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Histoire(s) du cinema: DragonHeart (1996); ou como fui sozinho ao cinema pela primeira vez

A semana passada estava a fazer zapping e de repente, na Fox, vi que estava a dar o filme ‘DragonHeart’ (em português 'DragonHeart: Coração de Dragão'). Apesar de não o ver há mais de uma década, reconheci-o imediatamente. Afinal, não podem haver dois filmes diferentes em que Dennis Quaid tenha aquele cabelo. Sorri, como sempre faço quando penso neste filme. Porque, embora não seja, obviamente, uma obra prima, é um filme que recordo com muito carinho. Não fosse o primeiro filme que vi numa sala de cinema on my own, ou seja, não acompanhado por uma pessoa mais velha. Corria o ano de 1996. Tinha 11 anos de idade.

Como muitas pessoas que cresceram nos anos 1980 e 1990, tive a sorte de morar num bairro que possuía o seu próprio cinema. De facto, morava nem a 200 metros dele. Era um daqueles típicos cinemas de bairro com uma única sala que acabou por fechar portas no final da década de 1990, como quase todos, aquando da invasão do mercado por parte dos multiplexs em centros comerciais. Hoje ainda permanece, de portas fechadas, devoluto, sem que nenhum empreendedor o re-abra ou o re-converta para outra actividade.


Sempre que revisito os meus pais e passo à porta desse espaço tenho um pequeno aperto no coração. Foi nesse cinema, com cinco ou seis anos de idade, que tive as minhas primeiras experiências cinéfilas ao ver filmes como ‘Teenage Mutant Ninja Turtles’ (1990), ‘Home Alone’ (1990) ou ‘Beauty and the Beast’ (1991). Todos os dias, quando passava no banco de trás do automóvel dos meus pais a caminho da escola, espreitava para ler o nome do filme que o quadro luminoso ostentava. Claro que não vi, pelo menos na altura, a maior parte desses filmes, mas imaginava o que seria vê-los, estimulado pelos trailers e featurettes que passavam nos poucos canais estrangeiros que na altura se podiam ver em Portugal.

Precisamente, algures em 1996, um trailer estimulou a minha fantasia infantil. Ainda hoje consigo ouvir a voz de QuaidI go to save the dragon, who will go with me?!". Não fazia ideia na altura, mas a personagem do dragão (voz de Sean Connery) foi a primeira personagem principal de um filme inteiramente animada por computador. O impacto em mim, e em muitos jovens provavelmente, foi incrível. Ali estava um dragão, não num filme de animação, mas a interagir com personagens de carne e osso. Era algo que um rapaz de 11 anos não podia deixar escapar. E, para muita alegria minha, algum tempo depois (os filmes não chegavam na semana a seguir a Portugal, como agora…) vi o que me pareceu ser o título ‘DragonHeart’ no placard do “meu” cinema. Mas quando olhei para ver melhor já não tinha ângulo, o carro dos meus pais já tinha avançado. Seria ‘DragonHeart’ ou o outro filme a acabar em “heart” – 'Braveheart’ - que tinha feito um enorme furor no início desse mesmo ano ao vencer cinco Óscares?! Estava ainda a uns anos de distância de ver pela primeira vez ‘Braveheart’ (que se tornaria um dos meus filmes preferidos), portanto o que eu queria mesmo naquela altura era ver o ‘Dragonaheart’.

Por qualquer motivo, lembro-me de ter tido esta dúvida existencial, que provavelmente dissipei passando outra vez à porta do cinema. Assim, comecei a longa odisseia de convencer os meus pais a ir ver o filme comigo (era para maiores de 12). Mas nenhum teve interesse ou disponibilidade. Não desistindo, e chato e rebelde como sempre fui, comecei a tentar convencer a minha mãe a ir sozinho. Afinal, o cinema era mesmo ali ao lado. E foi então que, após muito debate e muita persuasão chegamos a um acordo. A minha mãe iria comigo comprar o bilhete e ver-me-ia a entrar na sala. Depois eu veria o filme sozinho mas quando terminasse tinha que ir directo, mas directo, para casa. Como poderia recusar a promessa de uma tarde tão extraordinária?! E assim foi.


Lembro-me perfeitamente da pequena viagem de casa até ao cinema. Lembro-me perfeitamente do momento em que suspirei de alivio após confirmar mais uma vez, vendo os posters, que era mesmo o "heart" que queria ver. Lembro-me perfeitamente do momento em que recebi o bilhete da mão da minha mãe e ouvi de novo (pela milésima vez) as recomendações de que deveria voltar para a casa imediatamente após o final da sessão. E lembro-me perfeitamente de entrar na sala, sozinho. Estava vazia e andei até ao meu lugar com uma sensação de liberdade e maturidade que nunca tinha experienciado. Parafraseando Morgan Freeman em ‘The Shawshank Redemption’: “I was the lord of all creation”. Acomodei-me no meu lugar. Entraram mais algumas pessoas. O filme começou. Estava no sétimo céu. Ninguém para me incomodar, ninguém para me distrair. Só eu e a tela.

Duas horas depois o filme terminou. Lembro-me de ter gostado. Para um rapaz de 11 anos era difícil de ver, na altura, um melhor blockbuster de fantasia aventureira. Mas gostei muito mais da experiência e foi com uma sensação de triunfo que fiz o pequeno troço de rua até casa. Foi também um ponto de viragem no meu crescimento, que me provou que conseguia fazer as coisas que gostava sozinho, desfrutando delas na mesma. A minha primeira pequeno-nano-micro emancipação associada à sétima arte.

Por acaso, vi ‘Dragonheart’ mais uma vez, em circunstâncias particulares. Apanhei-o na televisão num quarto de hotel, imagine-se, na Malásia em 1998. Estava mesmo a começar e fiquei a vê-lo, instigado pela memória da primeira vez. Mas sinceramente, foi há tanto tempo que não me lembro agora se o filme tem ou não qualidade artística. Contudo, agora que deu na Fox, pode ser que um dia destes o reveja. De facto, descubro agora, o motivo pelo qual o canal por cabo recordou este mítico filme de 1996 é porque acabou de sair mais uma sequela; 'Dragonheart: Battle for the Heartfire' (2017), após duas outras sequelas straigh-to-vídeo em 2000 e 2015. Aparentemente, ainda há mercado para explorar este universo. Incrível!


Mas nenhuma pessoa que pode ver agora estas sequelas na sua TV ou no seu computador terá a extraordinária sensação que eu tive nesse longínquo ano de 1996. Azar o delas. Eu cá tenho-a na memória. E ninguém ma pode tirar.

Esta é a minha histoire du cinema sobre 'DragonHeart'. Qual é a sua, caro leitor?

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Miguel. Portuense. Nasceu quando era novo e isso só lhe fez bem aos ossos. Agora, com 31 anos, ainda está para as curvas. O primeiro filme que viu no cinema foi A Pequena Sereia, quando tinha 5 anos, o que explica muita coisa. Desde aí, olhou sempre para trás e a história do cinema tornou-se a sua história. Pode ser que um dia consiga fazer disto vida, mas até lá, está aqui para se divertir, e partilhar com o insuspeito leitor aquilo que sente e é, quando vê Cinema.

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