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Grandes compositores. Grandes realizadores. Grandes bandas sonoras. Grandes filmes. – John Williams e Steven Spielberg


No início deste mês comecei um novo ciclo de crónicas musicais sobre grandes parcerias entre grandes compositores e grandes realizadores (pode ler a introdução a este ciclo aqui). Depois dei início às hostilidades com uma crónica sobre as quatro míticas parcerias entre Maurice Jarre e David Lean. Chega agora a vez de percorrermos a história de uma das maiores parcerias, senão a maior, de que há memória nos anais da sétima arte. Estou a falar daquela que une o compositor John William (à esquerda na imagem) ao realizador Steven Spielberg (à direita).

É difícil encontrar uma combinação de música e imagem que mais tenha marcado o cinema mundial. É uma fusão made in Hollywood, bem entendido, associada a filmes comerciais do mainstream, mas isso não implica que quer os filmes quer as bandas sonoras sejam menos importantes ou de menor qualidade. Pelo contrário. A música de John Williams (o maior compositor de bandas sonoras de sempre? ou será que é Ennio?) está tão enraizada na cultura popular que parece que sempre existiu. Os temas de 'Indiana Jones' (1981, 1984, 1989, 2008), 'Jurassic Park' (1993) ou 'Shindler's List' (1993) são tão intemporais como as composições de Mozart ou Bach e provavelmente irão durar tanto tempo. Ou quiçá mais, pois têm toda a força do meio cultural mais poderoso do mundo para as suster até à eternidade.

E é aqui que entra Steven Spielberg, o menino prodígio do cinema americano dos anos 1970; o homem que aos 28 anos de idade realizou o então filme mais visto de sempre ('Jaws', 1975) e assim sendo criou todo o género do blockbuster de Verão. O mesmo que revolucionaria o filme de acção/aventura com 'Raiders of the Lost Ark' (1981); o mesmo que tocaria os nosso corações com a ternura de 'E.T.' (1982); o mesmo que introduziria realmente a era do digital com 'Jurassic Park' (1993); o mesmo calaria os críticos que o acusavam de ser apenas um realizador "das massas" com obras-primas como 'Shindler's List' (1993) ou 'Saving Private Ryan' (1998). O mesmo que ainda hoje se mantém no topo da arte quando os seus contemporâneos já estão esquecidos ou semi-retirados, com excitantes aventuras como 'The Adventures of Tintin' (2011) ou soberbos trabalhos de realização como 'Lincoln' (2012).

Spielberg e Williams conheceram-se aquando da produção do primeiro filme de Spielberg: 'The Sugarland Express' (1974). Spielberg era um novato de 27 anos que havia feito apenas trabalhos televisivos, muito embora o seu telefilme 'Duel' (1971) tenha sido lançado nos cinemas na Europa onde recebeu uma grande aceitação crítica e permitiu pôr, pela primeira vez, o seu nome no mapa. Já Williams era muito mais experienciado. Este músico que começou como pianista nas orquestras dos estúdios de cinema (tocou piano em memoráveis bandas sonoras como a de 'The Apartment', 1960; ou 'Hatari!', 1962) já tinha por esta altura nove nomeações para o Óscar de Melhor Banda Sonora ou Melhor Música e inclusive já tinha ganho um; Melhor Banda Sonora Adaptada (uma categoria que existia quando havia muitas adaptações de musicais) pelo filme 'Fiddler on the Roof' (1971).

