Realizador: Kyle Balda, Pierre Coffin, Eric Guillon
Actores principais (voz): Steve Carell, Kristen Wiig, Trey Parker
Duração: 90 min
Crítica: ‘Despicable Me 3’ (em português ‘Gru, o Maldisposto 3’) continua a saga de Gru e dos Minions, os maiores baluartes dos estúdios Illumination. De facto, este universo composto pela trilogia ‘Despicable Me’ (2010, 2013, 2017) e o imensamente bem-sucedido ‘Minions’ (2015) – o segundo filme de animação mais rentável de sempre – constitui metade do espólio de oito filmes que este estúdio formado em 2010 por Chris Meledandri (um dissidente dos Blue-Sky Studios) já produziu.
Noutras críticas a filmes da Illumination eu já salientei a minha paixão imediata por este estúdio aquando do seu surgimento. Os seus primeiros filmes, incluindo ‘Despicable Me’ (2010), o divertido ‘Hop’ (2011) e o fantástico mas esquecido ‘The Lorax’ (2012) ofereceram ao espectador uma animação fresca e irreverente, como já não se via desde os primórdios da Pixar. Para além do mais, os hilariantes Minions, os pequenos bicharocos amarelos ajudantes de Gru, tornaram-se quase imediatamente ícones da cultura moderna com o seu humor visual reminiscente da animação clássica (Tom & Jerry, Looney Toons), e com as suas personalidades com uma deliciosa veia de infantilidade maléfica. Há muitos, muitos anos que não surgia assim um conjunto de novas personagens animadas com tanto impacto mediático, o que mais contribuiu para solidificar a presença do estúdio no concorrido mercado da animação digital.
"O estúdio finalmente entendeu que para Gru poder ter longevidade, os Minions tinham de voltar a ficar em segundo plano, (...) dando-se ao luxo de estar aqui (...) conscientemente contidos. (...) Mas achei contudo que estavam demasiado contidos (...) como se os animadores tivessem receio de voltar a abusar da sua presença. (...) É bom termos tempo para nos voltar a focar em Gru; mas é mau não vermos os Minions a atingir o seu potencial cómico."
Contudo, esta febre pelos Minions claramente condicionou o rumo e a criatividade do estúdio. A grande mais valia do primeiro ‘Despicable Me’ era que conseguia ser incrivelmente original num contexto moderno de animação bastante concorrido mas também bastante descaracterizado. Contanto com ternura a história de um vilão que se regenera através do amor a três pequenas órfãs, o filme encontrava um equilíbrio perfeito entre as muitas risadas que proporcionava e a clássica moral familiar que todos os filmes de animação devem ter. O humor visual e a animação extremamente atenta ao pormenor, com piadas entusiasmantes e apaixonadas, aliava-se a uma aventura ritmada que suportava com engenho essa moral, e possuía a ponta de fantasia necessária (roubar a Lua!) para estimular a imaginação dos mais pequenos.
Mas na sequela ‘Despicable Me 2’, esta enganadora simplicidade deixou de estar presente. Como escrevi o filme “é entretenimento do melhor que se faz hoje em dia, mas já não lhe posso chamar um grande filme de animação”. O problema parecia ser não só deixar de haver uma ligação directa entre a aventura e a relação Gru-miúdas, como existir uma ênfase desmesurada na capacidade cómica dos Minions. Não é que os Minions tenham deixado de ser engraçados. Mas por um lado as suas mini-aventuras dominavam o filme, enquanto a história principal, paradoxalmente, passava para segundo plano. Por outro a maior parte das cenas hilariantes com os Minions já tinham sido todas vistas nas dezenas de trailers que haviam sido lançados antes do filme estrear.
E este abuso da “galinha dos ovos de ouro” da Illumination atingiu o seu pico em ‘Minions’. O filme foi um gigantesco sucesso de bilheteira mas não me convenceu minimamente, precisamente por estes dois motivos. Primeiro já tinha visto praticamente todo o filme (ou melhor todas as sequências engraçadas com os Minions) nos trailers, featurettes e tv-spots. Segundo, a aventura e a moral que o filme proporcionavam não eram muito trabalhadas precisamente porque eram um mero pano de fundo para os “Minions a serem Minions”. Mas mesmo esta vertente ficava aquém do esperado. Como escrevi “o filme está demasiado preocupado em andar de um lado para o outro a tentar não parar a sua sucessão de gags, para se aperceber que esta história não é nada ‘Made in Minion’, ou seja, não é uma que pertença ao seu imaginário peculiar, e que tanto cativou o público mundial nos últimos anos. É uma aventura de animação costumeira, que podia ter como protagonistas, sem grandes diferenças, tanto os Minions como os Pinguins de ‘Madagascar’ como outros seres hilariantes que para aí andam.”
