Realizador: Wes Craven
Actores principais: Neve Campbell, Courteney Cox, David Arquette
Duração: 111 min
Crítica: Nos dias que correm, o que mais há são sequelas, remakes, re-invenções ou paródias daquele género de filme de horror, denominado ‘slasher’, que surgiu com pompa e circunstância na década de 1970 através de filmes como ‘Texas Chainsaw Massacre’ (1974) ou ‘Halloween’ (1978). Com tanto adolescente americano jeitoso (mas diga-se, com pouco talento em termos de actuação) a ser chacinado por um misterioso assassino em série (por amor de Deus, até Paris Hilton entra no remake de 2005 de ‘House of Wax’, que infelizmente vi no cinema porque me ofereceram um bilhete…), e com as infindáveis sequelas de ‘Scary Movie’, é por vezes muito fácil de esquecer o quão bom realmente foi o primeiro filme da saga ‘Scream’ (em português, ‘Gritos’), escrito e realizado por Wes Craven, quando surgiu em 1996.
Em plenos anos 1990, o género do slasher era pouco mais de que uma memória kitsch, e estava completamente perdido no meio de intragáveis sequelas desses filmes seminais concebidos pouco mais de uma década antes, inclusive pelo próprio Craven. O seu original ‘Nightmare in Elm Street’ de 1984 já contava, em 1996, com 7 sequelas; outras tantas tinha já ‘Friday the 13th’ (1980), enquanto que o ‘Halloween’ de John Carpenter já ia no quinto filme. ‘Scream’ foi muito mais do que um filme original de terror (ênfase na palavra ‘original’) perfeitamente enquadrado no estilo de cinema americano então feito para jovens dos anos 1990. Poderia ter sido um slasher feito no cumprimento de onda de ‘Clueless’ (1995) e o seu sucesso mediático estaria garantido na mesma. Mas ‘Scream’ recusou-se a ser isso e foi, quase surpreendentemente, um filme feito com uma enorme mestria e que demonstrou uma exímia inteligência. Ganha força com a sua auto-consciência, mas essa auto-consciência não o impede de ser um enorme pedaço de entretenimento. Olhando para o problema do ‘serial killer a matar jovens’ de uma forma fresca e inovadora, através de personagens cientes delas próprias e da história do cinema de terror (e as suas regras!), o filme alia humor, gore e blockbuster de uma forma que nunca tinha sido vista anteriormente. Misterioso mas não em demasia, engraçado sem se tornar forçado, com personagens credíveis e bem interpretadas (um elenco onde brilha Neve Campbell, Courtney Cox, David Arquette e Jamie Kennedy) o filme ‘Scream’ é um verdadeiro sucesso de Verão, mas ao mesmo tempo está no pedestal que ocupam os mais brilhantes filmes de terror.
Infelizmente, o que é bom e original não existe sozinho por muito tempo. Logo em seguida a moda dos slasher de adolescentes despoletou com filmes como ‘I Know What You Did Last Summer’ (1997), 'Urban Legend' (1998), ou o primeiro ‘Scary Movie’, 2000 (vá lá, temos de admitir que é um conceito relativamente original, muito embora copie quase cena a cena ‘Scream’). Com esta reacção da indústria, com o longo historial de sequelas associado aos filmes de terror e com o estrondoso sucesso de bilheteira do primeiro ‘Scream’, um ‘Scream 2’ era inevitável e apareceu muito naturalmente nem um ano depois. Admito que este filme ainda se consegue manter interessante e fresco a maior parte do tempo, o que é uma mais valia. Mas com a moda a amainar na passagem do milénio, um ‘Scream 3’ (2000) já soava um pouco forçado. E a verdade é que o filme é muito inferior, demasiado batido e com falta de energia. Este filme pareceu selar a tampa do caixão sobre a saga, que já estava completamente esgotada. Uma trilogia que tinha seguido o seu curso, e morrido honradamente, antes de se tornar mais um ‘Friday the 13th’.