Reza a lenda que Spielberg gostou do trabalho de Williams para filmes como 'The Reivers' (1969) ou 'The Cowboys' (1972) e daí ter decidido tentar trabalhar com ele. Provavelmente nenhum dos homens alguma vez imaginou que a sua parceria iria tornar-se tão prolifera e tão icónica. John Williams e Steven Spielberg colaboraram vinte e oito vezes, com mais três colaborações confirmadas a caminho. De facto, Williams compôs a banda sonora para todos os filmes de Spielberg com três excepções: 1) 'Twilight Zone: The Movie' (1983), no qual Spielberg apenas dirige um segmento e o compositor da série, Jerry Goldsmith, ficou compreensivelmente a cargo da banda sonora; 2) 'The Color Purple' (1985), já que no seu primeiro filme totalmente "sério" Spielberg decidiu trabalhar com um compositor afro-americano, Quincy Jones, mais ligado ao material; e 3) trinta anos depois, 'Bridge of Spies' (2015), onde Thomas Newman substituiu Williams quando este adoeceu. E aliás, desde que se semi-retirou em 2005 depois de 'Munich', Williams, com duas notáveis excepções ('The Book Thief', 2013, e a continuação da saga 'Star Wars') passou a compor em exclusivo para Spielberg. Williams tem agora 85 anos mas sentimos que irá continuar a compor se o seu amigo Spielberg, agora com 71, lhe continuar a pedir. E nós só temos que continuar a desfrutar da sua arte conjunta.

Muito mais se podia dizer sobre esta parceira de quatro décadas, mas eu disse que esta crónica iria ser principalmente uma crónica musical. Por isso, passemos à música. Ficam aqui, com breves comentários, excertos das 28 grandes colaborações entre Spielberg e John Williams. Para além das bandas sonoras individuais (possuo doze em CD original), esta colaboração pode ser ouvida em grandes CDs de compilações como 'John William Filmworks' (ao qual já dediquei uma crónica), 'John Williams - Greatest Hits 1969-1999' ou no recente lançamento, já em 2017, de 'John Williams & Steven Spielberg: The Ultimate Collection', uma caixa de 4 discos, supérflua para quem como eu já tem a maior parte das bandas sonoras individuais, mas que funciona bem para novos ouvintes. Mas depois, claro, há sempre o Youtube, a quem agradeço estes clips que partilho.


1. The Sugarland Express (1974)

A primeira longa metragem de Spielberg lançada no grande ecrã nos Estados Unidos é uma espécie de Bonnie & Clyde mas com as temáticas mais familiares que caracterizariam o trabalho deste realizador. Spielberg pediu a Williams uma banda sonora sinfónica mas este argumentou que uma banda sonora mais subtil, ao redor de solos de harmónica, se ajustaria melhor aos ambientes do deserto do interior americano. E tinha razão. Mesmo assim, uma banda sonora longe, bem longe, de revelar o verdadeiro potencial de Williams e um filme longe, bem longe, de provar o verdadeiro potencial de Spielberg.



2. Jaws (1975)

Todos os amantes da sétima arte conhecem a frase feita sobre a banda sonora de 'Jaws': duas notas e temos um vilão. Embora esta banda sonora tenha muito mais que essas duas notas, são essas que perduram. Já desde 'Psycho' (1960) que um breve pedaço de música não instigava tanto medo, e era isso que precisava o filme que fez com que todo o mundo tivesse medo de pôr os pés na água do mar. A banda sonora vai enrolando-se no espectador como a maré, puxando-o para a parte funda, para depois o apanhar de surpresa. E, tal como o filme, deixamos, porque sentimos um fascínio quase mórbido que nos deixa intensamente excitados com o perigo. É essa sensação que tornou o filme um sucesso (o primeiro da carreira de Spielberg). Aliás "sucesso" é dizer pouco, visto que se tornou o filme mais visto de sempre na altura. Pela sua partitura, Williams venceu o seu merecido segundo Óscar de Melhor Banda Sonora. 



3. Close Encounters of the Third Kind (1977)

'Close Encounters of the Third Kind' foi o primeiro filme "mágico" e "familiar" da carreira de Spielberg e precisava de uma banda sonora a condizer. Da excitação dos acordes relacionados com a vertente do fantástico, à tensão das notas relacionadas com a componente de mistério, ao puro liricismo daquelas cinco brilhantes notas que compõem a frase musical de contacto entre humanos e extraterrestres, a partitura de Williams é rica e comovente. Não ganhou o Óscar (foi o próprio Williams que o ganhou por 'Star Wars') nem Spielberg o de Melhor Realizador (perdeu para Woody Allen), mas 'Close Encounters of the Third Kind' é ainda um filme inolvidável, em todos os departamentos.



