Esta crónica foi escrita nos primeiros dias de Janeiro de 2012. No início de 2013, a terminar a tese de doutoramento, não tive disponibilidade para escrever algo de semelhante, e pouco tempo depois disso (quando terminei a dita cuja) iniciei este novo projecto, Eu Sou Cinema. Prometo que no final deste ano não vai faltar uma crónica sobre os filmes vistos em 2013. Já agora, o leitor pode clicar no nome dos vários filmes que vou mencionando para ver as críticas já disponíveis.
Em 2011, pela primeira vez, decidi contabilizar os filmes que vi [uma prática que mantive até hoje, escrevendo sempre umas breves notas sobre cada um deles]. Pois bem, de 1 de Janeiro a 31 de Dezembro de 2011 vi nada mais nada menos que 371 filmes. Vá, vi 369 mais duas mini-séries que, em exibições épicas, podem ser consideradas como longas-metragens, se se tiver o estofo para as ver de seguida – as sete horas de ‘Os Mistérios de Lisboa’ (2010) e as dez horas do polaco ‘Dekalog’ (1989) (ou quase, pois, na realidade, ainda me faltam 3 episódios). A estes acrescem todas as séries, curtas-metragens e extras de DVDs e Blu-Rays que ainda fui vendo. Porque na verdade a minha vida não é isto (bem que podia ser mas ainda não arranjei o tacho), e há dias em que não há tempo para ver 2 horas de filme, portanto 20 minutos têm que servir para saciar o vício. Em suma, muitas horas passei em frente do ecrã.
A maior parte destes filmes vi-os no conforto de minha casa (sou um cinéfilo casívoro). 2011 foi um ano generoso, em que troquei o meu LCD HD-ready por um LED FULL HD 3D e um Home Cinema 5.1 Blu-ray 3D, e em que comecei a apostar no mercado dos blu-rays. Contudo, felizmente, estou ciente que a qualidade de exibição não é tudo, e os muitos filmes que tenho nos velhos VHS ainda me saciam (porque são bem bons!). Pouco mais de 30 vezes saí de casa para ir ao cinema (como quem diz ao shopping, agora que o Cinema Nun’Alvares na Rua de Guerra Junqueiro, tão pertinho de casa, voltou a fechar) mas isso na realidade não me tira o mérito, até porque o que actualmente chega às salas de cinema em geral (e às portuguesas em particular) poucos contributos dá à História do cinema. É mais estatística do que propriamente memorável.
O que eu gosto mesmo é de alternar filmes que já vi (muitos que conheço bem), com novas descobertas, e explorações de realizadores/actores/géneros a que ainda me falta ‘pôr o visto’, percorrendo toda a história do cinema, que, a pouco e pouco, preencho na minha cabeça e, a pouco e pouco, deixa de ter segredos para mim. Por motivos óbvios (ida ao cinema, exposição ao mediatismo) a década de 2000 (incluindo 2011) é aquela na qual foram feitos a maior parte dos filmes que vi. Foram 133, pouco mais de 1/3. Mesmo assim, vi cerca de 30 filmes por década desde os anos 1920, umas décadas mais (1920, 1960), outras menos, consequência dos ciclos que fiz e dos realizadores que quis explorar ou rever neste ano.
Em 2011 vi 125 filmes que já tinha visto pelo menos uma vez antes. Os restantes (mais de 250) vi-os pela primeira vez. Para além disso, houve 3 filmes que vi duas vezes, primeiro no cinema e depois em casa (por curiosidade foram eles o ‘Black Swan’, o ‘Rango’ e o ‘Love and other drugs’).
