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3D, dê por onde dê

NOTA: Este texto foi inicialmente escrito para publicação online em 2010, como resposta a uma altercação acesa na blogosfera sobre a ‘inovação do 3D’ na era pós-Avatar. Tal como fiz a textos anteriores já republicados em EU SOU CINEMA, tirei-o da gaveta, dei-lhe uma limpeza e actualizei o pensamento. Espero que apreciem o que este meu eu passado outrora escreveu.

Era uma vez um jovem rapaz traquina com uma aragem na boca por estar em transição entre tipos de dentes, que em tenra idade, no início dos nineties, se deslocou (ou melhor deslocaram-no) à Disneyland Paris para responder a uma dúvida pertinente: que raio de coisa é o Pluto?! Senão vejamos. O Mickey é um rato que fala. Confere. O Donald é um pato que fala. Confere. O Pateta é um cão que fala. Confere. Portanto, porque diabo é que o Pluto só tem direito a ser um mísero cão igual aos outros?! Onde está a magia desta personagem? Porque é que o Pateta tem inteligência, fala, anda e em todas as coisas age como um humano, enquanto o Pluto, coitado, está destinado a lamber os passeios em quatro patas? Quando estas duas personagens interagem dá-se aquele fenómeno esquisito de um cão estar a passear outro cão! Qual é a cena da Disney?! O desgraçado do Pluto não pagou as cotas do sindicato e portanto despromoveram-no? É xenofobismo para com aquele pedigree? O Pluto devia mas é arranjar um bom advogado e lutar pelos seus direitos. Ah, e já agora, depois de ponderar a fundo estas questões, esse tal jovem também viu, pela primeira vez nessa ida à Disneylândia, um filme em 3D. Chamava-se ‘Captain EO’ (1986), foi escrito por George Lucas e realizado por Francis Ford Coppola, o seu actor principal é Michael Jackson e ainda hoje pode ser visto em qualquer parque Disney.



Um par de anos mais tarde, em 1993, esse jovem foi vítima de um elaborado estratagema de marketing aquando da estreia do filme ‘Jurrasic Park’. Este filme tornou-se o maior êxito de sempre da bilheteira mundial, tendo sido mais tarde ultrapassado pelo ‘Titanic’ (1997) e depois por ‘Avatar’ (2009), três filmes que, obviamente, partilham entre si o facto de serem sobre dinossauros. Este jovem, então com 8 anos de idade, lembra-se distintamente de ter carradas de merchandising do filme, incluindo o livro oficial, que vinha completo com óculos 3D. Uma vez colocados estes óculos, os animaizinhos do livro, desgraçados, ganhavam vida e saiam das páginas, vindo direitinhos ao leitor e fazendo as delícias dos olhos inocentes de muita criancinha.

Saltamos para 1996, quando numa noite em que chovia levemente, este jovem chega a Orlando, no estado americano da Florida, a tempo de ver a Gloria Estefan na televisão a cantar “If I Could Reach” na cerimónia de fecho dos jogos Olímpicos de Atlanta. Desde então, o jovem quando chega a uma cidade nova liga a televisão esperançado, mas não mais voltou a ouvir a Glória. Talvez seja melhor assim. Nos dias seguintes o jovem visitou (ou melhor, foi levado a visitar) os vários parques temáticos que existem nos arredores de Orlando. Primeiro foi à Disneylândia, mas a dúvida relativa ao Pluto manteve-se. Talvez essa dúvida seja desfeita se algum dia conseguir visitar as duas outras Disneylândias do planeta Terra, em Los Angeles e em Tóquio. Depois o jovem foi também ao EPCOT Center (o primeiro grande parque mundial de ciência e tecnologia), ao Universal Studios (parque temático de cinema) e ao Seaworld. Em três deles viu filmes em 3D e num deles viu golfinhos, o que é quase a mesma coisa.