4. 1941 (1979)

A primeira crítica de todas de EU SOU CINEMA foi a de '1941' (escrevia pouco na altura, não?!). Um relativo fiasco na América (só conseguiu recuperar o dinheiro no mercado internacional) este é para mim o pior filme da carreira de Spielberg (pode ler porquê na crítica). Já a fanfarra principal de John Williams é épica, mas o resto da banda sonora salta constantemente entre géneros tentando acompanhar, com a classe que caracteriza este compositor, a completa anarquia que é este filme. Não é por acaso que Spielberg nunca mais realizou uma comédia assumida. Não é bem a sua praia.



5. Raiders of the Lost Ark (1981)

Depois do relativo fiasco de '1941', 'Raiders of the Lost Ark' revelou ser muito mais a praia de Spielberg. Foi um daqueles filmes que revolucionou a vida de milhares de cinéfilos e estimulou a imaginação de milhares de crianças e adolescentes. Pura aventura. Puro entretenimento. Pura qualidade fílmica. Pura classe na banda sonora. O mundo inteiro sabe trautear o tema de Indiana Jones, a sublime marcha heróica concebida para este filme que ainda hoje é sinónimo de bravura, exotismo e excitante aventura. Mas Williams não se ficou por aqui. O tema de Marion, por exemplo, é belíssimo. Williams perdeu o Óscar para Vangelis e Spielberg para Warren Beatty, Mas o mundo nunca esquecerá Indiana Jones, que não seria o mesmo sem o tema que o acompanha.



6. E.T. the Extra-Terrestrial (1982)

À primeira vista, 'E.T.' é sequela temática de 'Close Encounters of the Third Kind', mas depois é muito mais do que isso. A enorme simplicidade e até linearidade da história e da sua mensagem estão escondidas numa comovente e íntima odisseia sobre a amizade e a família, e imbuídas de uma enorme, gigantesca, profundidade emocional. A música de John Williams (que lhe deu a vencer o seu quarto Óscar) pode ser descrita com exactamente os mesmos adjectivos. Ninguém pode esquecer a viagem de bicicleta pelo ar nocturno nem a música que a acompanha. No ano de 'Ghandi' nem Spielberg nem 'E.T.' venceram as respectivas categorias, mas este é um filme inspirador para ver a vida toda (é o sonho da infância de todos nós) e a banda sonora é a materialização desse sonho em notas musicais.



7. Indiana Jones and the Temple of Doom (1984)

'Temple of Doom' sempre foi o patinho feio da saga Indiana Jones. É óbvio que é o pior filme dos três originais, porque a aventura não é tão espectacularmente memorável, mas isso não implica que seja um mau filme. Sempre notei alguma incompreensão por parte dos "haters", que nunca se aperceberam que Lucas e Spielberg optaram por esta história mais negra como homenagem às aventuras exóticas de obras clássicas como o memorável 'Gunga Din' (1939). Visto assim, o filme ganha uma maior dimensão, mas naturalmente a música de Williams reflecte a componente mais pesada, menos heróica, da acção, onde até a famosa marcha de Indiana é usada com extrema contenção. Em vez disso, Williams apresenta ainda temas interessantes como aqueles que acompanham as várias perseguições, de Shanghai às minas do Templo.



8. Empire of the Sun (1987)

Depois de Spielberg ter decidido não usar Williams pela primeira vez na sua carreira cinematográfica em 'The Color Purple', a sua parceria regressou com enorme beleza em 'Empire of the Sun'. O primeiro "filme de guerra" de Spielberg, contado de uma forma como só ele saberia contar (através dos olhos de uma criança) inclui aquele é que é para mim um dos melhores temas de toda a carreira de Williams: o belíssimo e comovente 'Cadillac of the Skies', uma música que se aninha na alma e por lá permanece como um inspirador coro celestial. Não se pode dizer o mesmo do filme, mas não se pode ter tudo. Apesar de ser de novo nomeado para o Óscar, Williams perdeu para a banda sonora de 'The Last Emperor', o grande vencedor do ano. Eu não votaria assim...



