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Guardians of the Galaxy

Ano: 2014

Realizador: James Gunn

Actores principais: Chris Pratt, Vin Diesel, Bradley Cooper

Duração: 121 min

Crítica: Quem já leu as minhas críticas aos filmes de super-heróis da Marvel (como a de ‘Captain America’), sabe que não estou muito convencido com a existência de um Marvel Studios, e que acho que dentro em breve irá perder todo o seu interesse. Antigamente, a Marvel cedia os direitos das personagens a outros estúdios cinematográficos, sempre que estas queriam fazer um filme de super-heróis, e ficava com uma percentagem dos lucros. Depois do estrondoso sucesso de filmes como ‘Spider-Man’ no início da década de 2000, e com o despoletar da era de ouro dos efeitos visuais por computador, a Marvel finalmente compreendeu que ter o seu próprio estúdio compensaria bastante mais financeiramente. E isso ficou provado com o primeiro ‘Iron Man’ (2008), praticamente o primeiro filme ‘individual’ da Marvel, e um estrondoso sucesso de bilheteira. A partir daí ninguém no estúdio olhou para trás.

Mas embora isto seja bom de um ponto de vista da carteira (‘The Avengers’ e ‘Iron Man 3’, estão no top 10 dos filmes mais rentáveis de sempre), não o é, pelo menos para mim, do ponto de vista artístico. Os outros estúdios que antes pagavam à Marvel pelos direitos das personagens faziam uma panóplia de outros filmes. A Marvel não. Só faz estes. E mais nada. Nem dez anos depois do estúdio começar a funcionar em pleno, o óbvio já aconteceu. Há um número bastante limitado de super-heróis por isso, uma vez os filmes feitos desses super-heróis, ou se faz sequelas (o Iron-Man já tem três filmes, o Capitão América dois, o Thor outros dois…), ou se faz remakes (os filmes dos ‘Fantastic Four’ que são, imagine-se, de 2005 e 2007, vão ser refeitos com actores novos já a partir de 2015!), ou se os emparelha (‘The Avengers’). E isto é bastante enervante. É enervante a quantidade louca de sequelas. É enervante misturarem as personagens (a Black Widow de Scarlett Johansson entra em ‘Iron Man 2’, no ‘Captain America 2’, no ‘The Avengers’, e terá em breve o seu próprio filme). É enervante aquelas sequências finais, no genérico, a darem um teaser para o próximo filme. É enervante os filmes saírem com espaçamentos tão próximos como se fossem números novos de uma revista nas bancas, e consequentemente terem essa qualidade descartável. Enfim. No meio de tanta coisa enervante, qual é o futuro? ‘Iron Man 20’ em meados de 2030? Um estúdio que faz tanto dinheiro não irá certamente fechar portas…

Portanto, dito tudo isto, quando a promoção de ‘The Avengers 2’ (inicialmente prometido para este Verão) começou a ser substituída pela de ‘Guardians of the Galaxy’ eu não pude deixar de sorrir. Primeiro porque finalmente era algo de original, ainda mais para mim que não sou grande conhecedor de BD. E aliás, apesar desta conversa toda, eu até gosto de um bom filme de super-heróis (‘Iron Man’ e ‘The Avengers’ para mim são os melhores filmes da Marvel), desde que a história não seja uma batida repetição e o filme não seja apenas uma exibição acéfala de efeitos especiais. E segundo porque, vendo os trailers e os teasers de ‘Guardians of the Galaxy’ o produto final prometia ser um filme extremamente engraçado e sobretudo diferente. Estava ansioso. Antes que estragassem tudo (aliás já estragaram; ‘Guardians of the Galaxy 2’ já está marcado para 2017, e cheira-me que mais ano menos ano ainda os juntam aos Vingadores), seria bom ver um produto novo e fresco.

E este filme, realizado por James Gunn (um argumentista de filmes não muito bons como os de Scooby Doo, tornado realizador de blockbusters semi-anárquicos – ‘Super’ em 2010 e um dos segmentos de ‘Movie 43’ em 2013) é realmente novo, é realmente fresco. E mais, o filme, a meu ver, justifica plenamente o seu já enorme sucesso de bilheteira e o seu sucesso crítico. Já não me lembro de ver uma aventura espacial no cinema tão boa desde ‘The Hitchhiker's Guide to the Galaxy’ (2005). O filme tem a mesma irreverência, o mesmo humor inteligente e a mesma alegria que este filme inglês, ao qual se aliam todas as restantes valências da Marvel; sequências de acção carregadas de efeitos visuais e uma épica espectacularidade cénica. Em ‘Guardians of the Galaxy’, felizmente, estes elementos CGI são dados num produto que não depende exclusivamente disso; as personagens são apelativas e há uma enorme nostalgia no retrato da aventura espacial. O filme tem a aura de um produto dos anos 1970 ou 1980, e sentimos a vibrar nos nossos ouvidos o tilintar mágico de um ‘Star Wars’ ou de um ‘Star Trek’, o que é óptimo! Por vezes, podíamos esquecer todos os grandioso efeitos especiais (acho que são demasiado exagerados neste caso, mas o filme é um produto da era em que foi feito…) e bastantes cenas resultariam na mesma com um cenário de cartão à la ‘Forbidden Planet’ (1956). E um filme que nos consegue fazer sentir isso, nos dias que correm, só pode ser louvado.