Após estas experiências, o jovem cresceu, viveu feliz e fez-se homem em redor do seu eterno coração de criança. Os anos foram passando até que algures no ano de 2009 o jovem começou a ouvir uns rumores de que tinha sido inventado algo que iria revolucionar o cinema para sempre. E o nome desta invenção groundbreaking era ‘tecnologia 3D’. Como assim, tecnologia 3D?! Certamente estariam a falar dos trigémeos Dionísio, Dorleano e Dédem, malabaristas pernambucanos. Não?! OK. Então certamente estariam a falar de um novo sistema revolucionário que aliava a tecnologia Dolby Surround ao Digital ao Deep Space 9. Também não?! Hummm. Então fez-se luz. Afinal estavam a falar do processo através do qual se produz uma disjunção de imagens para criar uma ilusão de profundidade apercebida pelo cérebro quando o espectador enverga uns óculos especiais. Ahhh! Mas certamente havia ali marosca. Certamente havia ali algo de revolucionário. Um 3D HD ultra-digital em que o espectador enfia uns implantes pelo ouvido adentro e é teleportado para dentro do filme. Também não?! Com tristeza o jovem apercebeu-se que não era nada disso. Com ainda mais tristeza o jovem apercebeu-se que estavam a falar exactamente da mesma coisa de que ele se lembrava da sua juventude, com a diferença que agora o artifício era feito digitalmente. O jovem começou a suspeitar…



A existência do 3D nos nineties estava comprovada por experiência própria. Disneylândia, EPCOT, Universal Studios e Jurassic Park haviam-no mostrado ao jovem. Mas na realidade, o jovem já tinha feito o seu trabalho de casa, e sabia que o 3D tinha sido massificado nos anos 1950, numa época em que, coitadinho, o cinema perdia clientela para a TV e precisava desesperadamente de chamarizes. O formato mais alargado (Widescreen, Cinerama, Todd-Ao) foi inventado. Experimentou-se com a cor. As megas produções com mega estrelas tornaram-se um lugar-comum. E alguém se lembrou que seria uma ideia interessante dar estilo aos James Deans da altura e convencê-los a pôr uns óculos com filtros polarizadores no focinho. Filmes como o ‘Dial M for Murder’ de Alfred Hitchcok, do ano de 1954, foram filmados com câmaras próprias de 3D e lançados no cinema em 3D. E quem diz ‘Dial M for Murder’ diz ‘Creature from the Black Lagoon’ (1954), ‘It Came from Outer Space’ (1953) ou o original ‘House of Wax’ (1953). Mas inevitavelmente, como todas as modas, estas não durou muito tempo, e no final de 1954 o público já estava a fartar-se. Assim sendo, o 3D foi relegado para parques temáticos ou salas de espectáculo 4D (onde se acrescentou umas cadeiras vibratórias ou efeitos como a chuva ou o vento) comuns em vários países que não este. Não sei, se calhar a Bracalância tinha um.

Mas o 3D persistiu e foi sobrevivendo ao passar das décadas. Nos anos 1960 podia estar desaparecido, mas eles tinham outro D, o LSD, que dava o mesmo efeito. Nos anos 1970 os cabelos eram tão grandes que duvido que conseguissem pôr os óculos. Nos anos 1980, as provas de que o 3D fazia parte da vida diária dos jovens estão bem patentes no filme ‘Back to the Future’ (1985). Aí, um dos três capangas de Biff passa o filme inteiro com uns óculos 3D anáglifos (ou seja, aqueles com lentes azuis e vermelhas) postos na cara, como se fossem óculos escuros. No final das filmagens, deve ter tido um valente de um enjoo. Uma pesquisa rápida permite-me ver que a personagem se chama mesmo “3D” (se não acredita, leitor, consulte o imdb)! O que se passou a seguir parece-me então mais do que óbvio. Como pode ver na imagem, caro leitor, à direita de 3D está outro capanga de Biff interpretado por Billy Zane. Dez anos depois, Zane interpretaria o papel de vilão num pequenino filme chamado ‘Titanic’ (1997), realizado por James Cameron, também realizador de ‘Avatar’ (2009). Portanto parece-me incontestável assumir que Zane terá dito um belo dia a Cameron: “Olha lá, se o meu colega conseguiu fazer 3 filmes do Regresso ao Futuro com aquilo, sem enjoar, tu também consegues, ó meu supremo senhor e líder”. 

