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Prince of Persia: The Sands of Time

Ano: 2010

Realizador: Mike Newell

Actores principais:  Jake Gyllenhaal, Gemma Arterton, Ben Kingsley

Duração: 116 min

Crítica: Todos os Verões o Walt Disney Studios em parceria com o icónico produtor de acção Jerry Bruckheimer (produziu ‘Thief’, ‘Top Gun’, os filmes de Michael Bay e tantos outros) apresenta-nos, com a regularidade de um relógio suíço, um dispendioso e espalhafatoso blockbuster de acção. A parceria tornou-se uma tradição depois do estrondoso sucesso dos filmes dos ‘Piratas das Caraíbas’ (2003, 2006, 2007) e, muitos milhões arrecadados na bilheteira depois, prosseguiu com filmes como ‘King Arthur’ (2004), ‘National Treasure’ (2004) ou ‘G Force’ (2009). Após ‘Prince of Persia’, a colaboração continuou até aos dias de hoje com ‘The Sorcerer's Apprentice’ (2010), o quarto Piratas (2011) e ‘Lone Ranger’ (2013). Estes filmes aventureiros tornaram-se exímios em misturar histórias facilmente digeríveis, ricas em elementos fantasiosos, escapistas e engraçados, com efeitos especiais de topo e uma acção simpática e apelativa, ou seja, aquela onde raramente se vê uma pinga de sangue e os vilões são atirados para o lado sem necessariamente perecer. Resumindo, estamos a falar do entretenimento cinematográfico familiar por excelência, que começou com os filmes de Douglas Fairbanks nos anos 1920, amadureceu com ‘Gunga Din’ (1939), foi transportado para a era moderna por ‘Indiana Jones’ e atacou o novo milénio com as sagas da ‘Múmia’ e dos ‘Piratas das Caraíbas’.

Se for bem feito, não há nada de errado com este tipo de entretenimento, que pode não proporcionar o drama nem a arte, mas proporciona todo o espectáculo de que o cinema de Hollywood é capaz. E de vez em quando, depois de um longo dia de trabalho, só temos cabeça para fugirmos para esses universos fantasiosos. Mas há uma fina linha entre um blockbuster de acção familiar de qualidade e um que cai na teia do entretenimento acéfalo, dos diálogos kitsch, das fórmulas estereotipadas. ‘Prince of Persia’ é um filme que se balanceia precariamente em cima dessa linha. Nunca conseguirá sair (nem quer) desse molde estereotipado de ‘blockbuster familiar de Verão’ onde os próprios produtores o colocaram, mas por vezes tem rasgos de inteligência que têm de ser reconhecidos.

Antes sequer de se começar a ver o filme propriamente dito, há logo duas coisas que o distinguem. Primeiro é a inspirada, embora à primeira vista surpreendente, contratação do experiente realizador britânico Mike Newell. Não é que alguma vez tenha visto um filme de Newell a que pudesse dar o epíteto de obra-prima, mas a versatilidade que já demonstrou dá imenso jeito quando se pretende gerir um produto da natureza de ‘Prince of Persia’ onde se quer tudo e mais alguma coisa. O seu maior sucesso internacional é provavelmente a comédia romântica ‘Four Weddings and a Funeral’ (1994), mas também é o homem por detrás do filme de gangsters ‘Donnie Brasco’ (1997), do drama de época ‘Mona Lisa Smile’ (2003, já criticado em Eu Sou Cinema) e até, imagine-se, um dos Harry Potters: ‘The Goblet of Fire’ (2005). Se este último filme provava que Newell não era estranho a abundantes efeitos especiais, pessoalmente creio que foi a sua longa ocasional colaboração com a série televisiva ‘Jovem Indiana Jones’, para a qual realizou vários episódios desde os anos 1990, que mais o adequou ao tom e ao estilo que se pretendia para esta aventura, que partilha bastantes semelhanças com os universos da ‘Múmia’ e do próprio ‘Indiana Jones’. E não estou só a falar da areia…