O filme abre na Terra, no final dos anos 1980. Um miúdo, Peter Quill, sempre agarrado ao seu walkman, espera no corredor de um hospital para ver a sua mãe, que está a morrer de cancro. Quando isso acontece o miúdo sai a correr hospital fora, e eis que aparece um disco voador que o rapta. Saltamos 20 anos. Quill (o actor Chris Pratt, talvez não a escolha mais perfeita para herói de acção, mas tem timing cómico) é agora um caçador de prémios, que anseia veementemente ser chamado Star-Lord. Chega a um planeta e um genérico fabuloso, ao som da música do seu sempre constante walkman, acompanha-o enquanto ele, à Indiana Jones, explora umas ruínas até chegar a uma misteriosa orbe, que rouba. O genérico é bom por vários motivos. Primeiro porque existe – os genéricos são uma espécie em extinção. Segundo porque cumpre a missão de todos os bons genéricos: dá o tom da película e embala-nos para a aventura. Ao som de música dos anos 1970, com um herói espacial cool e dançante, percebemos que este filme vai ser diferente. E quando aparecem os primeiros de muitos maus que querem roubar a misteriosa orbe (liderados por Djimon Hounsou), que parecem saídos de ‘Battlefield Earth’ (mas a gozar) então percebemos que o tom será cómico, sarcástico e com uma ponta de surreal, liberto (ou quase) de uma estrutura estereotipada – óptimo, no que concerne blockbusters de Verão.

Depois o filme marca pontos noutro sentido. Não é ambicioso na sua história. Mais simples não pode ser, o que é uma preocupação a menos para o público, que tem que levar, por vezes neste tipo de filmes, com arquitecturas argumentais bastante complicadas e cheias de twists. Aqui não há nada disso, o que habitualmente seria mau por ser pouco profundo, mas neste caso resulta bem, já que dá mais espaço para o humor, a acção e a exploração das personagens. A história, que consta de épicos espaciais de ‘Spaceballs’ a ‘Star Wars’, conta como o senhor do mal (extremamente mau – na onda de um Imperador Palpatine misturado com Darth Vader), deseja obter a orbe (que tem uma pedra dentro que dá um enorme poder a quem a detém), para assim subjugar a galáxia, começando pelo pacífico planeta Nova, cuja líder é Glenn Close e cujo chefe de segurança é um sempre alheado John C. Reilly. Simples, não? O único senão, a meu ver, é que há maus a mais. O senhor do mal Thanos que tem um capanga principal, Ronan (o actor Lee Pace) que o trai e usurpa o poder. Mas Ronan tem outros capangas, que depois têm eles próprios outros assalariados (como Hounsou), o que é inimigos a mais para os heróis e distrai bastante. Por mais storm troopers que tenha Darth Vader, nós sentimos a sua força como o epicentro maléfico ao longo de todo o filme (pelo menos no Star Wars original). O mesmo não se passa aqui com Ronan.

E como entram os nossos heróis nesta história? Star-Lord roubou a orbe simplesmente porque o contrataram para o fazer e desconhece o que ela contém. Quando a vai vender, os maus querem roubá-la, mas de repente, nessa mesma cena, aparecem mais personagens que se misturam na trama. Primeiro dois caçadores de prémios surgem porque querem capturar Star-Lord pela recompensa. Um deles é Rocket (voz de Bradley Cooper), um guaxinim super inteligente e com uma fantástica lábia (Cooper está brutal, e cada vez fico mais surpreendido com a forma como ele está a evoluir como actor). O outro é Groot, o músculo de Rocket, uma árvore antropomórfica que é o contraponto verbal visto que só diz três palavras (embora hilariante, desperdiçar a voz de Vin Diesel neste papel parece-me estúpido, já que a sua voz até está distorcida, ou seja, podia ser feita por qualquer pessoa). Juntos, são um daqueles duos de acção cómicos e memoráveis, como os Bad Boys ou os polícias da Arma Mortífera. Depois temos Gamora (a linda e talentosa Zoe Saldana, que parece uma Colombiana espacial, mas com a sua pele de Avatar), que quer impedir que a orbe caia nas mãos erradas, porque sabe mais do que aquilo que diz. A sequência onde todas estas personagens se misturam é bastante hilariante e dinâmica, e tem como consequência que todos acabem por ir parar à prisão espacial. Aí, ainda entra para o gang Drax (Dave Bautista), um pujante lutador que não quer saber da orbe para nada mas quer vingar a sua mulher e a sua filha, mortas por Ronan (uma versão espacial do Gladiador?!). 