"‘Despicable Me 3’ tenta de certa forma recapturar a magia do primeiro filme, com uma aventura dinâmica e ritmada que envolve toda a família de Gru, e vai permitindo ao espectador soltar risadas de forma fácil e natural. Mas o filme é “apenas” mais uma aventura (...), que mantém as personagens suspensas no tempo para que possam ser recicladas em muitas mais sequelas. A história e as piadas estão longe de ser memoráveis."
Era urgente a Illumination respirar fundo e tornar-se um pouco menos Minion-dependente para conseguir manter, pelo menos a meus olhos, a sua posição como um dos melhores estúdios de animação actual. Por isso, para mim foi significativo que em 2016 tenham lançado dois filmes originais (o engraçadito ‘The Secret Life of Pets’ e ‘Sing’), visto que isso demonstrou que o estúdio queria ter vida para além dos Minions. E para mim foi também significativo começar a ver ‘Despicable Me 3’ e perceber que o estúdio finalmente entendeu que para Gru poder ter longevidade, os Minions tinham de voltar a ficar em segundo plano. Como ‘Minions’ provou, são muito mais hilariantes como apartes do que como estrelas da companhia. Eu escrevi na minha crítica: “com ‘Despicable Me 3’ ao virar da esquina, em princípio voltaremos a uns Minions mais contidos em termos de tempo de antena mas, espera-se, muito menos contidos em termos de potencial cómico. Fingers crossed”. Em parte, ‘Despicable Me 3’ ruma nesse sentido. Mas só em parte.
A primeira coisa que se nota em ‘Despicable Me 3’ é que é de novo uma aventura centrada em Gru e na sua família. Os Minions agora têm a sua própria franchise (‘Minions 2’ sairá em 2020) e portanto podem-se dar ao luxo de estar aqui, pela primeira vez desde o filme original, conscientemente contidos. São detalhes hilariantes no background das cenas principais, e as cenas que eles próprios dominam constituem rápidos e eficazes escapes cómicos à história principal. Talvez queira prender a Illumination por ter e não ter cão, mas achei contudo que estavam demasiado contidos, eram demasiado um aparte, ou seja, que os animadores foram excessivamente para o extremo oposto, como se tivessem receio de voltar a abusar da sua presença. É um compromisso que satisfaz e não satisfaz ao mesmo tempo. É bom termos tempo para nos voltar a focar em Gru, em Lucy e nas miúdas; mas é mau não vermos os Minions a atingir o seu potencial cómico. Será que já deram tudo o que tinham a dar? É esse o meu principal receio.
Esta discussão é importante (e daí eu perder algum tempo com ela) porque leva a uma pergunta basilar: nestas circunstâncias e com uns Minions muito menos influentes, pode a saga de ‘Despicable Me’ ainda ter interesse? Bem, é uma pergunta que no final do filme ainda carece de uma resposta directa. A verdade é que ‘Despicable Me 3’ tenta de certa forma recapturar a magia do primeiro filme, com uma aventura dinâmica e ritmada que envolve toda a família de Gru, e vai permitindo ao espectador soltar risadas de forma fácil e natural. Mas o filme é “apenas” mais uma aventura (um mal comum nestas sequelas de grandes filmes de animação, de ‘Shrek’ a ‘Ice Age’), que mantém as personagens suspensas no tempo para que possam ser recicladas em muitas mais sequelas. A história e as piadas estão longe de ser memoráveis, mas são suficientemente interessantes para que o espectador desfrute do espectáculo durante os 80 minutos que dura. É um compromisso que satisfaz, mas não perdura.
"Depois de um vilão relativamente desinteressante no segundo filme, é bom soltar umas valentes risadas com Bratt, um verdadeiro blast from the past dos anos 1980. (...) Com o seu guarda-roupa, corte de cabelo e gostos musicais 'so eighties', permite às pessoas sorrirem muito cada vez que ele aparece, e às cenas desenrolarem-se ao ritmo de músicas de Michael Jackson a a-ha".