9. Indiana Jones and the Last Crusade (1989)

O último filme da trilogia original de Indiana Jones é o melhor de todos. Sempre foi e sempre será. É uma obra-prima; um filme composto de cenas memoráveis e altamente citáveis, que convidam o espectador a acomodar-se e depois levam-no numa montanha russa de adrenalina, diversão, excitação e acção. E a música faz precisamente o mesmo. Construindo-se a partir dos famosos temas base da saga, Williams introduz outros tantos que dão dimensão a esta história que começa com os contornos mais pessoais da infância de Indy, e termina com os contornos mais universais da busca pelo Santo Graal. Precisamente, o tema do Graal é uma peça musical fantástica. O filme pode ser um dos maiores exemplos de cinema como forma suprema de espectáculo e entretenimento, mas a sublime banda sonora de Williams não lhe fica atrás, indo do divertido e excitante ao lírico, até que ressoa o tema dos Raiders quando os heróis rumam ao pôr-do-Sol no final. Nomeado de novo, Williams perdeu o Óscar para Alan Menken por 'The Little Mermaid'.



10. Always (1989)

O remake de um filme dos anos 1940 que sempre foi um dos preferidos de Spielberg ('A Guy Named Joe'), 'Always' é puro Spielberg em modo drama-romântico fantasioso. O filme é uma fábula simpática e bem executada, que mantém uma aura de familiaridade e nunca exagera no seu melodramatismo. A música faz precisamente o mesmo, do levismo de "Follow Me" à magia terna de "Dorinda's Solo Flight". Se é a própria simplicidade deste trabalho de amor que o impede de ser um grande filme em termos emocionais, o material é mais do que adequado para Williams nos oferecer mais uma mágica banda sonora sinfónica, que toca as notas certas para nos tocar o coração. Não é a banda sonora que mais fica no ouvido ou quiçá das melhores. Mas é uma que grande prazer dá ouvir.




11. Hook (1991)

Com 'Hook', Spielberg regressou ao género do filme-aventura para a família com mais um brilhante e mágico pedaço de entretenimento que muito facilmente se tornou um hino ao relacionamento entre país e filhos. Isso, a par das grandes interpretações, faz desculpar alguma displicência estrutural e argumental que esta obra possui. E ainda mais a perdoamos porque Williams nos brinda com mais uma fabulosa banda sonora, exacerbando a fantasia, a inocência quase infantil e aura familiar da peça, principalmente quando voamos da Londres vitoriana para a Terra do Nunca e nos embrenhamos na aventura. Desta vez a nomeação para o Óscar foi apenas para Melhor Música, mas a esquecível "When You're Alone" perdeu para "Beauty and the Beast".



12. Jurassic Park (1993)

Oh meu Deus, o que dizer de 'Jurassic Park'?! Tinha nove anos de idade e este filme mudou a minha vida. Não foi tanto a febre sobre dinossauros que afectou todos os meus amigos e as restantes crianças do mundo. Para mim foi mais o descobrir de todo o potencial de entretenimento mágico que o cinema podia proporcionar. Durante toda a minha infância considerei esta a aventura mais espectacular de todos os tempos, acompanhada pela banda sonora mais espectacular de todos os tempos. De facto esta foi a primeira grande banda sonora da minha vida (já que antes ouvia quase só "temas principais"), e como consequência ouvi e re-ouvi o CD centenas de vezes. Da espectacularidade de "Journey to the Island" à beleza de "My Friend, the Brachiosaurus" e claro, à epicidade emocional do tema principal, esta é uma das grandes bandas sonoras de Williams. E claro, é também um dos grandes filmes de Spielberg, e nunca deixará de o ser, por mais que o blockbuster de Verão e os efeitos especiais evoluam.