E então Cameron terá reflectido, reflectido muito. E então Cameron terá matutado arduamente. E então Cameron aguardou 12 anos, a criar uma mística, a tentar arranjar uma maneira de reciclar uma coisa com mais de 60 anos e chamar-lhe a maior inovação da história da humanidade. E não é que o sacana conseguiu?



E o jovem, herói desta nossa história, assistiu no Inverno de 2009 a um dos maiores engodos alguma vez concebidos. Bem, na realidade, e antes que me escrevam cartas iradas, estou consciente que não é bem um engodo. O 3D Digital é um conceito muito mais avançado, tal como os efeitos especiais de agora são muito mais avançados do que os de há 50 anos. Mas da mesma forma que me dá muito mais prazer ver os efeitos especiais dedicados e arduamente executados em filmes como ‘Jason and the Argonauts’ (1963) do que aqueles que hoje em dia são preguiçosamente feitos a uma secretária, onde as criaturas e as explosões e os cenários perdem peso, credibilidade e ambiguidade, também não consigo entender que mais valia para a qualidade cinematográfica terá este novo 3D em relação ao antigo. Para além do mais, a triste realidade é que a inovação tecnológica de ‘Avatar’ não é, por mais chocante que isto possa ser neste momento para o leitor, a tecnologia 3D. A sua grande inovação, essa que Cameron passou tanto tempo a desenvolver, está na câmara dual que consegue sobrepor a imagem real captada à imagem criada digitalmente. Contudo, talvez por ser um conceito difícil de explicar ao público, e por não ser tão palpável como é o 3D, o bicho que foi promovido e vendido à comunicação social não foi a verdadeira inovação mas sim o remake de um conceito com meio século de história. E aí está toda a diferença desta fantochada.

O jovem, eu claro está, humilde escritor deste devaneio, teve nesse ano de 2010, após o lançamento de ‘Avatar’, uma discussão digital com um reputado bloguer português de cinema (que sinceramente, hoje já nem me lembro de que site era), que referia que esta recente “invenção do 3D é a terceira grande reforma no cinema depois da invenção do som e da cor”. Primeiro, o reputado senhor demonstrou uma enorme ignorância da história do cinema, nomeadamente o que se passou entre os anos de 1952 e 1954. Segundo, já desde 2005 que esporadicamente estavam a ser lançados filmes em 3D nos cinemas, ou seja, a moda poderá ter começado com 'Avatar', mas esta nova corrente já tinha despoletado anteriormente. Terceiro, relativamente à “invenção” do 3D há alguma coisa que me está a escapar. Sim senhora, acho-o muito bonito, até tem piada ver filmes de acção assim, e com a crise dos últimos anos não há problema nenhum se as companhias de cinema tentarem sacar o maior número de euros possíveis por bilhete vendido, até porque o espectador sempre pode ir ver o filme em 2D se quiser. Não é por acaso que ‘Avatar’ é o filme mais rentável de sempre, embora tenha vendido muito menos bilhetes que filmes como ‘Gone With the Wind’ ou ‘Star Wars’. Não admira, o bilhete custava 3 vezes mais (ou mais!). Mas até aqui tudo bem. Toda a gente, incluindo o pessoal do cinema, tem filhos para alimentar.