Segundo, convém também destacar, como muitos saberão, que o filme é baseado no popular jogo de computador (que eu bem me lembro de ter jogado no início dos anos 1990…). Se a Disney conseguiu transformar uma ride do seu parque de diversões (Piratas das Caraíbas) numa das mais bem-sucedidas franchises da história do cinema, então porque não tentar manobra semelhante com um jogo de computador? Longe estamos dos tempos das primeiras adaptações kitsch (quem se recorda do ‘Super Mario Bros’ de 1993 com Bob Hoskins?), e a manobra de ‘Final Fantasy’ (2001), usando motion capture foi altamente criticada (embora nem uma década depois filmes como ‘Bewoulf’ ou ‘Avatar’ tenham sido louvados usando tecnologia análoga). As adaptações de jogos de computador aprenderam a lição e decidiram transformar-se em filmes de acção, satisfazendo assim uma enorme legião de fãs. Recordemos o mais ligeiro ‘Tomb Raider’ (2001, 2003), os mais negros ‘Hitman’ (2007) e ‘Max Payne’ (2008), e a altamente bem sucedida saga de Resident Evil (2002, 2004, 2007, 2010, 2012). 

‘Prince of Persia’ quer herdar um bocadinho de todos estes aspectos, mas seria injusto dizer que não atinge nada. Na realidade, tenho sentimentos contraditórios relativamente a este filme. Verdade que é uma mistura, por vezes atabalhoada, de uma série de fórmulas que já resultaram anteriormente, e a história e as personagens não são mais do que uma completa repetição de elementos que o espectador já viu (em teoria de uma forma melhor) em filmes como ‘Piratas das Caraíbas’, ‘Indiana Jones’, ‘Tomb Raider’, ‘A Múmia’, e até ‘Aladino’ e as restantes adaptações da história do ladrão de Bagdade (terá sido a areia que os confundiu?!). Mas por outro lado não podemos julgar este filme pelos critérios normais. Temos de pensar que a sua ambição não é artística, mas a do entretenimento. Temos de pensar que não está feito para durar, para ser revisto daqui a 50 anos, mas para saciar o gosto do público contemporâneo e ganhar bom dinheirinho na bilheteira. Portanto, para criticar um filme destes temos de pensar não se o argumento é bom ou tem lógica, mas se é suficiente para suster a aventura, e se a acção, a espectacularidade, a fantasia e o entretenimento satisfazem. E é aí que ‘Prince of Persia’ começa a revelar o seu, mesmo que parco, valor.

Ao contrário de outros blockbusters que vi no cinema nesse mesmo Verão de 2010, como ‘Robin Hood’ ou ‘Iron Man 2’, ambos que gostei muito pouco, em ‘Prince of Persia’ os diálogos conseguem ser suportáveis, as personagens são minimamente engraçadas e apelativas, e as sequências de acção e de luta estão extremamente bem feitas (com um travo de parkour) e surgem de todos os lados a um ritmo inebriante. Tanto, que podemos desculpar, e até momentaneamente esquecer, a habitual história pouco imaginativa. Foi precisamente este aspecto que aplaudi a semana passada em ‘Mission Impossible 5: Rogue Nation’. O entretenimento da acção é suficiente para se sobrepor à ausência de um história digna desse nome, e o espectador fica livre de se encostar na cadeira (ou no sofá, se o vir num domingo à tarde em casa) e simplesmente desfrutar do espectáculo.

Misturado a história de muitos filmes ‘sword and sandals’, de ‘Dez Mandamentos’ a ‘Aladino’, aqui o príncipe da Pérsia, Dastan, tem origens humildes (talvez para que o público se identifique mais com ele). Órfão, vivendo na rua, através de uma série de felizes circunstâncias é adoptado pelo rei e criado como se fosse o seu próprio filho. Umas cenas mais à frente, já é um adulto musculado e um dos melhores guerreiros do reino (um Jake Gyllenhaal com muitas horas de ginásio mas com um carisma simpático bastante apelativo – quem diria que daria um herói aceitável de blockbuster?!). Como seria de esperar os seus meios irmãos (o grande Richard Coyle e Toby Kebbell) tem um misto de inveja e desdém dele, sentimentos esses extremamente forçados. Mesmo quando as provas são inequívocas eles nunca acreditam que Dastan lhes está a contar a verdade. Nunca! Só porque é o meio-irmão pobre… Mas o verdadeiro vilão, directamente de Hamlet, é o seu tio perverso Nizam (Ben Kingsley em piloto automático, o que no caso dele nunca é mau), que quer conquistar o trono e quiçá o Mundo. Sob a sua influência nefasta, o rei decide conquistar a cidade de Alamut, e é lá que Dastan, o insuspeito herói da conquista, vê pela primeira vez a princesa Tarmina (a bela e talentosa ex-Bond girl Gemma Arterton que no mesmo ano fez o simpático ‘Tamara Drew’). Tarmina inicialmente é empertigada, como seria de esperar, mas o pormenor mais importante é que é a guardiã de um antigo artefacto, uma adaga misteriosa com poderes mágicos, que de momento permanece ainda em segredo.

