Realizador: Robert Rodriguez, Ethan Maniquis
Actores principais: Danny Trejo, Michelle Rodriguez, Robert De Niro
Duração: 105 min
Crítica: Machete é o Homem (‘the man’ como dizem em inglês). Machete é uma explosão de testosterona anti-heróica com o rosto, não sedutor como é costume em Hollywood, mas agastado pelo tempo, o que só lhe dá mais credibilidade no seio da total fantasia em que existe. Machete é tão cool e espectacular que faz com que tipos como o James Bond, o Rambo, o Chuck Norris ou o Barney Stinson pareçam um monte de colegiais assustadas. Machete é Danny Trejo, e é a personagem mais espectacular que Robert Rodriguez alguma vez concebeu.
Na realidade, Machete não se estreia neste filme de 2010. Danny Trejo interpretou Machete nos filmes infantis do Spy Kids (2001, 2002, 2003, 2011, escritos e realizados por Rodriguez) como uma espécie de Q trocado por miúdos, mas com gadgets muito mais espampanantes e explosivas. Mas o verdadeiro Machete como hoje o conhecemos surgiu em 2007. Quando Tarantino e Rodriguez conceberam as duas partes de ‘Grindhouse’ (‘Death Proof’ e ‘Planet Terror’) criaram uma série de trailers a fingir para as transições. O trailer que Rodriguez criou foi o do filme fictício e absolutamente aberrante ‘Machete’. Eu lembro-me de ver este trailer na altura e de ficar completamente vidrado nesta personagem, na acção e nos brilhantes ‘one liners’ que o trailer de 3 minutos oferecia. E não fui só eu. Toda a comunidade da internet ficou rendida a um trailer de um filme que não existia, e creio que este é um fenómeno único na história do cinema. O sucesso foi tanto que Rodriguez decidiu realmente fazer o filme. Quando foi anunciado que o filme estava em produção, todos os adoradores de acção insana mas consciente, de filmes como a trilogia do Mariachi (também de Rodriguez), ficaram a roer as unhas. E finalmente, em 2010, ‘Machete’ chegou as salas de cinema.
‘Machete’ é tudo o que Rodriguez prometeu que seria, e muito, mas muito mais. Quando a última cena acabou, as luzes se acenderam e os créditos começaram a rolar, eu e os 2 amigos com quem vi este filme pela primeira vez no cinema estávamos ainda, literalmente, a ‘partirmos-nos a rir’ da última piada do filme, e continuamo-nos a rir à medida que saímos da sala, atravessamos o shopping e descemos até ao parque de estacionamento, repetindo frases do filme, relembrando excitadamente as cenas mais marcantes, repetindo palavras como ‘espectacular’, ‘brilhante’, ‘fantástico’ e rindo-nos mais um pouco. ‘Machete’ funciona assim. É daqueles filmes que ainda ficam mais espectaculares se os virmos numa sala tendenciosa e receptiva a este tipo de produção, onde cada piada gera um efeito bola de neve, onde cada cena de acção surreal e sangrenta tem que ser partilhada. Por exemplo, eu vi ‘Hangover’ pela primeira vez sozinho em casa e não lhe achei excessiva piada. Estou seguro que se o tivesse visto no cinema com os meus 2 amigos teria uma opinião diferente. ‘Hangover’, tal como ‘Machete’, depende da dinâmica de grupo, para que cada espectador baixe as defesas e não se recuse a aceitar as piadas mais estúpidas ou a acção mais ‘gore’.
