Acho que toda a gente se lembra do primeiro disco de música que comprou. Pois bem, o meu foi o CD de compilação ‘John Williams Filmworks’. Corria o ano de 1998. Tinha 13 anos de idade.
Talvez porque os meus pais não eram muito dados à música (ou se eram, não o partilharam comigo) não cresci com grandes preferências musicais. Claro que fui ouvindo sempre as músicas para crianças e acompanhei a mítica idade de ouro da Disney no início dos anos 1990, mas nunca fui introduzido, ao contrário de outros colegas, aos grandes músicos e intérpretes do século XX. Só muito mais tarde, quando andava no secundário e nos primeiros anos da universidade, é que comecei realmente, sozinho, a explorar o século XX musical, acabando por me focar mais na vertente do rock e metal sinfónico (culpado!). Até lá, e como desde cedo comecei a ver e a amar cinema, para mim a música que existia era a música dos filmes: as bandas sonoras.
Considero que tive sorte, muita sorte, em ter crescido durante as duas últimas décadas de ouro da banda sonora instrumental sinfónica; os anos 1980 e 1990. Hoje a banda sonora instrumental está outra vez esquecida. O seu papel já não é visto como uma afirmação temática e emocional mas apenas como “ambientação”, enterrada como está por baixo dos massivos efeitos sonoros e dilacerada pelas batidas modernas, anti-melódicas, que caracterizam o mundo da música actual. Mas nos anos 1980 e 1990, nomes como Ennio Morricone, James Horner, John Williams, Patrick Doyle, Thomas Newman, Alan Menken ou Basil Poledouris eram reis, e os realizadores e editores tinham um enorme respeito pelas suas composições, que brilhavam ao longo de todo o filme, de genérico a genérico.
Aos 13 anos de idade para mim não havia ninguém melhor que John Williams (e ainda hoje não há, salvo Ennio). O homem tinha composto o tema de todos os meus filmes preferidos à excepção de ‘Back to the Future’ (esse é de Alan Silvestri). Era seu o tema de ‘Star Wars’. Era seu o tema de ‘Indiana Jones’. Era seu o tema de ‘Superman’. Era seu o tema de ‘Jurrasic Park’. O homem era deus. Mas se eu queria ouvir as suas composições só havia uma coisa que podia fazer: pôr os VHS no leitor e fazer um fast forward até ao genérico (quantas vezes não ficava a ouvir duas ou três vezes os genéricos finais…).
Mas tudo isso mudou nesse mítico dia de 24 de Agosto de 1998 (sim, conservei o talão!) em que fui com a minha família a um hipermercado. Na altura, não havia assim tantos hipermercados na minha cidade (um ou dois talvez) por isso uma ida destas era uma verdadeira aventura. Depois das compras, a minha mãe deixou-me ir dar uma voltinha na loja de multimédia. Era uma daquelas lojas que, tanto quanto me lembro, só tinham praticamente discos e alguns VHS. E foi aí que eu o vi. O CD de capa alaranjada ostentando as palavras “John Williams” e uma imagem de uma antiga máquina de filmar. Peguei nele e nem precisei de o virar. Lá estavam escritos na capa os nomes mágicos dos “meus” filmes: ‘ET’, ‘Jurassic Park’, ‘Raiders of the Lost Ark’. O dia tinha chegado para eu fazer aquilo que já há algum tempo sabia que tinha de fazer: comprar uma banda sonora.
Como já escrevi nestas páginas, sempre fui poupadinho nas mesadas e nas prendas que recebia. Nunca gastei em coisas efémeras (como doces ou chocolates) para poder gastar em coisas mais permanentes que realmente gostava, quer fosse o modelo de um avião ou, descobria nesse mesmo instante, um CD de música. Por isso tinha o dinheiro necessário para fazer esta tão preciosa compra, ainda na moeda antiga: 2.530 escudos (cerca de 12,5 Euros). Já não me lembro se o tinha comigo ou se pedi à minha mãe para o comprar e depois lhe paguei. Mas o que importa é que o disco foi para casa comigo e fui *eu* que o comprei.
Foi maravilhoso. Não tenho a certeza se já tinha ou não nesta altura o meu mítico “tijolo”, o leitor de cassetes e CDs que me acompanhou na adolescência. Mas aí ou algures pela casa ouvi e re-ouvi este CD durante semanas a fio. Foi o meu primeiro grande contacto íntimo com a música, em que só eu e ela existíamos no universo próprio que só a boa música pode gerar no imaginário de um fã. Vibrei com os grandes temas da minha infância vezes sem conta. E apaixonei-me por temas de filmes anos antes de os ver pela primeira vez, como o de 'The Eiger Sanction' (1975), ‘Always’ (1989) ou ‘Far and Away’ (1992). Aliás, a banda sonora de ‘Far and Away’ tornou-se a minha preferida e já sabia toda partitura de cor quando anos mais tarde finalmente vi o filme. Por fim, o livrete de quinze páginas, contendo comentários sobre a carreira de Williams e Steven Spielberg, bem como um resumo crítico de todos os filmes e temas incluídos, foi o primeiro “livro” de cinema que li.
Ainda hoje, 19 anos depois, mantenho um carinho especial por este CD (continua a ser um dos melhores que possuo), e conforta-me quando o retiro da estante e o ouço. A beleza dos temas que contém nunca se esgota, mas acima de tudo é uma parte intrínseca de mim. Foi um pequeno passo na minha emancipação. Foi uma plataforma de descoberta de filmes que desconhecia. Foi a porta de entrada no género musical que ainda hoje é o meu preferido. Foi a primeira pedra na minha colecção pessoal de bandas sonoras que, modéstia à parte, até é considerável e inclui alguns itens raros. Foi o início de uma relação apaixonada, para toda a vida.
Esta foi a minha histoire du cinema sobre a primeira banda sonora que comprei. Qual é a sua, caro leitor?
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