Uma vez sabendo que a galáxia está em perigo, esta pandilha invulgar decide unir esforços para combater o senhor do mal. Depois da fuga da prisão, segue-se set piece atrás de set piece, com contornos clássicos, explosivos e extremamente ritmados, que levam os nossos heróis pelos vários lugares conhecidos dos fãs da ficção científica; planetas distantes, portos espaciais de reputação duvidosa (num deles, a orbe muda para as mãos do vilão), e finalmente o ataque aéreo contra a nave de Ronan, quando esta se aproxima perigosamente do planeta pacífico. E ao longo deste caminho, os Guardiões, que primeiro puxam cada um para seu lado, aprendem a lutar em conjunto, a confiar uns nos outros, à medida que evoluem emocionalmente e ficam em sintonia para os sacrifícios finais que têm inevitavelmente de ser feitos para derrotar as forças maléficas da galáxia. 

Lendo os parágrafos acima, pode parecer que ‘Guardians of the Galaxy’ é uma aventura espacial batida e já vista anteriormente. Reitero que isso é completa mentira. Isto porque, não obstante da sua linha argumental simples, e das suas personagens também simples (e que se assemelham sempre a algo que já se conhece), tudo soa a propositado, ou seja, a uma simplicidade estilizada para o bem do humor negro da peça. Sobre estes alicerces, o filme fica livre para se divertir, e como consequência divertir o público, libertando-se das amarras das convenções (pelo menos o suficiente para poder brincar com elas) e com uma pontinha de kitsch auto-consciência. A riqueza deste filme está então nos diálogos, nos apartes, na química entre os guardiões, e naqueles momentos preciosos em que cada um dá o ar da sua graça quando se digna a, usando uma expressão algo-saxónica, “kick-ass”. E como tudo é dado ao som de pop e rock clássico, e com a mestria visual que os estúdios Marvel detêm, o filme transforma-se num produto de entretenimento ímpar, tendo em conta a actual oferta de blockbusters de Verão.

Não fiquei muito impressionado com o final (nestes filmes, a construção é sempre tão épica que o showdown com o vilão não se destaca das outras sequências e por isso parece frouxo), e terminar com a mensagem ‘a aventura continua em breve’ enerva (sou um tipo muito nervoso, já se viu). Há bastantes actores conhecidos em pequenos papéis (Benicio Del Toro, Josh Brolin, e como disse Vin Diesel), mas são contribuições desnecessária, já que os papéis são demasiado pequenos e pouco impactantes. Não chegam bem a ser papéis e não chegam bem a ser cameos, e cada actor quer ter o seu momento para se divertir, por isso para mim são uma distracção. Repara-se isso bem logo no início, no genérico, que está cheio de nomes famosos precedidos de palavras como ‘with’, ‘featuring’, ‘and… as’, ‘also staring’. Tudo somado, não é isso que nos lembramos do filme, portanto para quê a exibição? OK, a Marvel é um grande estúdio e conseguiu arranjar grandes nomes. E depois? Nenhum deles é de uma personagem que constitui a alma do filme, por isso o seu contributo é bastante reduzido. Só se for para abrir caminho para serem eles próprios os actores principais de futuros spin-offs... E é uma pena igualmente que as personagens que efectivamente constituem a alma do filme sejam dotadas de alguns lugares comuns emocionais para esquecer. O segredo do passado de Star-Lord, ou o seu romance com Gamora, por exemplo, nem valem a pena serem mencionados. Estamos a ver isto pelo que lhes sai da boca e dos punhos, não pelo que lhes sai do coração. Por fim, também enerva (mais uma!), falarem inglês na galáxia inteira. Não há nem um único bicharoco a falar num dialecto esquisito. Senti-me roubado.


Mas resumindo e concluindo, ‘Guardians of the Galaxy’ é o melhor blockbuster americano que vi este ano a par de ‘The Lego Movie’. Não é filme para ganhar prémios (a não ser, mais que provável, uns MTV Movie Awards), não possui profundidade dramática, nem é uma comédia de partir o coco a rir. Mas é uma mistura extremamente bem conseguida entre a acção, o entretenimento, a rebeldia juvenil do século XXI, e um humor, se não inteligente, pelo menos com dois dedos de testa. E é um digno sucessor dos maiores épicos espaciais que conhecemos. Guerra das Estrelas do século XXI? É bem capaz. Aliás, tem mais o espírito da 'Guerra das Estrelas' do que algumas das prequelas oficiais desta saga, que George Lucas nos deu há uma década. A epicidade do ‘Episódio III’ e de 'The Avengers' misturou-se com a irreverência sarcástica de ‘In Bruge’, o selo de qualidade visual da Marvel e a realização irónica e estilizada de James Gunn. Maravilha. Quando fazer um blockbuster de super-heróis carregado de acção e feitos visuais se banalizou, ‘Guardians of the Galaxy’ prova que há sempre espaço para o género se poder re-inventar.

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Miguel. Portuense. Nasceu quando era novo e isso só lhe fez bem aos ossos. Agora, com 31 anos, ainda está para as curvas. O primeiro filme que viu no cinema foi A Pequena Sereia, quando tinha 5 anos, o que explica muita coisa. Desde aí, olhou sempre para trás e a história do cinema tornou-se a sua história. Pode ser que um dia consiga fazer disto vida, mas até lá, está aqui para se divertir, e partilhar com o insuspeito leitor aquilo que sente e é, quando vê Cinema.

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