quando o filme é mais pequeno. É ridículo. Um filme de 1h30 tem muita mais publicidade no início que um filme de 2h. É para o espectador não se sentir roubado em termos de tempo? Mas a minha pior experiência de sempre não foi em Portugal. Foi em Edimburgo e já a descrevi ao pormenor na minha crónica ‘O Clube dos Cinéfilos Viajantes: a Volta aos Mundo em Salas de Cinema’. O filme ‘Shutter Island’, numa sessão num domingo de manhã, começou mais de 50 minutos depois da hora marcada no bilhete e foi antecedida por um infinito desenrolar alternado de trailers e publicidade, publicidade e trailers, sem fim em vista. Foi muito mais que uma pequena inconveniência. Foi uma enorme tortura. Vale que o filme finalmente chegou, e era bom!
Quando o filme não presta
Não há nada a dizer sobre isto, fala por si. Pagar 5 ou 6 euros, e por vezes mais se for 3D e o filme não prestar é do pior que há. Raios, devia ter visto este filme em casa e gasto o meu dinheiro noutra coisa qualquer. Num DVD de um clássico que estava com desconto numa determinada loja, por exemplo. Tudo menos ver esta aberração. Ultimamente o meu pior erro foi em 2013 quando decidi experimentar a nova sala IMAX 3D em Lisboa. O filme em exibição: ‘Pacific Rim’. 10 eurinhos que valeram apenas pela experiência da sala, a primeira do género em Portugal pós regresso da moda do cinema digital 3D. Mas pelo filme nem 10 cêntimos daria. Horroroso. Termino como comecei dizendo: o cinéfilo também sofre. Coitadinho…
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