Realizador: George B. Seitz
Actores principais: Lewis Stone, Mickey Rooney, Judy Garland
Duração: 88 min
Crítica: ‘Andy Hardy Meets Debutante’ (em português com o mirabolante título de ‘Prosápias de Andy Hardy’) é o nono dos dezasseis filmes da bem-amada saga do jovem Andy Hardy (genialmente interpretado, como nunca me farto de repetir, por Mickey Rooney), o membro mais novo da família Hardy da pequena cidade americana de Carvel.
Aqui em EU SOU CINEMA, tenho estado a revisitar os filmes um a um, esperando com isso que a saga encontre uma nova geração de fãs. É triste que a memória do cinema clássico se perca neste mundo moderno de cinema descaracterizado. É triste que as grandes obras do entretenimento para a família sejam esquecidas quando há muito poucos filmes actuais, se algum, que possam preencher o seu lugar. Pode a família inteira ir ver o ‘Spiderman: Homecoming’ e sair de lá saciada e mais unida? Dificilmente. Qual foi a grande comédia familiar de imagem real que o cinema americano nos apresentou na última década; aquela que daqui a 50 anos quereremos rever ao lado dos nossos filhos e netos? É difícil de pensar num título, não é? É por isso que a preservação da memória de filmes como aqueles da saga Andy Hardy é importantíssima.
"Este é o primeiro filme da saga que não começa no tribunal com o Juiz Hardy (...) Em vez disso, de uma forma algo inesperada, Seitz escolhe abri-lo com um longo plano do quarto de Andy. Pode parecer um pormenor insignificante mas é uma declaração visual poderosa no seio da saga e o reconhecimento da enorme popularidade de Rooney."
Se hoje é difícil encontrar quem saiba quem Andy Hardy foi, na viragem para 1940 o difícil era encontrar quem não conhecesse as suas aventuras e desventuras. A saga já ia com oito filmes em três anos; ‘A Family Affair’ e ‘You're Only Young Once’ em 1937; ‘Judge Hardy's Children’, ‘Love Finds Andy Hardy’ e ‘Out West with the Hardys’ em 1938; e 'The Hardys Ride High', 'Andy Hardy Gets Spring Fever’ e ‘Judge Hardy and Son’ em 1939. E cada um estava a ser um sucesso de bilheteira maior que o anterior. Os três filmes de 1939 renderam no total cerca de 4 milhões de dólares aos cofres da MGM (um valor altíssimo na altura); mais do que grandes sucessos do ano que ainda hoje recordamos como ‘Ninotcha’ com Greta Garbo.
Para isto contribui não só a enorme capacidade de identificação desta simpática família de classe média, mas também a genialidade de Mickey Rooney, o supremo, como Andy. Como o leitor pode perceber lendo as críticas anteriores, a saga lentamente afastou-se dos moldes argumentais e estruturais que caracterizaram os primeiros filmes para se centrar na odisseia de crescimento desta personagem. E 1939 foi o ano da consumação definitiva de ambos; Andy e Mickey, como os arquétipos eternos da adolescência, dentro e fora do ecrã. Naquele que é para muitos o ano mais brilhante da história de Hollywood; o ano em que se fez ‘Gone with the Wind’, ‘The Wizard of Oz’ ou ‘Stagecoach’; o líder da bilheteira mundial e o actor mais popular não foi Clark Gable ou James Stewart. Foi precisamente Rooney, com apenas 19 anos de idade, graças aos filmes da saga Hardy mas também ‘Babes in Arms’, outro massivo sucesso que lhe valeu uma nomeação para um Óscar de Melhor Actor, e abriu as portas para uma bem-sucedida sequência de comédias musicais com Judy Garland.
De facto, parece ser este o motivo principal para a saga ter abrandado a partir daqui o seu ritmo produtivo. ‘Andy Hardy Meets Debutante’ é o único filme da saga Hardy de 1940, precisamente porque a MGM estava a colocar Rooney noutras produções para capitalizar na sua gigantesca popularidade. Num ritmo frenético como só o sistema de estúdios desta altura podia suportar, nesse ano de 1940 Rooney continuaria a dançar e a cantar com Garland em ‘Strike up the Band’, a ser o actor dramático jovem por excelência do estúdio em ‘Young Tom Edison’ e começaria a filmar as sequelas dos seus êxitos recentes não-Hardy, com ‘Babes on Broadway’ e ‘Men of Boys Town’, sequela de ‘Boys Town’ (1938), a chegar às salas já em 1941. Para mim, o motivo é muito mais este do que propriamente a perda de chama da saga Hardy. Pelo contrário, a saga acabava de entrar no seu período mais brilhante, ao ser cuidadosamente calibrada para se tornar o veículo perfeito para a fabulosa, hilariante mas também comovente energia de Rooney.