13. Schindler's List (1993)

O filme mais criticamente aclamado da carreira de Spielberg venceu 7 Óscares em 1993, incluindo Melhor Filme, Melhor Realizador e Melhor Banda Sonora (o quinto Óscar, e último até hoje, de Williams). A mestria cinematográfica de Spielberg é incontestável, nesta obra poderosa e comovente, com uma alma que engloba a de todas as vitimas do Holocausto, ao mesmo tempo que consegue reger-se pelas regras clássicas do cinema de Hollywood. A junção perfeita deste dois mundos, o artístico e o comercial (só Spielberg) é ainda mais facultada pela grande partitura de Williams, enriquecida pelos solos de violino de  Itzhak Perlman. O tema principal do filme levou a lágrima ao olho de todos os espectadores de cinema e a restante banda sonora, apesar de ser algo temática e musicalmente contida às sonoridades judaicas (e daí recusar-se a ter emotividade sinfónica), é um incrível e memorável pedaço de música.



14. The Lost World: Jurassic Park (1997)

Depois de ter tido em 1993 quer o seu maior sucesso crítico ('Shindler's List'), quer o seu maior sucesso comercial ('Jurassic Park'), Spielberg tirou uns anos de sabática em que se focou principalmente em por de pé a sua produtora, a Dreamworks. Quando regressou à cadeira de realizador foi com a previsível, e bastante desinspirada sequela de 'Jurassic Park', um filme que perde a dimensão familiar e o sentimento de êxtase aventureiro do original, e transforma-o quase num mero slasher, com dinossauros na pele de assassinos em série, e com um final a la 'King Kong'. Mas a música de John Williams nunca é previsível. Para além de revisitar os espectaculares temas do primeiro filme, ainda cria uns novos bem interessantes, pois apesar de menos mágicos são mais guturais.



15. Amistad (1997)

'Amistad' é dos poucos filmes de Spielberg que não conheço muito bem. Vi-o uma ou duas vezes no máximo já há muitos anos. E é uma das bandas sonoras de Williams que também menos atenção gerou e que portanto creio que nunca a ouvi o do início ao fim (isto apesar de ter sido nomeada ao Óscar - perdeu para a de 'Titanic'). Não possui um memorável tema principal, mas também não era filme para o ter. O que Williams faz é misturar música étnica, representado os escravos do cargueiro Amistad, com melodias sinfónicas e coros celestiais que representam a componente lírica e inspiradora da sua luta em tribunal. O resultado é um trabalho sólido mas de certa forma rotineiro quer para realizador e compositor. Mas nada como rever o filme para me esclarecer a mim próprio se estou enganado.



16. Saving Private Ryan (1998)

'Saving Private Ryan' é para mim uma das grandes obras-primas da carreira de Spielberg. Todos os cinéfilos sabem falar da brilhante sequência de abertura de quase meia hora do assalto às praias da Normandia, mas o filme, quiçá com uma história não tão interessante quanto poderia ter, mais que compensa com os seus soberbos ambientes e a sua acutilante componente humana. É essa componente, entre o heróico, o inspirador, o trágico e o nostálgico, que a sublime banda sonora exacerba (o CD e absolutamente fantástico). "Hymn to the Fallen" é sem duvida um dos melhores temas principais, não só da carreira de Williams, mas de toda a história do cinema. Para mim foi injustíssima a sua derrota nos Óscares para a banda sonora de 'La vita è bella'. Um escândalo. Ao menos Spielberg ganhou Melhor Realizador, Mau era.



17. The Unfinished Journey (American Journey) (1999)

Esta é uma das parcerias menos conhecidas entre Spielberg e Williams, já que não está directamente associada a um filme. A composição, dividida em seis movimentos intitulados: i) Immigration and Building, ii) The Country at War, iii) Popular Entretainment, iv) Arts and Sports, v) Civil Rights and Women's Movement e vi) Flight and Technology foi criada por Williams para uma apresentação multimédia, feita em colaboração com alguns notáveis artistas (entre eles Spielberg) como parte das celebrações da chegada do novo milénio em Washington. Percorrendo a história dos Estados Unidos, as composição são, compreensivelmente, ao mesmo tempo dinâmicas e inspiradoras, mas também conseguem ser introspectivas, principalmente quando acompanham as temáticas mais problemáticas da história deste país. Estas seis composições podem ser ouvidas no fenomenal disco 'Call of the Champions', uma compilação de trabalhos extra-cinema de John Williams. Tenho-o? Ah pois claro.



