Ano: 1973 e 1974
Realizador: Richard Lester
Actores principais: Michael York, Oliver Reed, Raquel Welch
Duração: 105 e 108 min
Crítica: Nos dias de hoje o que mais há são filmes que são filmados de seguida, de uma ponta à outra, pelos mesmos actores, pelo mesmo realizador, e pela mesma equipa, mas que acabam por chegar às salas de cinema em duas ou mais partes, separadas umas das outras de alguns meses (Lord of the Rings, Twilight, o último Harry Potter, etc). Mas no início dos anos 1970 esta prática era raríssima, para não dizer inexistente. E então apareceu Richard Lester (o veterano realizador das excentricidades dos Beatles ‘Hard Day’s Night’ (1964) e ‘Help! (1965)) e a sua adaptação do mais famoso romance de Alexandre Dumas não num, mas em dois épicos filmes de 100 minutos, que foram filmados de seguida e lançados no cinema com um ano de diferença.
Isto não foi planeado de antemão, mas uma consequência da duração que o filme começou a ter durante a produção. Aliás, o elenco estelar foi apenas contratado para fazer apenas um filme, portanto quando descobriram que este iria ser espremido em dois, juntaram-se e puseram os produtores em tribunal, para receber um caché adequado para dois filmes!
Histórias à parte, esta adaptação do romance de Dumas distingue-se das infinitas outras que já foram feitas por um motivo muito particular. Basicamente, possui um tipo de humor muito peculiar e especial. Ver este filme faz recordar a forma quase surreal como George Lazemby fez de James Bond em ‘On Her Majesty’s Secret Service’ (1969, cuja crítica pode ser lida aqui). Os dois filmes existem no mesmo plano. Ambos são filmes sérios (isto é, não são comédias assumidas), mas possuem personagens que estão sempre perfeitamente cientes do auto-gozo e da parvoíce das suas acções e dos seus diálogos. Para alem do mais, ‘The Three Musketeers’ e ‘The Four Musketeers’ são filmes realmente engraçados, nunca de uma forma cliché. Cada cena possui sempre algum pormenor divertido, engenhoso e nunca gratuito, que permite que o espectador solte gargalhadas livremente.
O elenco, claro, é a jóia da coroa deste filme. Michael York interpreta um D’Artagnan analfabeto, que se assemelha a um espião das paródias de spy-fi. Isto significa que é trapalhão, algo burro, apela às personagens femininas com umas frases de engate absolutamente horríveis e super telenovelescas, mas é valente e luta bem, salvando o dia quase que por acaso. Richard Chamberlain é um sofisticado Aramis, Frank Finlay é Porthos, Oliver Reed brilha como Athos, e Christopher Lee é Rochefort. Mas apesar de uma interpretação completamente digna deste senhor do Cinema, acaba por ser completamente ofuscado, em termos de vilões, pela interpretação viperina de Charlton Heston como Cardeal Richelieu. Heston nunca foi tão maléfico num filme e é o centro de todas as cenas onde está.
Do lado das senhoras o filme ostenta deusas como Rachel Welch como uma idiótica Constante com muito pouco material no andar de cima (sendo que o tem noutros andares...), Geraldine Chaplin como a Rainha, e a magnífica Faye Dunaway como Milady, provavelmente a melhor interpretação do filme. Contudo fico sempre um bocado desapontado. Não sei se é dos penteados à la século XVII, ou as roupas largas (embora o realizador não tenha pudor em focar constantemente os peitos das suas belas actrizes...), ou então as carradas de maquilhagem, mas a verdade é que nenhuma destas deusas sexuais dos anos 1960 está muito sexy neste filme...