O novo milénio até trouxe um ou outro filme de terror americano bastante interessante, como por exemplo o primeiro ‘Saw’ (2004), mas foi sol de pouca dura. O cinema americano apercebeu-se (como se apercebe de quando em quando), que fazer um remake exige menos esforço mental do que ter que desencantar algo original. E consequentemente, hoje o género de terror está de novo nas ruas da amargura, com remakes sangrentos, visualmente espalhafatosos e de má qualidade, como comecei por dizer. E se o ‘Scream’ original surgiu precisamente da necessidade de gerar uma sátira acutilante mas acessível, perante um panorama do cinema de terror em decadência, então pareciam estar reunidas as condições para que Craven (que entretanto tinha feito mais três filmes de terror: 'Cursed', 2005, 'Red Eye', 2005 e 'My Soul to Take', 2010) e a saga ‘Scream’ regressassem, usando o seu humor sarcástico e a sua auto-consciência para ridicularizar estes acéfalos remakes e mostrar aos amadores como a coisa se faz.
Portanto não é surpreendente quando ‘Scream 4’ se inicia e o espectador nota que as armas estão apontadas e o filme parece estar completamente preparado para executar essa tarefa. Na sequência de abertura, recupera-se ‘Stab’ (o filme dentro do filme que já aparece desde ‘Scream 2’ e cujas filmagens formaram o ambiente de fundo para ‘Scream 3’), e através dele, e das suas inúmeras sequelas (já vamos no ‘Stab 7’!) a crítica aos remakes pós ano 2000 é enviada sem qualquer subterfúgio e sem papas na língua (destaca-se, nesta sequência, o cameo de Anna Paquin).
Contudo, este extremamente interessante início sarcástico dilui-se, e o próprio filme parece ser vítima da mesma falta de originalidade, da mesma incapacidade de afastamento dos clichés, que está a atacar. Portanto, estará Wes Craven a fazer o maior produto irónico de todos, incorporando aquilo que repugna no seu próprio filme? Ou estará mesmo a saga ‘Scream’ tão seca que já não consegue, mesmo 11 anos depois do terceiro filme, deitar mais sumo? Digamos assim, ou Craven é um génio e está completamente acima do comum dos mortais na sua acutilância sarcástica, ou então a segunda opção é a mais viável…
Em linha com os mais recentes filmes slasher, ‘Scream 4’ parece ser um remake do ‘Scream’ original. 10 anos depois dos eventos de ‘Scream 3’, os assassinatos sangrentos recomeçam na pequena cidade de Woodsborough. Neste sentido, as estrelas sobreviventes dos filmes anteriores; Neve Campbell, Cortney Cox e David Arquette, surgem na cidade por uma desculpa ou por outra (nenhuma parece ter evoluído, quer como personagens, quer como actores). Sidney (Campbell) está lá a promover o seu livro, Dewey (Arquette) é o Xerife da cidade, e Gale (Cox) é agora a sua esposa. Mas é de salientar que as mortes não giram à volta deles, como nos filmes anteriores, e este filme revela um completo novo leque de personagens, mas que soam todas (nada vagamente) a familiar. É a sobrinha de Sidney (interpretada por Emma Roberts) que é agora o centro das atenções. À sua volta gira a sexy melhor amiga (Hayden Panettiere), o namorado sombrio e misterioso, e os dois geeks de cinema (destaque para Rory Culkin), todos da sua turma de liceu, elementos estes que existem em ‘Scream’. Há ainda uma jornalista oportunista (Scream 2), um polícia (Scream 3), e basicamente os mesmos tipos de personagens e os mesmos tipos de pistas falsas acerca de quem pode ser o assassino. Como conhecemos o trabalho de Craven, acreditamos piamente que vamos ter surpresas e portanto ficamos atentos, mas este enquadramento da acção não é nada, absolutamente nada, apelativo, a não ser, talvez, para quem nunca viu os três filmes anteriores.
E depois o filme desenvolve-se com uma estrutura demasiado desequilibrada. A primeira metade do filme está cheia de assassinatos, set piece atrás de set piece de pessoas sozinhas a irem investigar barulhos estranhos e espreitaram atrás de coisas, em vez de fugirem. Isto parece demasiado estúpido e incredível, até porque, derivado da omnipresente autoconsciência da saga, estas personagens secundárias parecem saber bem as regras, e aquilo que devem ou não devem fazer. Mas mal o assassino se aproxima delas, e os ‘barulhos estranhos’ começam, estas personagens tornam-se idiotas, e parecem esquecer-se das regras que elas próprias debitaram nem uma cena antes. E então lá vão elas investigar o barulho, completamente sós, e o desenlace é óbvio… banho de sangue. Nestas cenas uma aparição de Paris Hilton não destoaria nada...