"Apesar destas manobras extremamente promissoras, ‘Andy Hardy Meets Debutante’ é uma grande decepção (...) porque não é o mega espectáculo Mickey Rooney ou pelo menos Rooney/Garland que o espectador estaria à espera (...) O argumento não é muito interessante; há uma clara regressão na maturidade que Andy havia encontrado nos dois filmes anteriores; e (sacrilégio!) a química entre Rooney e Garland (...) está aqui extremamente mal explorada."
O sexto filme, 'The Hardys Ride High', como escrevi “é realmente o primeiro em que vemos Andy a amadurecer”, e “é um decisivo filme de charneira, entre a tradição inicial e o mega-espectáculo Mickey Rooney que a saga se tornaria”. O sétimo, o mais introspectivo'Andy Hardy Gets Spring Fever’, é uma “brilhante e virtuosa odisseia cómico-dramática coming-of-age” onde Andy atinge a sua definitiva maturidade. E o oitavo, ‘Judge Hardy and Son’, apesar de não assumir tanto a maturidade de Andy como o anterior, “é, no global, um dos melhores que a saga havia conhecido até então, e um dos filmes que mais se sustém isoladamente”. Possui um dos momentos mais negros da saga (a doença da mãe) mas rapidamente se recompõe desse susto para equilibrar os didácticos mantras da saga com a genial mestria de Rooney que “continua a ser o adolescente perfeito a nossos olhos (...) porque encarna na perfeição todas as nuances da adolescência. (...) Porque o retrato é tão vibrante e convincente, porque este limbo entre ser adolescente e adulto está extremamente bem captado, e porque Rooney (...) é uma autêntica força da natureza, não precisamos de muito mais. Não precisamos mesmo”. A não ser, obviamente, mais uma sequela!
De novo realizado por George B. Seitz (que até agora só não havia realizado o sétimo filme), o nono filme, ‘Andy Hardy Meets Debutante’, toma inicialmente duas importantes decisões que confirmam definitivamente o domínio de Rooney. A primeira é a forma surpreendente como o filme abre. Surpreendente, isto é, para quem conhecia todos os filmes anteriores. Este é o primeiro filme que que não começa, repito, não começa no tribunal com o Juiz Hardy (Lewis Stone) a resolver um pequeno caso com a sua sagacidade habitual. Em vez disso, de uma forma algo inesperada, Seitz escolhe abri-lo com um longo plano do quarto de Andy. Pode parecer um pormenor insignificante mas é uma declaração visual poderosa no seio da saga e o reconhecimento da enorme popularidade de Rooney.
A segunda é o regresso, após tantas, chamemos-lhe, Hardy-girls, da personagem de Betsy, que havia sido apresentada num dos melhores filmes da saga até aqui (e para muitos o melhor de todos): ‘Love Finds Andy Hardy’. O motivo é simples; Betsy havia sido interpretada por Judy Garland, que nos dois anos de permeio alcançara também o mega estrelato com ‘The Wizard of Oz’ e ‘Babes in Arms’. Com este último, o seu terceiro filme em conjunto, Rooney e Garland haviam-se tornado o casalinho preferido de Hollywood, e a MGM não hesitou um segundo em os emparelhar mais sete vezes nos anos seguintes, incluindo duas vezes na saga Hardy, a começar com este ‘Andy Hardy Meets Debutante’.
"Será que os produtores tiveram medo que Andy crescesse depressa de mais? É provável. Assim, Andy volta a ser o adolescente infantil e convencido que outrora fora (...) É uma pena que Polly já não tenha destaque no miolo deste filme (...) pois precisa de sair para a Betsy de Judy Garland poder entrar. É bom porque Garland é ainda mais deliciosa que Rutherford. Mas é mau porque quem perde é a personagem de Andy"
Contudo, apesar destas manobras extremamente promissoras, ‘Andy Hardy Meets Debutante’ é uma grande decepção. Ou melhor, mantém ainda minimamente o padrão de qualidade da saga (nada mau para um nono filme), mas é uma decepção porque não é o mega espectáculo Mickey Rooney ou pelo menos Rooney/Garland que o espectador estaria à espera. Para mim há três grandes motivos para esse falhanço. O argumento não é muito interessante; há uma clara regressão na maturidade que Andy havia encontrado nos dois filmes anteriores; e (sacrilégio!) a química entre Rooney e Garland, tão perfeita em ‘Love Finds Andy Hardy’, ‘Babes in Arms’ ou ‘Strike up the Band’, está aqui extremamente mal explorada. O filme parece estar continuamente dividido entre ser um “Andy Hardy” ou ser uma comédia musical Rooney/Garland e nunca encontra realmente o equilíbrio entre estes dois géneros.