O filme começa por nos apresentar o seu vilão, Balthazar Bratt (voz de Trey Parker, um dos criadores de ‘South Park’). Depois de um vilão relativamente desinteressante no segundo filme, é bom soltar umas valentes risadas com Bratt, um verdadeiro blast from the past dos anos 1980. Uma antiga estrela de uma série de televisão juvenil desta década (cujos clips que vamos vendo são hilariantes), Bratt ficou tão traumatizado com a sua falta de sucesso na idade adulta que permaneceu parado no tempo, agarrado à sua personagem. Com o seu guarda-roupa, corte de cabelo e gostos musicais “so eighties” (o que permite às pessoas da minha geração sorrirem muito cada vez que ele aparece, e às cenas desenrolarem-se ao ritmo de músicas de Michael Jackson a a-ha), Bratt anseia vingar-se do mundo em geral e de Hollywood em particular por o terem esquecido. Para isso rouba um gigantesco diamante que irá alimentar um laser no topo de uma arma secreta que está a construir. E é isto. Em termos de plano de vilão, mais simples não podia ser. Para este tipo de filme, esta simplicidade é suficiente.
Entretanto, Gru (Steve Carrell em modo clássico e tipicamente engraçado) e a sua esposa Lucy (a dinâmica Kristen Wiig) tentam inicialmente travar Bratt mas não são bem sucedidos. Assim, na reunião da liga anti-vilões acabam ambos despedidos pela nova directora Valerie Da Vinci (voz de Jenny Slate); uma personagem que, estranhamente, não tem continuidade. Enquanto Gru rumina sobre o seu lugar no lado bom da lei e Lucy tenta ajustar-se ao seu papel de mãe das três raparigas, ainda sem grande sucesso, chega um convite para que a família visite a mansão de Dru (de novo Steve Carrell), o irmão gémeo de Gru, separado à nascença e cuja existência sempre lhe foi escondida, como lhe explica a sua mãe (uma breve aparição só para termos o gosto de re-ouvir a voz de Julie Andrews).
Assim toda a família ruma à rica herdade de Dru. Este, inicialmente tão exuberante (e aquele cabelo, hein?!), esconde na realidade um desejo de seguir as pisadas quer do seu pai, quer de Gru, na vilania. Assim vai lentamente tentar convencer Gru a voltar-se de novo para o lado negro da lei, para que este o ensine a ser um grande vilão. Gru vai gostar de ser mauzinho outra vez, mas nunca o suficiente para ceder. Vai contudo fingir que sim para que o irmão (que prova ser bastante desastrado) o ajude a roubar o diamante de volta, pois sabe que se o conseguir recuperar ele e Lucy serão readmitidos na liga anti-vilões. Enquanto isso, Lucy vai ter várias oportunidades para tentar criar uma ligação emocional mais forte com as miúdas, somente para descobrir que só precisava de ser ela própria para o conseguir.
"É interessante que haja esta tentativa de reintroduzir uma temática familiar mais forte na história, mas é pena que Gru esteja maioritariamente fora destas cenas, como se os argumentistas já não soubessem mais como fazer evoluir a sua relação com as miúdas (...) Parece também que já não sabem bem o que fazer com os Minions. As risadas que eles proporcionam são genuínas, porque eles o são. Mas já não são nem originais, nem tão hilariantes."
É interessante, como disse em cima, que haja de novo esta tentativa de reintroduzir uma temática familiar mais forte na história, mas é pena que Gru esteja maioritariamente fora destas cenas, como se os argumentistas já não soubessem mais como fazer evoluir a sua relação com as miúdas. Assim, as despesas ficam todas do lado de Lucy, o que já não é bem a mesma coisa. Já agora, voltei a notar algo que já havia notado no segundo filme. Das três raparigas, só duas evoluem: a mais velha, Margo (que está a começar a enfrentar os problemas da adolescência) e a mais nova, Agnes (que está a começar a perceber que há ilusões da infância que não são reais). Tal como no filme anterior, a filha do meio, Edith, quase não abre a boca. Coitada. É mais uma personagem com a qual os argumentistas não sabem o que fazer…
Entretanto os Minions, fartos de uma vida no lado bom da lei, primeiro fazem greve e depois decidem abandonar o lar de Gru. Sozinhos vão meter-se em sarilhos (claro!), o que os leva à prisão (mais uma cena engraçada). Mas aí vão-se arrepender e sentir saudades de Gru. Então planeiam uma gigantesca fuga que os permitirá regressar ao velho mestre. São típicas cenas Minions que contudo, é preciso repetir, já não vibram tanto como vibraram em filmes anteriores. Ao fim de quatro filmes e inúmeras curtas-metragens, parece também que os animadores já não sabem bem o que fazer com os Minions. As risadas que eles proporcionam são genuínas (é só ver a cena na prisão), porque as próprias criaturas o são. Mas já não são nem originais, nem tão hilariantes. A Illumination usou e abusou dos Minions, e agora, infelizmente, começa a pagar o preço desse abuso…
Depois tudo é relativamente linear. Gru e Dru, com uma pequena ajuda de Lucy, vão tentar roubar o diamante do lar de Bratt numa das cenas do filme que mais risadas e excitação proporciona. Depois Bratt vinga-se, voltando a recuperar o diamante e raptando as três miúdas, enquanto põe o seu plano maléfico em movimento, rumando às margens de Hollywood para a arrasar do mapa… Cabe a Gru, Dru, Lucy e já agora aos desastrados mas bem-intencionados Minions salvarem a cidade e as raparigas, para tudo estar bem quando acabar bem… ou quase (mais surpresas no final…).