18. Artificial Intelligence: AI (2001)

Eu vi 'A.I.' pela primeira vez numa ante-estreia, semanas antes do filme estrear em Portugal, quando tinha 15 anos de idade. Na altura não gostei nada do filme, mas admito que poderia não ter a maturidade suficiente para o ver e apreciar. Já a banda sonora imediatamente me cativou; principalmente a simplicidade lirica do tema de Mónica; a expressão perfeita do amor maternal sentida por uma criança que desesperadamente anseia ser humana. Mas é também uma banda sonora com timbres mais pesados, representando o ambiente néon futurista que Spielberg concebeu. O filme, das duas vezes que o vi posteriormente, nunca me conseguiu convencer, talvez porque nunca consegue encontrar um equilíbrio nesta sua dualidade entre o íntimo e a odisseia futurista. Mas a banda sonora de Williams (que perdeu o Óscar, justamente, para Howard Shore e o primeiro 'Lord of the Rings') resolve esse dilema, e por isso é muito mais memorável.



19. Minority Report (2002)

O segundo filme "futurista" seguido de Spielberg, apesar de também ter uma semi-componente familiar no evento que constitui o grande fantasma do passado da personagem de Tom Cruise, desenrola-se muito mais como um thriller de acção/mistério. Assim, a música acompanha essa cadência da história, intensificando a tensão com batidas intensas e ritmadas, mas não menos interessantes. De facto, quer filme quer banda sonora são trabalhos fora da zona de conforto de realizador e compositor, embora ambos desagúem eventualmente em território mais familiar. Mas dois dois, acho que Williams é o que mais sai por cima. Mas como só vi 'Minority Report' uma vez aquando do seu lançamento, é provável que precise de uma segunda visualização para tirar as teimas.



20. Catch Me If You Can (2002)

Depois de uma série de filmes mais sérios e mais intensos, o bom velho Spielberg precisava de desanuviar com uma obra bem mais relaxada, como já não fazia talvez desde 'Hook' (1991). Essa obra foi o caper movie passado na década de 1950 'Catch Me if You Can'. O filme vai oscilando ao sabor da excitação da perseguição do polícia ao ladrão, mas pelo caminho deixa-se perder confortavelmente pelo humor inerente às suas personagens e às situações que cria. A música, como não podia deixar de ser, faz o mesmo. Aliás, esta banda sonora nomeada para mais um Óscar (perderia para a de 'Frida'), tem uma tonalidade mais leve, como se vê logo pelo tema principal. Mas o curioso é que esta tonalidade apareceria mais recorrentemente noutros trabalhos de Williams no século XXI. De facto, alguns acordes seriam quase repetidos em bandas sonoras como as de 'The Terminal' ou 'Tintim'. Não o melhor Spielberg nem o melhor Williams, mas uma boa colaboração para descomprimir.



21. The Terminal (2004)

Sempre gostei de 'The Terminal'. É uma fábula simples, uma comédia romântica pouco ambiciosa, mas não seria um filme de Spielberg se não tivesse uma inesperada profundidade assente numa pura humanidade. Spielberg diz que se inspirou no cinema de Frank Capra e a verdade é que o filme detém essa feliz universalidade. E quem diz o filme diz a música. A partitura de 'The Terminal' é uma delícia (como é possível não ter sido nomeada para o Óscar?!). O tema principal é fantástico, e o resto da banda sonora não lhe fica atrás, com temas divertidos e ritmados que mesmo nos pequenos momentos dramáticos nos deixam um sorriso esperançado no rosto. É esse tipo de filme, com toda a qualidade de Spielberg, e é esse tipo de banda sonora, com toda a qualidade de Williams.