A primeira cena mostra-nos como Andy está perdidamente apaixonado por Daphne Fowler (Diana Lewis), uma rapariga popular da sociedade nova iorquina que foi eleita pelas revistas (que Andy colecciona em segredo) como a debutante nº 1 da América. A forma como tenta esconder o seu livro de recortes de fotos de Daphne dos pais e dos amigos é típica exuberância cómica de Rooney, mas isso não consegue esconder que esta paixoneta é claramente um passo atrás na sua caminhada, até então eximiamente retratada, até à idade adulta. Este é um Andy mais próximo do dos primeiros filmes (no segundo filme, ‘You're Only Young Once’, já se tinha apaixonado por uma herdeira) e que está demasiado longe, por exemplo, daquele Andy que tinha tido uma intensa paixão por uma mulher mais velha em 'Andy Hardy Gets Spring Fever’, algo que o fizera naturalmente amadurecer e ficar a conhecer-se melhor a si próprio.
Também a sua relação com Polly (continuo a adorar Ann Rutherford), que nos filmes anteriores ganhara contornos mais maduros, regride. Será que os produtores tiveram medo que Andy crescesse depressa de mais? É provável. Assim, Andy volta a ser o adolescente infantil e convencido que outrora fora, como se não tivesse aprendido nenhuma lição anterior. Até é engraçado ver Polly a dar um baile a Andy com o seu bate boca entre o amor e o ódio tão típico da adolescência, mas é uma pena que Polly já não tenha destaque no miolo deste filme como nos dois anteriores. Nota-se que ela precisa de sair de cena para a Betsy de Judy Garland, agora a parceira por excelência de Rooney, poder entrar. É bom porque Garland é ainda mais deliciosa que Rutherford (o que diga-se não é fácil). Mas é mau porque quem perde é a personagem de Andy que havia sido construída com tanto cuidado anteriormente.
"Betsy cresceu desde que a vimos em ‘Love Finds Andy Hardy’ e Garland, então com 17 anos de idade, vibra ao concebê-la com várias camadas, tornando-a assim uma das personagens femininas mais bem trabalhadas da saga (...) Garland é electrizante e fascinante desde a primeira cena e sinceramente é preciso admitir que tem a exuberância e energia que faltam a Andy (argumentalmente isto é) neste filme."
O misto de imaturidade com fanfarronice leva Andy a gabar-se de que conhece Daphne pessoalmente a Polly e ao seu amigo Beezy (George P. Breakston). Até vai mais longe, insinuando que são namorados e que iriam dançar a sua primeira dança de debutante, isto é, caso Andy estivesse em Nova Iorque. Mas a mentira vai-lhe explodir na cara quando o Juiz decide levar toda a família precisamente para Nova Iorque (já há dois filmes que não viajavam!). Quando Polly e Beezy sabem disso, e suspeitando que está a mentir, insistem que ele tem de tirar uma fotografia com a debutante para o jornal da escola e Andy, como o adolescente que é, sente que o seu mundo terminará se não o fizer…
O motivo da viagem é relativamente simples. O Juiz quer levar a tribunal uma grande firma que não está a cumprir as suas obrigações de pagamento com vista a suportar o orfanato de Carvel. Esta é uma linha argumental que faz lembrar obviamente ‘Boy’s Town’ e que, nada por acaso (ou não!), inclui um pequeno órfão, Francis (Clyde Willson) que recorda a personagem de Pee Wee desse filme. Depois de alguns momentos de comédia algo apagada (falta propósito cómico, claramente, a este filme) em que Andy tenta fazer tudo para não partir, lá segue a família para mais uma viagem. Mas felizmente, seguindo as pisadas dos filmes mais recentes, só praticamente o Juiz e Andy terão destaque argumental. A mãe (Fay Holden) aparece apenas como contraponto, para o Juiz e Andy terem alguém com quem falar. Já a Tia Milly (Sara Haden) e a irmã Marian (Cecilia Parker) praticamente desaparecem mal põem os pés na Big Apple. E ainda bem. O filme não tem absolutamente nada para lhes dar, nem elas a nós.