Mesmo assim há ainda um ou outro pormenor interessante, mas que logo se desvanece. Inicialmente, a própria Sidney é incriminada dos primeiros assassinatos, mas ela nunca é suspeita por muito tempo. Ao mesmo tempo, Gale e Dewey regressam à investigação, ela para recuperar a velha chama, ele para a proteger e porque, não é verdade, é o Xerife, e a sua química, aquela química de investigação metade romântica, metade Scoby Doo, enche o ecrã por breves momentos. Mas depois continuamos a assistir a assassinatos e pistas para este e para aquele lado, em eventos quase paralelos ao filme original, sempre com dois grupos distintos de personagens, e portanto no meio disto tudo até os bons elementos existentes perdem o interesse.
Já a segunda parte do filme é um pouco mais inteligente e Craven injecta no filme uma vivacidade e um ritmo que, não o tornando uma obra-prima do terror é certo, ao menos torna-o cada vez mais interessante à medida que o clímax se aproxima. Assistimos ao grande evento jovem da cidade; a maratona dos filmes Stab (um paralelo à grande festa perto do final de ‘Scream’), onde o assassino anda à solta e Gale investiga com uma câmara escondida. Depois há o showdown em casa da sobrinha de Sidney, para onde as personagens convergem, onde há vários twists e o assassino é finalmente revelado. Quando isso acontece é de dizer que, à primeira vista, é bastante surpreendente. Obviamente que não estamos à espera que seja o namorado, como no ‘Scream’ original, mas a revelação é inesperada (pelo menos para mim), mesmo tendo em conta que, por esta altura, o leque de suspeitos já está consideravelmente reduzido. E melhor ainda é a moral que o filme parece estar a oferecer por esta altura, recuperando o espírito das sequências iniciais. O assassino cinematográfico moderno, parece dizer o filme, é um ser acéfalo que mata porque procura uma ascensão rápida para a fama, num mundo onde os proverbiais 15 minutos são tudo o que parece importar; a cara na televisão, o número de visualizações de YouTube, o like no Facebook. E do mesmo modo, os filmes por onde esses assassinos marinam também funcionam com intuitos semelhantes. Nestas sequências, Craven parecia estar finalmente a revelar o objectivo último de ‘Scream 4’.
Contudo, este desenlace apelativo que parecia estar a elevar o filme para outros patamares, nada mais é que um falso fim. De repente, o filme larga a sua bomba, o seu segundo twist, o seu suposto momento de glória para fazer o público suster a respiração, abrir a boca de espanto e depois aplaudir. Eu susti a respiração, abri a boca de espanto, mas não aplaudi. Para mim a primeira camada do fim é bem melhor que a segunda. Aliás, a segunda estragou-me o filme num momento em que estava bastante satisfeito com o seu desenlace. O verdadeiro desenlace da história, que se revela pouco depois, é para mim muito mais banal, muito mais batido, pior que os de Scream 1 e 2 (acho que qualquer coisa é melhor que o final de 'Scream 3') mas o filme termina bastante satisfeito com ele, o que me surpreende.
De qualquer modo, e sem debater muito este ponto para não revelar o final (o leitor pode julgar si) acho que ‘Scream 4’, nesta sua tentativa de sátira inteligente aos remakes, acaba por ser vítima dos mesmos erros, e está demasiado agarrado ao material original, que já está bastante gasto, e portanto nunca consegue ter grandes momentos próprios. Os twists finais acabam por ser originais e mais interessantes que os de contemporâneos filmes de terror, mas para lá chegar temos que passar por bastantes cenas de ‘assassinatos de vítimas inocentes’ sem uma pinga de originalidade, por personagens repetidas de filmes anteriores, e dezenas de diálogos de construção de personagem e desenvolvimento da história que ficam piores e piores a cada minuto que passa. Mesmo assim, entre um filme de Scream e qualquer outro destes remakes ou reboots das franchises (perdoem-me os estrangeirismos) que surgem agora aos magotes todos os anos, eu vou continuar a preferir um filme da saga ‘Scream’. Ao menos as personagens são engraçadas (às vezes), o assassino não mata só porque sim, é há um domínio das técnicas cinematográficas e da história do cinema de horror que passa para o público e que cai sempre bem. ‘Scream 4’ não é nada de especial, mas ao menos não é entretenimento desmiolado e sanguinário. Mas por favor, Craven, amigo, não faças um ‘Scream 5’. Já chega!
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