Mas as nossas risadas não surgiram porque o filme era uma comédia, com piadas “ahahaha” que se arrotam e se dissipam rapidamente. Não, eram risadas de espectacularidade, de respeito, de satisfação machista por o filme ser tão, usando outro estrangeirismo, ‘awesome’. Eu, e todos os leitores, já vimos muitos filmes com este género de história, e com este género de personagem principal, todos eles de fraquinha qualidade. Estou a falar dos filmes de Norris, Stallone ou Steven Seagal em que um homem-exército sem necessariamente estar no lado certo da lei toma a si uma luta desproporcional contra as forças do mal e faz explodir tudo o que está no seu caminho para chegar ao seu objectivo. Mas a diferença aqui é que Rodriguez está perfeitamente ciente do material que está a mostrar, não o tenta misturar com arte ou drama, mas simplesmente mostrar a acção pela acção, o ‘gore’ pelo ‘gore’, e quanto mais exagerado estiver melhor, e mais ‘cool’ será o resultado final (para isto é auxiliado por Ethan Maniquis, técnico de montagem e de efeitos visuais a quem Rodriguez concede também, para este filme, o crédito de realizador). Rodriguez incute uma ironia muito inteligente ao seu filme, exagerando em tudo mas sem entrar pelo reino da parvoíce pura, e dando um sentido cómico à clássica história lamechas dos filmes deste género, que apenas existe para justificar as cenas em que Machete mata tudo o que respira da forma mais espectacular que alguma vez foi filmada, deixando todo o público de boca aberta (quer se ache repelente, quer se aplauda).
Danny Trejo nasceu para o papel. O ex-presidiário que entrou por acaso no cinema (como extra em ‘Runnaway Train’) e que foi sendo promovido de fazer de capanga ou de presidiário para entrar em filmes de Michael Mann ou Rodriguez, é a única escolha possível para Machete. É inconcebível que outro actor o possa fazer, e levar a sua avante. Trejo tem uma coisa que é muito rara no cinema de hoje em dia. Tem carisma. E Machete é uma personagem cheia de carisma. ‘He gets the women’ ostenta o trailer fictício. Sim, com aquela cara, Machete tinha de ter uma presença especial para conseguir isso. Com uma arma em punho (seja ela de tiros, ou uma serra eléctrica ou uma catana – a machete do título), Trejo é uma presença cinematográfica completamente viciante e hipnotizante.
A sequência pré-créditos mostra como Machete, um polícia federal Mexicano, é atraiçoado pelo seu companheiro, a soldo dos traficantes, e assiste à morte da sua mulher e do seu filho. Machete consegue escapar, jura vingança e vai para os Estados Unidos esconder-se, mantendo-se debaixo dos radares como mero trabalhador de construção civil, a aguardar o seu momento. O argumento do filme anda à volta da imigração ilegal para os Estados Unidos e do tráfego de pessoas. Michelle Rodriguez é a líder de um movimento clandestino que ajuda imigrantes ilegais a integrarem-se nos Estados Unidos. Por outro lado, os mauzões querem acabar com este movimento, construir uma cerca eléctrica na fronteira e recambiar ou matar todos os imigrantes. O triunvirato de mauzões é composto pelo político texano (Robert de Niro, com um incrível timming cómico, principalmente na última cena), o contacto (Jeff Fahey) e o carrasco (Don Johnson, que tem um crédito de ‘apresentando’?! tal como Charlie Sheen tem em ‘Machete 2’!). Mas atrás destes três homens está o verdadeiro cérebro, a mexer os cordelinhos. Nenhum outro senão… Steven Seagal (!!!!) no seu primeiro papel de mau de sempre (com um sotaque espanhol tão mau que chega a ser bom). Do lado dos bons está ainda uma sexy polícia interpretada por Jessica Alba e o irmão de Machete, um padre que não tem medo de pegar numa caçadeira se for caso disso (Cheech Marin, actor habitual dos filmes de Rodriguez).
Quando deNiro, para ganhar votos e fazer aprovar o seu projecto lei, finge ser vítima de um atentado, Machete é acusado pela segunda vez de um crime que não cometeu. Aí o público apercebe-se do terrível erro que os mauzões cometeram e que os tempos em que Machete mantinha o ‘low profile’ acabaram. Esperava o momento da sua vingança. E esse momento é agora. Machete toma conta da situação, com o seu estilo próprio! E é nesta altura que milhares de homens esfregam as mãos de contentes e se refastelam na cadeira, aguardando as brilhantes explosões de acção que afogam o ecrã. E quando Machete descobre que estes mauzões são os mesmos que o tramaram no México, bem, aí as coisas ainda ficam mais quentes… e mais sangrentas… e mais espectaculares! Como se isto não bastasse, Machete ainda tem tempo para ir para a cama com as mulheres todas que se cruzam pelo seu caminho: Rodriguez, Alba e quer mulher quer filha (ao mesmo tempo) da personagem de Fahey. A filha deste é interpretada por Lindsay Lohan (um papel de rebelde claramente inspirado na sua vida real).