Chamem-lhe tecnologia, melhoramento de qualidade, como o IMAX ou o Blu-ray ou o Digital, chamem-lhe uma experiência diferente, como levar com a água dos golfinhos na cara quando vamos ao Seaworld ou ao Aquaparque, que por mim tudo bem. Eu próprio também prefiro comprar DVDs a ver filmes a partir da internet, e eu próprio tenho televisão 3D e leitor de blu-ray 3D em casa, que uso esporadicamente. É um mero melhoramento da experiência de visionamento. Fixe. Fim de história. O vinil também está de regresso e os puristas afirmam que o som é melhor, mas não ouvi ninguém a chamar-lhe uma “nova invenção”. Agora virem-me com paleios filosóficos de que o 3D é muito importante porque potencia uma aproximação à realidade e uma maior interacção das personagens e da acção com o público, que o cinema caminha para a abolição da quarta dimensão, ou seja, das barreiras entre a imagem projectada e o espectador, e que tudo isto é feito, não pelo interesseiro motivo financeiro, mas pelo bem da humanidade, da arte e da cultura, eu digo: que monte de balelas. Se o espectador pretende pessoas reais a interagir consigo, a sensação de profundidade e peso dos objectos, e a quebra da quarta dimensão, então há uma invenção relativamente recente que também pode experienciar. Existe há cerca de 3 mil anos e chama-se Teatro, teatro esse que da última vez que olhei estava a sobreviver de subsídios do estado, os seus actores estavam a morrem de fome e as suas salas estavam às moscas. Então vamos chamar as coisas pelos nomes. O que o pessoal gosta é de ver os efeitos especiais, as explosões e todos os outros artifícios da acção a rodearem-no. O que o pessoal gosta é da experiência quasi-realidade virtual, essa que ‘Avatar’ proporcionava, que o fazia sentir-se estar dentro de um jogo de computador. Essa experiência sim, o teatro não oferece. Essa sim é que foi a grande inovação do 3D moderno. Porque não tem nada a ver com o filme, nem com a mestria de perspectiva do realizador (ver ‘Dial M for Murder’), nem com a noção de profundidade que o 3D proporciona. Tem a ver, isso sim, com apenas uma coisa: os efeitos especiais digitais da era moderna.



Por isso é que o jovem tentou chamar à razão todos aqueles que foram vítimas da gigantesca manobra de marketing que primeiro Cameron e depois o restante cinema americano tentou impingir, com grande sucesso diga-se, no insuspeito espectador. Mas o tempo deu razão ao jovem. A moda do 3D dos anos 1950 durou nem 3 anos. A moda do 3D moderno durou mais ou menos o mesmo tempo, entre 2010, altura em que escrevi a primeira versão deste texto, e 2013. Hoje, como o leitor bem sabe, o número de filmes que estreia em 3D nas salas já se reduziu consideravelmente. ‘Intersteller’ (2014) por exemplo, não foi lançado em 3D, nem sequer em blu-ray 3D, o que em 2012 teria sido impensável. Não me interpretem mal, houve filmes que ganharam (e continuam a ganhar hoje) muito com o uso de 3D. O filme de acção ‘Dredd’ (2012) tem um 3D absolutamente fabuloso, que se ajusta à história, à acção e ao ambiente e experiência de visualização que o filme quer criar no espectador. E ‘Avatar’ a mesma coisa. Mas chegamos a um ponto, nestes anos, em que filmes de dança (‘Step Up 3D’, 2010), filmes de terror (‘Saw 3D’, 2010), filmes de acção (‘Pirates of the Caribbean: On Stranger Tides’, 2011), dramazitos inspiracionais com o mínimo de efeitos especiais (‘Hugo’, 2011), ou até velhos clássicos (como ‘Wizard of Oz’, 1939), estavam a ser lançados nos cinemas em 3D. Porquê? Só porque sim. Porque estava na moda. Para ver se a coisa pegava e se se fazia uns trocos entretanto.