Nessa noite, na celebração da conquista, o rei é assassinado e é precisamente Dastan que é incriminado e acusado. Pouco depois foge, e sem escolha tem de levar a bela princesa consigo. O que se segue é um road movie aventureiro pelo deserto, em que o engraçado e charmoso herói e a princesa mimada têm de pôr as suas divergências de lado por uma causa comum e onde, claro está, o seu ódio mutuo eventualmente vai derreter-se em amor. Ele quer ilibar o seu nome e apanhar os verdadeiros assassinos do pai adoptivo. Ela quer recuperar a adaga que passa o filme a alternar entre as mãos dos heróis e dos vilões. Cedo se descobre que as histórias estão interligadas, e que toda a conquista da cidade foi apenas um engodo para tentar roubar a adaga. Esta é nada mais nada menos que uma máquina do tempo, e, nas mãos erradas, pode ser usada para destruir o mundo como o conhecemos. Muahaha! Lamentamos notar contudo que este artifício é muito, mas muito semelhante àquele usado no primeiro ‘Tomb Raider’ (2001), e lamentamos ainda a falta de originalidade ao explorar as potencialidades do conceito ‘máquina do tempo’. Por exemplo sabemos perfeitamente que vai haver uma altura qualquer em que alguém vai morrer e que o nosso herói vai usar a adaga para voltar atrás no tempo e salvá-la. Já desde ‘Superman’ (1978) que fazem isso, ‘Tomb Raider’ incluído. E aqui, com enorme falta de originalidade, acontece precisamente isso. Previsível.

Enumero mais coisas que me enervaram. Primeiro, embora o tom e a qualidade da fotografia seja bastante interessante, no início os efeitos especiais são extremamente forçados (parece que recuamos até aos anos 1990), e é preciso passar algum tempo de filme até se tornarem dignos (estariam a tentar fazer uma subtil homenagem ao videojogo?!). Segundo, porque é que tentam falar todos com sotaques ingleses e de uma forma solene? Ou falam a língua original (a artimanha usada por Mel Gibson em ‘Passion of the Christ’), neste caso árabe ou persa, ou então, se converterem para inglês, vai dar tudo ao mesmo, não? Não há necessidade de andarem para aí a falar como se estivessem a debitar Shakespeare só para dar a ilusão ao americano comum de que estão a falar uma língua antiga… Terceiro, eu sei que isto é um blockbuster, eu sei que o público não paga um bilhete para vir pensar para um filme destes, mas por amor de Deus, o filme é suficientemente interessante e o argumento tem algum cérebro (o que é raro neste tipo de filmes) portanto não há necessidade nenhuma de explicar tudo tintim por tintim. Da primeira vez que Gyllenhaal usa o poder da adaga e faz uma breve viagem no tempo, acaba a falar sozinho, explicando tudo muito direitinho ao espectador: “Ah, esta adaga permitiu-me ir ao passado, e a única pessoa que teve consciência que a linha temporal foi alterada foi a pessoa que tinha a adaga na mão, que por acaso era eu!”. Nós acabamos de ver a cena em que isso aconteceu, portanto porque é que ele teve de ter este diálogo estúpido consigo próprio? De quando em quando, o filme lá nos oferece uma destas totalmente desnecessárias cenas explicativas. Quarto, Dastan é tão, mas tão inteligente e destemido que consegue descobrir todo o plano do vilão apenas juntando umas parcas pistas, que na realidade não significam nada até que ele de repente faz uma rebuscada associação mental. E é ele que conta ao espectador e às outras personagens o plano do vilão. Se repararmos bem, o vilão nunca o diz de sua própria boca (nunca!), por isso nunca saberemos se as coisas realmente são assim. O vilão podia querer a adaga não para se tornar o homem mais poderoso do Mundo, mas para salvar as crianças em África. Podia! Mas Dastan diz que ele quer conquistar o Mundo e que temos de o travar. Está bem, se Dastan o diz… E por fim, quinto, tenho a dizer que os últimos cinco minutos do filme são péssimos. O twist final é do pior que há e a forma como decidem acabar a história, preguiçosamente e negando toda a construção anterior, também. Não tinham imaginação para algo melhor? Aparentemente não.