De qualquer das maneiras, este rol de estrelas confere alguma credibilidade à história clássica e batida da lenda de D’Artagnan. No primeiro filme, D’Artagnan vai para Paris seguir as pisadas do seu pai, tem o seu primeiro encontro com os três mosqueteiros e acaba por provar, mais cedo ou mais tarde, o seu valor, enquanto vai para a cama não só com as personagens principais mas também com as secundárias (por exemplo vai para a cama com a criada de Milady, que quase só aparece nessa cena, momentos antes de ir com a patroa). O argumento gira à volta do romance da Rainha com o Duque de Buckingham, e da forma com o maléfico Richelieu quer tirar partido desse conhecimento para exercer chantagem e aumentar a sua influência sobre o Rei. Existe um colar que o Rei deu à Rainha e que esta deu ao Duque, que ela terá de recuperar antes que o caso tome proporções quase de guerra entre os dois países. É aí que os mosqueteiros entram em acção, saltando entre França e Inglaterra, lutando contra as intrigas de Richelieu e as seduções de Milady. No final os mosqueteiros levam a sua avante e D’Artagnan ganha o seu lugar como mosqueteiro. No segundo filme, a guerra entre Inglaterra e França parece tornar-se uma realidade, ao mesmo tempo que existe uma trama secreta para matar o Duque, e Milady procura vingar-se de D’Artagnan raptando Constance.
Na realidade, estes dois filmes têm argumentos muito simples e fáceis de seguir (apesar de serem inspirados na sua maioria no romance de base), onde as cenas são apresentadas com um valor quase superficial e depois são praticamente atiradas fora para dar lugar às seguintes. É um filme que exige poucos ou nenhuns esforços de memória ou grande concentração. O que vai pontilhando o filme de emoção são as várias cenas de lutas, duelos de espadas e cenas de perseguição que se sucedem continuamente, todas elas contendo elementos com piada que negam seriedade ao filme. Os mosqueteiros são retratados como crianças que nunca cresceram, e o filme existe num universo paralelo, rico em humor inteligente. Só no final do segundo filme é que finalmente se atingem tons mais sombrios na história, mas o desfecho da saga rapidamente nos trás de volta ao tom humorístico que domina toda a trama.
No final, acabo por considerar que estes dois filmes são uma adaptação com notas máximas pela originalidade e pelo entretenimento. São blockbusters numa altura em que esse conceito ainda não existia, ao exibirem comédias de acção ligeira com um efeito extremamente apelativo, apesar de intelectualmente pouco estimulante. Um ‘Piratas das Caraíbas’ da década de 1970, passado na França do século XVII, que permite que durante 200 minutos o público se ria, desfrute as actuações sem esforço das grandes estrelas e seja entretido por uma história ligeira a bom ritmo. Ofereço já aqui ao leitor a minha cena preferida: quando D’Artagnan entra num quarto em que quatro guardas estão de pé em cima de um tapete, ele, tal mágico, tenta puxar o tapete para que os guardas caiam. Claro que nada acontece, a não ser que D’Artagnan fica com um pedaço do tapete rasgado na mão. Incrédulo, olha para o pedaço que ficou na sua mão, enquanto que um dos guardas diz com um ar de completa estupidez: “He tore our carpet!”. Um humor simples mas eficaz.
Fiel ao livro mas com liberdades adaptativas que lhe concedem um sentido humorístico único, esta adaptação não deve nada a ninguém e o seu tom provavelmente inspirou muitos blockbusters subsequentes. É bem melhor que a adaptação da Disney Pictures de 1993, com Chris O’Donnel, Charlie Sheen e Rebecca de Mornay. Confesso que não vi a versão de 2011 com Orlando Bloom, Mila Jovovich e Christoph Waltz, mas pelo trailer e pelo que se falou, também deve ser bem pior que esta double feature dos anos 1970.
Resta dizer que em 1989, o realizador e a maior parte do elenco (com mais uns aninhos e uns quilinhos) voltou para fazer ‘The Return of the Musketeers’, um fiasco crítico e comercial, com uma jovem Kim Cattrall (para quem não sabe a Samantha do ‘Sexo e a Cidade’) a fazer o papel da filha de Milady, num filme em que os velhos mosqueteiros são chamados de volta à acção para uma nova aventura. Eu não vi este filme (se o inicial é os 'Piratas das Caraíbas' da França do século XVII, este deve ser o 'Expendables'), mas se retém o tom e a essência do original (duvido mas posso estar enganado), então deve valer a pena, tanto como estes dois filmes valem a pena, dentro do seu contexto.
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