22. War of the Worlds (2005)

Sspielberg a adaptar H.G. Wells... com Tom Cruise?! A cara sem dúvida não parecia bater com a careta mas depois de vermos o filme percebemos como tudo encaixa se pensado como um grande blockbuster de acção/ficção cientifica a la Spielberg. Contudo, a música não é tanto assim. Williams conscientemente, e tendo em conta a aura semi-apocalíptica do filme numa América após o 11 de Setembro, compõe uma partitura mais subtil. Não há propriamente um tema, antes uma sucessão de frases musicais que procuram exacerbar os momentos de tensão e criar uma atmosfera pesada que encaminha o espectador pelas nuances emocionais mais negras da aventura e não propriamente pela acção. Uma escolha correcta de Williams, na minha opinião. O homem sabe bem o que faz.



23. Munich (2005)

'Munich' é um dos filme mais sombrios da carreira de Spielberg e aquele com o tom mais pesado desde 'Shindler's List'. E talvez por esse motivo, a banda sonora tem claras reminiscências desse trabalho anterior, não fossem também ambos os filmes associados à luta dos Judeus no século XX. O tema principal de 'Munich' é mais uma belíssima composição, vencedora de um Grammy; um hino aos caminhos tortuosos necessários para tentar atingir a paz, mas no geral prevalece uma tristeza por toda a banda sonora, a mesma que acompanha o filme. 'Crash' foi o Melhor Filme nos Óscares nesse ano e Williams perdeu o prémio para 'Brokeback Mountain' (devia ter ganho, mas por 'Memoirs of a Geisha' igualmente nomeado), mas o aspecto mas importante de 'Munich' é ter marcado o primeiro ponto final na carreira de Williams como o principal e melhor compositor de bandas sonoras de Hollywood. Passar-se-iam três anos até à sua banda sonora seguinte, já que a partir daqui passaria a compor praticamente em exclusivo para Spielberg. A banda sonora de 'The Book Thief ' (2013), a de 'The Force Awakens' (2015) e a de 'The Last Jedi' (2017) são até agora as únicas excepções. 



24. Indiana Jones and the Kingdom of the Crystal Skull (2008)

Trinta anos depois, Lucas, Spielberg, Ford e Williams regressaram à saga de Indiana Jones num filme que não foi tão bem recebido quanto o esperado, e com razão. O que mais surpreendeu pela negativa foi o teor fraco e rebuscado da história de Lucas e, para mim, uma excessiva digitalização (pouco escondida) no design de produção. Mas a música de Williams, a sua primeira banda sonora desde 'Munich', surpreende sempre pela positiva. Os alicerces musicais do filme já estavam todos definidos há várias década, e a banda sonora aproveita esse legado com a segurança que só um génio pode oferecer. Não se criou nenhum novo tema musical memorável, mas a música existe sempre no mesmo universo temático. Um pouco como o filme tentou fazer, mas com menos sucesso.



25. The Adventures of Tintin (2011)

Não é segredo para ninguém que Spielberg é um apaixonado por Tintim (já o repetiu em inúmeras entrevistas), uma banda desenhada que lhe foi apresentada por alguém quando estava a filmar 'Raiders of the Lost Arc' no norte de África. Durante décadas Spielberg lutou para fazer uma adaptação de imagem real, mas em parceria com Peter Jackson acabou por conceber uma adaptação de animação digital baseada na técnica do 'motion capture'. Se o filme quer excita e extasia os fãs, quer os decepciona em partes iguais (é notoriamente contrastante neste sentido, na minha opinião), a banda sonora de Williams é imaculada. Se o filme tivesse sido feito há vinte anos talvez escrevesse um mega tema principal sinfónico, mas mesmo com acordes que ficam menos no ouvido, esta banda sonora de influência jazzistica nomeada para o Óscar (perdeu, tal como a de 'War Horse' para 'The Artist') é incrivelmente excitante e leva-nos a mergulhar numa espécie de exotismo europeu clássico, ou pelo menos como os americanos o interpretam. Pela minha parte tudo bem. É um CD que possuo e gosto muito de ouvir.