Contudo, como disse no início, temos de ser honestos e baixar um pouco a fasquia quando criticamos este tipo de blockbusters. E a verdade é que com incoerências ou sem incoerências (nenhuma delas muito ofensiva), nesta demanda para salvar o dia dos mauzões e conquistar a miúda, de um lado e para o outro no deserto, para a frente e para trás no tempo, entre traições e revelações, encontros e desencontros, o filme encontra um equilíbrio interessante. As apelativas cenas de luta e as movimentadas cenas de perseguição surgem com tanta regularidade que não há tempo do argumento se tornar maçador, e os apartes de comédia proporcionados pelas personagens secundárias estão geralmente bem metidos. Destaque para a personagem hilariante do Sheik Amar, interpretada por Alfred Molina. Portanto, graças a estes elementos, não é possível dizer no final que ‘Prince of Persia’ é chato, batido ou maçador. Podemos dizer sim que é entretenimento mais que suficiente para o seu público-alvo. Regressamos àquela química que o primeiro filme da ‘Múmia’ (1999) tinha, mas substituindo muito do romance e da comédia por excitantes cenas de acção. E estamos OK com essas cedências. Se puxarmos pelo cérebro ficaremos desapontados, mas se relaxarmos e desfrutarmos então seremos sobejamente entretidos.

Se em terra de cegos quem tem olho é rei, então no reino dos blockbusters de Verão quem consegue entreter sem enfadar também o é. E nesse enquadramento, dentro das limitações intrínsecas desta forma mais pobre de fazer cinema, ‘Prince of Persia’ é rei (ou devo dizer príncipe…), e tem toda a minha aprovação. Tal como ‘Lone Ranger’, pode ter sido um fiasco crítico, pode não ter feito tanto dinheiro na bilheteira (embora seja de notar que ambos os filmes renderam mais do que aquilo que custaram), mas tenho a certeza que quem o viu descontraidamente com amigos numa noite de sábado não ficou desapontado. Porque ‘Prince of Persia’ é isso, espectáculo e entretenimento, talvez sem uma pinga de lógica, mas com a capacidade de proporcionar bons momentos. E se por acaso passar na TV um, dois, cinco anos depois de o termos visto, é daqueles filmes que não nos importaremos nada de apanhar a meio e de ficar a ver, com meio cérebro desligado, enterrados no sofá. Há sequelas dos ‘Piratas das Caraíbas’ (a terceira por exemplo), que não nos oferecem esse tipo de conforto relaxado de qualidade. ‘Prince of Persia’ oferece e isso faz dele um bom filme de Verão nos meus padrões. E mais não se pode dizer.

Por fim, apenas uma nota pessoal. Este foi o último filme que vi nos cinemas do Shopping Center Cidade do Porto, em Julho de 2010, antes de encerrarem portas para nunca mais abrirem, até hoje. O que é um paradoxo, visto que o shopping continua extremamente movimentado e é perto de uma grande zona residencial, onde vivo. Verdade que as salas não tinham 3D nem o digital de última geração, precisamente na altura em que a última moda dos filmes em 3D atingiu o pico. Lembro-me bem da senhora da bilheteira a dizer-me “mas olhe, não é em 3D...” com um misto de triste consciência e espanto por eu estar ali, quando pedi um bilhete para ‘Avatar’ em Dezembro de 2009. Enfim... Este shopping podia não ter as salas com as melhores condições, mas era um bom local para ir ao cinema. E se fechou porque não tinha 3D, bem se vê agora que essa moda já passou e que afinal não estávamos a caminhar para um mundo cinematográfico exclusivamente em 3D, como muitos estupidamente previam. Cinco anos passaram e as portas continuam fechadas. Fica o apelo a quem esteja a ler e tenha poder de decisão. Haviam de ter clientela, pelo menos a minha, se as reabrissem…

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Miguel. Portuense. Nasceu quando era novo e isso só lhe fez bem aos ossos. Agora, com 31 anos, ainda está para as curvas. O primeiro filme que viu no cinema foi A Pequena Sereia, quando tinha 5 anos, o que explica muita coisa. Desde aí, olhou sempre para trás e a história do cinema tornou-se a sua história. Pode ser que um dia consiga fazer disto vida, mas até lá, está aqui para se divertir, e partilhar com o insuspeito leitor aquilo que sente e é, quando vê Cinema.

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