Amanhã quem sabe qual poderá ser a próxima moda. Os pega-monstros da minha infância? Uma série de filmes do D’Artacão com o Johhny Depp no papel principal? Já faltou mais para se fazer um filme a preto e branco e o público achar que é uma inovação tecnológica. Já faltou ainda menos para se fazer um filme mudo e as pessoas ficarem de boca aberta a perguntarem-se como é que terá sido obtido tal efeito. Será por isso que ‘The Artist’ (2011), ao contrário de todas as expectativas, foi tão bem recebido?! E não era em 3D! Regressando à batata quente tenho a dizer o seguinte. Desde que o som foi inventado, salvo excepções artísticas, foi adoptado por todos e mantido até hoje. Mais importante que isso, continuaram-se a fazer filmes de jeito. Isso faz dele uma grande invenção cinematográfica. Quando a cor foi inventada, só quem quis é que ‘aderiu’, e durante os 30 anos seguintes (até meados da década de 1960) ainda havia uma considerável produção cinematográfica a preto e branco, e ainda hoje alguns filmes a preferem, por uma questão estética ou de orçamento. De igual modo, continuaram-se a fazer filmes de jeito e é o cineasta que escolhe de que forma é que irá apresentar o seu filme. Não coloca as duas versões, a de cores e a de p/b, nas salas de cinema e diz ao público: “pode ver a que quiser, mas pela de cores tem que pagar mais 2 euros”. E quem é cinéfilo sabe bem o que Ted Turner tentou fazer nos anos oitenta: colorizar filmes antigos a preto e branco e lançá-los no cinema e no mercado de VHS. Quanto tentou fazer isso a ‘Casablanca’ a opinião pública trucidou-o e ele não tentou a piadinha outra vez…

Agora já com o 3D a história é bem diferente. Tal como nos anos 1950, não veio para ficar. Foi um recuperar de uma velha ideia, para dinamizar um mercado em crise, para oferecer uma novidade ao espectador. Mas senhores como James Cameron são uns mestres do marketing e de tanto repetirem uma lenga-lenga as pessoas começaram a acreditar nela. O seu objectivo não é ser artístico. Isso prova-se pela pequeníssima quantidade de filmes que são efectivamente filmados com câmaras 3D. A maior parte são concebidos em 2D, filmados em 2D, e o 3D é executado artificialmente em pós-produção. Já mais do que uma vez paguei 7 ou 8 euros para ver um filme em 3D que não tinha um único plano em profundidade, um único plano com objectos em perspectiva, e ao retirar os óculos a meio do filme não via diferença nenhuma na imagem apresentada. Se é para ver duas pessoas a falarem uma com a outra, porque hei-de estar a ver o filme em 3D?! Felizmente, essa treta já praticamente acabou por estes dias. Resta-nos os filmes de super-heróis, os de massivos efeitos especiais e os de animação. E é assim que deve ser. 



A produção em massa do 3D tem toda a minha bênção, desde que seja acompanhada de um produto de qualidade e o próprio 3D contribua para essa qualidade. Como nos documentários da National Geographic que em 3D ficam fabulosos. A tecnologia tem qualidade e potencial, que os efeitos especiais da era moderna permitem exacerbar. Mas muitas vezes o produto não a tem (filmes acéfalos e desinspirados), mas o que é ainda pior é que o 3D é feito de uma forma preguiçosa, só porque sim. A maior parte dos filmes lançados em 3D estão a anos-luz daqueles espectáculos que todos vimos nos parques temáticos na nossa infância, em que a imagem literalmente saltava até nós. Filmar um filme normalmente e depois criar o efeito de 3D em pós-produção e dar um par de óculos ao espectador e dizer “toma camelo aprova” é uma parvoíce. Nem nos anos 1950 faziam isso. Não é o 3D que tornará um filme melhor se este não tiver qualidade. E se tiver, não é nenhum 3D que lhe dará mais um grama de magia. Não acontece isso na versão 3D de ‘The Wizard of Oz’. Recentemente vi também a versão 3D de ‘The Nightmare Before Christmas’ (1992) e o filme, sinceramente, não ficava com nada de novo, para além de ter um 3D muito pouco inspirado. E até vi a versão em 3D de ‘Lion King’ (1994). Imagine-se, fazer 3D de um filme de desenhos bidimensionais. Faz algum sentido? O resultado, confesso, é bastante esquisito. Porque o fizeram? Por arte ou por dinheiro? Inevitavelmente, regresso a Chaplin. O seu primeiro filme foi feito há 101 anos, e nenhum 3D o melhoraria. Nunca. Também faria sentido lançar os seus filmes em 3D?! O jovem sente-se pesaroso e nostálgico.