26. War Horse (2011)

Eu só vi 'War Horse' uma vez aquando da altura do seu lançamento. Não gostei, não gostei nada. Já não gostava tão pouco de um filme de Spielberg desde que vi pela primeira vez '1941'. É um típico filme dos Óscares, nem mais, nem menos, que bem que poderia ter sido feito por qualquer outro realizador. Ser de Spielberg é só uma condição para ter belos planos de câmara aos quais a história inspiradora e desinteressante não faz jus. Mas também é uma condição para ter uma clássica banda sonora sinfónica de Williams; mais um trabalho melódico e inspirador que acompanha o filme e que, sinceramente, tem mais longevidade do que ele.


27. Lincoln (2012)

'Lincoln' é a prova do quão bom realizador é (ou ainda é) Steven Spielberg. Perdeu o Òscar para Ang Lee por 'The Life Of Pi' (o mesmo destino teve a nomeação de Williams); em ambos os casos uma incrível injustiça. Os belos planos ricos em efeitos especiais de 'The Life Of Pi' não são obra directa do realizador nem da sua câmara, e a banda sonora apenas corresponde ao que as imagens pedem. Já em 'Lincoln' cada composição é uma obra de arte fílmica, com Spielberg a construir o ambiente do seu filme e a comandar as grandes interpretação com uma gigantesca confiança. E para corresponder a tal sumptuosidade, a banda sonora de Williams é um poema, com um tema principal forte, corajoso, delicado e inspirador ao mesmo tempo; as característica que o filme atribui ao próprio Lincoln. Mas possui também uma compreensível nota de vulnerabilidade, que tornam esta personagem, tal como interpretada por Daniel Day Lewis, ainda mais humana.



28. The BFG (2016)

O último filme de Spielberg desenrola-se como um grande sonho, a fantasia de uma criança que a leva até uma terra de gigantes e depois a pedir assistência à própria Rainha de Inglaterra. Achei o filme algo desequilibrado, visto que percorre o arco emocional do gigante mas não o da pequena Sophie, e com uma duração excessiva, deliciando-se com os seus magníficos efeitos especiais enquanto o interesse da brevíssima aventura que conta vai esmorecendo. Mas o elemento mais mágico de todos não está no visual, está na banda sonora. Depois de ter falhado o seu primeiro Spielberg em três décadas ('Bridge of Spies') por problemas de saúde, Williams regressa para compor uma excelente partitura sinfónica, oscilando mais uma vez entre o excitante, o divertido, o delicado e o inspirador - a banda sonora perfeita para um sonho aventureiro. Com 85 anos ainda compor assim com esta energia e vivacidade é para lá de fenomenal. É a marca do indubitável génio.



E no fim desta longa viagem cinematográfica e musical, é justo perguntar o que nos reserva o futuro. Steven Spielberg tem quatro novos filmes na calha até 2020, sendo que três deles, 'The Post' (2017), quase quase a estrear, 'The Kidnapping of Edgardo Mortara' e o quinto filme de 'Indiana Jones' terão banda sonora de John Williams. Apenas 'Ready Player One', agendado para 2018, terá banda sonora de Alan Silvestri, provavelmente para não sobrecarregar um quase nonagenário Williams. São três novos filmes de Spielberg que não poderemos perder. E três bandas sonoras de Williams pelas quais obviamente mal podemos esperar.

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Miguel. Portuense. Nasceu quando era novo e isso só lhe fez bem aos ossos. Agora, com 31 anos, ainda está para as curvas. O primeiro filme que viu no cinema foi A Pequena Sereia, quando tinha 5 anos, o que explica muita coisa. Desde aí, olhou sempre para trás e a história do cinema tornou-se a sua história. Pode ser que um dia consiga fazer disto vida, mas até lá, está aqui para se divertir, e partilhar com o insuspeito leitor aquilo que sente e é, quando vê Cinema.

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