Foi um ano em que debrucei sobre os poucos realizadores que me faltavam conhecer. Vi o meu primeiro Fuller, o meu primeiro Ophulus, o meu primeiro Chabrol, o meu primeiro Lelouche, e não me desapontaram. Contudo, outros primeiros desapontaram (Kiarostamis, Téchiné). Foi também o ano em que revi muito da comédia muda. A minha obsessão por Chaplin é famosa e conheço bem toda a sua filmografia, mas este ano vi praticamente todas as curtas-metragens e filmes de Harold Lloyd, um trabalho que desconhecia quase totalmente, e revi a maior parte dos filmes de Keaton. Fiz ciclos de clássicos velhos conhecidos (Capra) e tive primeiros encontros (a maior parte dos filmes da Greta Garbo). Vi os preferidos que tento rever todos os anos (‘Quiet Man’, ‘Arsenic and Old Lace’), e tentei tirar a teima de filmes ‘famosos’ que na primeira visualização não me tinham saciado (‘Avatar’, ‘Fight Club’), ambos sem sucesso. Revi muita animação (o meu ‘guilty pleasure’), da Pixar, da Disney, dos estúdios Ghibli, e acabei o ano com Don Bluth. Vi (os poucos que me faltavam) e revi muitos dos restantes filmes que ganharam Óscar de Melhor Filme. Até arranjei tempo para ver os clássicos de ficção científica dos anos 50 (‘Invasion of the body snatchers’ é brutal) e os 4 filmes do Matt Helm (imaginem!). E no Verão comecei a (re)ver todos os filmes do Hitchcock, um por semana, por ordem cronológica. Ainda vou a meio da sua carreira, mas os filmes que me faltam já os conheço bem. Hitchcock tornou-se o segundo realizador de carreira extensa, depois de Woody Allen (qualquer um consegue ver todos os filmes de Leone, Mallick ou Kubrick), do qual eu já vi todos (e eu quero dizer todos) os filmes.
Foi um ano de (poucas) surpresas e de (muitas) desilusões. O filme ‘The Dresser’ (1983) de Peter Yates foi a maior e melhor surpresa, um filme absolutamente brilhante e poderoso que entrou directamente para o meu top dos melhores de sempre. Obras como ‘Vivre pour vivre’ (1967) ou ‘Man of the West’ (1958) foram filmes que vi pela primeira vez e que eram tão bons, mas tão bons, que me ficaram marcados. Vi pela primeira vez outros filmes muito bons como ‘Harold and Maud’ (estranho mas num patamar incrível), ‘Little Big Man’ (hilariante), ‘The Lodger’ (tecnicamente perfeito), ‘Salaire de la peur’ (o filme que (re)inventou a tensão), ‘Moon’ (boa estreia de um realizador contemporâneo), ‘Don’t look now’ (inquietante), ‘Dead of Night’ (Ealing nunca desaponta), ‘Kiki’s delivery service’ (uma pérola escondida de Miyasaki) ou ‘Bedazzled’ (o original dos anos 1960, claro, para quem aprecia o bom humor inglês). Vi também a filmografia completa de Wallace and Gromit. Numa palavra: genial.
Outros foram uma decepção enorme. O filme ‘Bullit’ (1968), tão reputado e que eu, por uma razão ou por outra, nunca tinha visto, mas pelo qual sempre havia ansiado, provou ser um enorme e valente cura para insónias, com uma ‘famosa’ cena de perseguição automóvel que, nas palavras da minha namorada, ‘parecia um par de velhinhas a conduzir’. O filme ‘Winter’s Bone’, nomeado para os Óscares em Fevereiro de 2011, foi outra decepção, dengoso, moroso e com muito pouco conteúdo (ai Academia, Academia…). Outros filmes péssimos que vi este ano foram ‘Vertical Limit’ (diálogos para atrasados mentais), ‘Sherlock Homes’ (deturpar um clássico com falta de qualidade e, pior, com falta de classe), ‘Dinossaur’ (forte candidato ao pior filme da Disney), ‘The Fighter’ (meu Deus, que cambada de clichés para americano ver), ‘Mistérios de Lisboa’ (actores péssimos, filme filmado como um livro, história incompreensível), ‘Caramel’ (é sempre mau um filme que me obrigara a fazer outras coisas enquanto o estou a ver pelo canto do olho), ‘Caravagio’ (uma coisa é arte, outra coisa é nada) ou ‘Jumper’ (o quão baixo Hollywood pode ir). E para não me acusarem de dizer mal só de filmes modernos, tenho a dizer que vi dois filmes do grande realizador Fritz Lang, cujo trabalho adoro (M, Metropolis, Woman in the Window), que eram péssimos. Verdade que foram os últimos da sua carreira, 20 anos depois das suas obras-primas, mas mesmo assim eram horríveis. ‘Der Tiger von Eschnapur’ e a sua sequela ‘Das indische Grabmal’ (ambos 1959) são filmes que certamente não reverei.