"Num contexto sobrecarregado de filmes de animação, este é apenas mais um. Não há nada de muito inovador na forma como se desenrola a sua história, que segue uma estrutura bastante convencional. Isto permite que as piadas e a acção fluam com dinamismo, (...) mas o espectador mais exigente notará que estes momentos de entretenimento são fugazes; duram apenas tanto quanto a duração do filme e não mais."
Tudo somado é preciso dizer que num contexto cinematográfico sobrecarregado de filmes de animação, ‘Despicable Me 3’ é apenas mais um. Não há nada de muito inovador na forma como se desenrola a sua história, que segue uma estrutura bastante convencional. Não há muita construção (nem emocional, nem das personagens, nem da aventura que carece de qualquer mistério) e o filme salta rapidamente entre as suas várias fases. Isto não é necessariamente mau já que permite que as piadas e a acção fluam com dinamismo, proporcionando momentos de entretenimento fácil que saciarão a família numa sala de cinema ou num sofá num sábado à tarde. Se é esse o objectivo então ‘Despicable Me 3’ cumpre, tal como aliás o segundo filme já havia cumprido. Mas o espectador mais exigente notará que estes momentos de entretenimento são fugazes; duram apenas tanto quanto a duração do filme e não mais.
Com tantas estreias de filmes de animação digital nos dias de hoje, o que vai distinguindo este género de filmes uns dos outros é a força cómico-dramática das suas personagens. O primeiro filme tinha uma enorme força; Gru era hilariante, as miúdas davam um toque humano à peça e os Minions eram inesquecíveis. Mas agora, tal como acontece em muitas sequelas, o filme apanha a onda do próprio mediatismo do seu universo e torna-se algo preguiçoso. A verdade é que se estivéssemos a conhecer estas personagens neste filme nunca as acharíamos especiais. De facto, a personagem mais interessante de ‘Despicable Me 3’ é o vilão, Balthazar Bratt. Se isto não abona muito a favor da franchise (já que Bratt provavelmente não voltará a aparecer) ao menos permite cumprir, pelo menos em parte, a velha máxima de Hitchcock: quanto melhor o vilão, melhor o filme. É à volta de Bratt que as coisas melhor funcionam e mais têm piada. De resto, o filme apenas apresenta as personagens que tão bem conhecemos a fazer as coisas que esperamos delas. Nem mais, nem menos. Eu sei que é isso que se espera de uma sequela, mas um cinéfilo espera sempre um bocadinho mais. E não achei Dru nada de especial, embora o filme abra a porta para a sua aparição recorrente, daqui em diante…
"É um filme brilhantemente animado, com ambientes digitais soberbos e cores apelativas (...) É um filme com um bom ritmo (...) que proporciona risadas suficientes para dispor bem. Mas é um filme cujo interesse está mais na aventura do que nas personagens, mais no divertimento casual do que na moral (...) Apenas apresenta as personagens que tão bem conhecemos a fazer as coisas que esperamos delas. Nem mais, nem menos."
‘Despicable Me 3’ continua a ser um filme brilhantemente animado, com ambientes digitais soberbos e cores apelativas (a Illumination é dos melhores estúdios neste departamento), embora seja notória a ausência da exploração da tridimensionalidade que o primeiro e o segundo continham (quem se lembra das brilhantes sequências 3D com os Minions, nos créditos finais dos dois primeiros filmes?!). Continua a ser um filme com um bom ritmo (exacerbado pela movimentada banda sonora de Heitor Pereira) que proporciona risadas suficientes para dispor bem. Mas é um filme cujo interesse está mais na aventura do que nas personagens, mais no divertimento casual do que na moral, mais nas piadas fugazes do que em momentos duradoiros. Não é um filme para se ver e rever. É um filme descartável, que resulta enquanto dura mas depois não possui nada que fique para a posteridade. É apenas um degrau para chegar ao próximo filme da franchise. Tenho pena, porque o primeiro filme era uma grande obra. Este já não. Se é para ver um filme divertido no cinema, este resulta tão bem como qualquer outro. Mas se é para ver um grande filme de animação, temos de continuar à procura.
0 comentários:
Enviar um comentário
Porque todos somos cinema, está na altura de dizer o que vos vai na gana (mas com jeitinho).