O que em 2009 era anunciado como a “terceira maior reforma da história da sétima arte” é agora, em 2015, aquilo que sempre foi: um extra, uma atracção de feira. O som de um filme nunca foi um extra. A cor também não. É só ver os restauros em blu-ray dos grandes clássicos em Technicolor. Agora podem ser visto da forma que realmente foram filmados, e a inovação tecnológica permite destacar a cor que sempre tiveram mas que o peso dos anos tinha esbatido. Agora, ver ver um filme 2D em 3D, salvo raras excepções em que o 3D está fantasticamente executado e melhora o filme, é um extra, como ir sentar-se nas cadeiras VIP ou ter um backstage pass para uma conversa com o realizador. Assistimos a isso todos os dias nas bilheteiras. O espectador pede o bilhete para o filme em 3D. O empregado diz-lhe que a sessão que irá começar agora é em 2D. O espectador diz “está bem não faz mal”. Seria assim se o 3D fizesse tanta diferença para o filme?! Se sim devia haver realizadores com convicção a dizer “ou se vê o meu filme em 3D ou então não se vê”, como aconteceu com ‘The Flying Machine’ (2011). E aí sim eu começaria a acreditar que poderia ser uma grande invenção, para durar. Se todos fossem como ‘Dredd’. Se todos fossem como ‘Avatar’. Mas não são.

Os bilhetes foram vendidos, os óculos foram vendidos, as televisões 3D foram vendidas, os leitores de blu-ray 3D foram vendidos, e os blu-ray 3D foram vendidos. E agora? Agora é desfrutar de vez em quando, mas só raramente ter o prazer de ver um filme em que o 3D realmente o melhora. A não ser que se compre aqueles documentários da natureza feitos para IMAX 3D que, esses sim, proporcionam magníficas experiências. Agora porque é que hei-de pagar um bilhete para ver ‘Lucy’ (2014) ou ‘Taken 3’ (2015) em 3D (não estou a gozar, estes filmes foram mesmo lançados em 3D), visto que ambos foram filmados em 2D?! Neste sentido, o 3D é tanto uma “inovação” como foi a de Turner quando decidiu colorizar os filmes a p/b dos anos 1940. É tanto uma inovação como se quisermos pegar num filme mudo e gravar uma faixa de som com diálogos e música por cima. Podemos fazê-lo a qualquer filme. Parabéns. Revolucionou a forma de fazer cinema? Não. Massificou-se? Não. Influenciou a arte, o estilo, o rumo da produção cinematográfica? Não. Talvez um dia, mas agora não. Afinal, a cor também demorou 30 anos a ser adoptada em definitivo. Mas até lá o 3D não é a nona maravilha da humanidade, tal como foi promovida em 2010. É apenas um folclore adicional que por vezes até tem piada e que causa dores de cabeça passado duas horas.

Contudo, não podemos negar que há alturas em que um par de óculos 3D até dá jeito. Por exemplo, naquela noite em Agosto de 1996, com 10 anos de idade, quando vi a Gloria Estefan na televisão. Isso sim teria sido uma experiência que teria valido a pena.


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Miguel. Portuense. Nasceu quando era novo e isso só lhe fez bem aos ossos. Agora, com 31 anos, ainda está para as curvas. O primeiro filme que viu no cinema foi A Pequena Sereia, quando tinha 5 anos, o que explica muita coisa. Desde aí, olhou sempre para trás e a história do cinema tornou-se a sua história. Pode ser que um dia consiga fazer disto vida, mas até lá, está aqui para se divertir, e partilhar com o insuspeito leitor aquilo que sente e é, quando vê Cinema.

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