Por outro lado encontrei surpresas onde nunca esperaria, cortesia das novas tecnologias. Rever ‘The Sound of Music’ em Blu-ray, em full HD e com som 7.1, foi uma experiência única e fabulosa. Parecia que estava a ver o filme pela primeira vez. ‘Dr. No’, nas mesmas circunstâncias (substituindo o meu velho VHS original comprado há mais de 10 anos), provou ser uma incrível experiência visual. Outros filmes já não os revia há tanto tempo que praticamente me tinha esquecido o quão bons eram. ‘American Tail’, um filme que já não via desde a minha infância, foi uma experiência lindíssima, que só o cinema pode proporcionar.
E quanto aos filmes portugueses o nível baixo mantém-se (‘Second Life, ‘Outra Margem’, ‘Mistérios de Lisboa’). Vá, tive uma boa surpresa com ‘Call Girl’, mas foi pequenina.
Por fim falo dos filmes de 2011. Como disse, fui cerca de 30 vezes ao cinema. Não é muito, mas tentei ver os supostos grandes êxitos do ano, embora recentemente pouca vontade tenho de me deslocar até um cinema. A qualidade americana decresce cada vez mais, e do que as nossas salas estão cheias é desta suposta qualidade, que na realidade é medíocre. É o chamado nivelamento por baixo. Pior ainda é chegar agora à época de prémios e ver filmes banais como ‘Ides of March’ nomeados para melhor filme! E ver ‘Cars 2’ nomeado para melhor filme de animação é um ataque à inteligência, das crianças e dos adultos!
Sim, este ano teve obras primas, mais precisamente 4 (poderá eventualmente ter tido mais, como disse nem uma vez por semana fui ao cinema): ‘Tree of Life’, ‘Black Swan’, ‘La Piel que Habito’, e ‘Drive’ [entretanto já descobri mais uns quantos]. Estes são os filmes do ano. Quatro é um número patético, para uma indústria que se auto congratula pela sua qualidade. Mas já deixei de me preocupar. Porque posso chegar a casa e pegar num dos meus 1500 VHS, DVDs ou Blu-rays e maravilhar-me com uma pérola feita há 60 anos que poucos agora sabem que existe. Mas eu sei. E isso é suficiente. E se puder compartilhar um pouco desse conhecimento com aqueles à minha volta que não se importam de me aturar, até durmo um pouco mais feliz.
Apresento o ranking de todos os filmes que fui ver a uma sala de cinema em 2011, por ordem decrescente de qualidade.
1. Tree of Life 2. Black Swan 3. La Piel que Habito 4. Drive 5. Midnight in Paris 6. Rango 7. Habemos Papam 8. Transformers 3: Dark of the Moon 9. Tropa de Elite 2: O Inimigo agora é outro 10.Winnie the Pooh 11.Rise of the Planet of the Apes 12.Love and other Drugs 13.Hereafter 14.Colombiana 15.Johnny English Reborn 16.Tower Heist 17.Puss in Boots 18. X Men: First Class 19. The Adventures of Tintin: the Secret of the Unicorn 20. Kung Fu Panda 2 21. Source Code 22. 127 Hours 23. Rio 24. King’s Speech 25. The Ides of March 26. A Dangerous Method 27. Scream 4 28. Pirates of the Carebean 4: On Stranger Tides 29. Captain America: the First Avenger 30. Morning Glory 31.Cars 2 32. You Will Meet a Tall Dark Stranger
2012 entra com poucas promessas. A maior parte dos filmes em carteira são sequelas. Duas prometem, o terceiro Batman de Nolan e o ‘Hobbit’. E a estes acresce ‘The Artist’, que já estreou pelo Mundo mas não em Portugal. É triste quando se entra num ano com a expectativa de ver apenas 3 filmes no cinema. Bem, no ano passado entrei com a expectativa de ver apenas 2 (Tree of Life e Black Swan) e descobri mais 2. Portanto, pode ser que no fim deste ano a contagem já suba para 6. Isso já me faria feliz. Mas faz-me ainda mais feliz saber que ainda tenho maravilhas para descobrir nos quase 100 anos do Cinema. Falta-me descobrir poucos é verdade, mas mesmo quando esses acabarem há uma coisa que nunca me faz perder a fé. É sempre bom rever um bom filme. E um bom filme é sempre bom.
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