A história base de ‘Machete’ é algo batida e não muito profunda, seguindo a linha de ‘vingança que desemboca em violência explosiva’ tão natural dos filmes de acção. Alguns dos diálogos são simplesmente maus de mais para serem verdade, e são ditos com muito pouca convicção pelo leque de grandes actores. Para além do mais algumas cenas têm estruturas pouco trabalhadas, cortes demasiado rápidos e fica a parecer que falta qualquer coisa, como se alguns frames tivessem sido apagados sem querer. Mas se se olhar com atenção, nota-se que estas são as cenas que figuravam no tal trailer fictício. Reza a lenda que Rodriguez filmou metade do filme quando estava a divertir-se a fazer este trailer, e que quando filmou o filme ‘a sério’ apenas filmou as cenas que lhe restavam, ou seja, não voltou a revisitar as cenas que já tinha. Se acreditarmos que assim foi, isto parece justificar porque é que nessas cenas parece que faltam elos de transição e de continuidade. Mesmo assim, estas cenas piores são completamente esquecidas logo que Machete pega nas suas facas e nas suas armas e vai fazer justiça pelas próprias mãos. As cenas em que Machete ataca são absolutamente fabulosas. O filme tem dezenas de momentos de “Oh meu Deus não acredito que ele acabou de fazer isto”, tal como quando Machete arranca os intestinos de um indivíduo e o atira janela fora, prendendo os ditos como se fossem uma corda. Mas o que se destaca em ‘Machete’ é que nada disto é gratuito. É tudo imbuído de espectacularidade (mesmo que a atirar para todos os lados e a roçar o insano) e de uma elegância estética digna de qualquer clássico do cinema ‘gore’ (e aqui o papel de Maniquis, que havia sido director de efeitos visuais em 'Sin City' deve ter sido fundamental). Para além do mais há hilariantes ‘one liners’ que fariam inveja a Bond e fantásticas cenas de luta, como disse.
‘Machete’ é um filme a extravasar de testosterona para homens que pretendam ver o herói de acção mais espectacular da história do cinema a matar mauzões às dúzias de cada vez, engatando as mulheres e salvando o dia. É o perfeito mercenário, não tem escrúpulos para fazer coisas menos legais para conseguir fazer o bem no final, isto é, obviamente, se puder tirar daí uma recompensa. Não é bem parecido mas tem carisma e não há nenhum van Damme ou Stallone que seja uma máquina de luta tão bem conseguida. E ninguém manejou uma catana ou uma serra eléctrica no cinema com este à vontade e de uma forma tão satisfatória para o público à busca deste tipo de emoções. ‘Machete’ é o filme perfeito para conseguir tudo isto, num único pacote. Todos os outros são lamechas em comparação.
Se ‘Desperado’ (1995) é bom, se ‘Sin City’ (2005) é tecnicamente brilhante, ‘Machete’ é provavelmente o melhor filme que Rodriguez fez, porque o fez com prazer, com gozo, com perfeita consciência. Satisfaz apenas um público selecto, é certo (as restantes pessoas não encontrarão aqui absolutamente nada de interesse e acharão tudo extremamente ofensivo e de mau gosto), mas esse público, esses fãs fieis, descobrirão que nunca fizeram uma viagem cinematográfica como esta. É um filme de comédia/acção fabuloso, e a maior paródia aos filmes de acção/vingança/anti-herói alguma vez feita. Machete é uma personagem poderosíssima que surge do mais improvável dos actores. Só Rodriguez para se lembrar de uma coisa destas. O Troublemaker Studios nunca fez tão jus ao seu nome.
Na altura ri-me imenso com as piadas finais “Não percam em breve… ‘Machete Kills’… e ‘Machete Kills Again… In Space’”. Mais uma coisa que começou como uma piada e acabou em filme. ‘Machete Kills’ estreia esta semana. E, tudo o aponta, vai ser bom… vai ser muito bom…
(Afinal não foi nada, mas mesmo nada bom. Pode ler tudo aqui, na crítica de 'Machete Kills')
(Afinal não foi nada, mas mesmo nada bom. Pode ler tudo aqui, na crítica de 'Machete Kills')
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