Em Nova Iorque, Andy reencontra logo Betsy, cujos pais convenientemente estão de férias fora da cidade, deixando-a sozinha. Betsy cresceu desde que a vimos em ‘Love Finds Andy Hardy’ e Garland, então com 17 anos de idade, vibra ao concebê-la com várias camadas, tornando-a assim uma das personagens femininas mais bem trabalhadas da saga. Filha de pais ricos (a mãe que nunca vemos é uma cantora famosa) Betsy move-se com graciosidade e segurança pela alta sociedade, mas não deixa de ser a ‘girl next door’. A maior fraqueza da sua personalidade aberta e dada é talvez a sua intensa paixão, quase trágica, por Andy, que só praticamente Andy não reconhece, considerando-a apenas uma grande amiga (um paralelismo da sua intensa amizade off-screen??).
"Se era para centrar o filme na parelha Rooney-Garland, então deveria ter-se explorado muito mais a fundo a comédia musical romântica (...) Em vez disso [o filme] arrasta-se com uma história pouco dinâmica (...) Andy sente demasiado o peso da consciência social (...) E, consequentemente, Rooney inibe-se para tentar dar o devido peso ao material, o que nunca resulta muito bem. (...) Este não é definitivamente o estilo em que Rooney está mais confortável"
Garland é electrizante e fascinante desde a primeira cena e sinceramente é preciso admitir que tem a exuberância e energia que faltam a Andy (argumentalmente isto é) neste filme. A sua presença permite também que os números musicais, que apenas tinham sido vistos precisamente em ‘Love Finds Andy Hardy’, regressem à saga, o que é uma boa vinda distracção. Judy a cantar é qualquer coisa, e aqui brinda-nos com as suas fantásticas interpretações de "I'm Nobody's Baby" (que se tornou um enorme sucesso de vendas) e "Alone" – temas que canta para demonstrar a sua paixão por Andy. Ele não sente, pelo menos inicialmente. Mas nós sentimos. E de que maneira.
Mas se era para centrar o filme na parelha Rooney-Garland, então deveria ter-se explorado muito mais a fundo a comédia musical romântica que ambos dominavam como ninguém. Apesar de haver indubitável química entre os dois, o filme não aprofunda essa via, escolhendo em vez disso arrastar-se com uma história pouco dinâmica, enquanto Andy anda desesperado pela cidade à procura de uma oportunidade para travar relações com a debutante. Recusando sempre a ajuda de Betsy, que toma o papel de bem intencionada confidente, Andy vai passando por várias cenas embaraçosas que nunca terminam a seu favor. Estas são apenas levemente engraçadas porque pretendem acima de tudo ser moralistas, como quando ele vai jantar a um restaurante fino onde Daphne poderá estar e só no fim descobre o quão caras podem ser as coisas na grande cidade…
Há alguns paralelismos ao filme anterior, onde Andy também ia de porta em porta (aí para descobrir uma determinada rapariga em Carvel), mas o fantástico ritmo cómico que aí existia é aqui uma memória distante. Andy sente demasiado o peso da consciência social; é um peixe fora de água num meio a que não pertence e num universo que se rege por regras de etiqueta que não se ajustam à sua personalidade naturalmente exuberante. E, consequentemente, Rooney inibe-se para tentar dar o devido peso ao material, o que nunca resulta muito bem. Até a sua reacção interpretativa quando descobre que não pode pagar o jantar é muito acanhada. Este não é definitivamente o estilo em que Rooney está mais confortável, e isso sente-se.
"Numa altura em que a evolução de Andy já se tinha sobreposto à veia didáctica dos filmes (...) é uma pena constatar que este filme volta a inverter as suas prioridades. Principalmente porque este tema da diferença de classes não é propriamente novo (...) Só quando estes problemas todos são resolvidos (...) é que o filme finalmente fica livre para ter os raios de entretenimento que estávamos à espera desde o início (...) com um sorriso nos lábios"
O filme perde-se então na construção de uma gigantesca lição de moral sobre como independentemente do estatuto social e da terra de onde se vem (mesmo a “campónia” Carvel) todos temos os mesmos direitos e devemos ser tratados com o mesmo respeito. Numa altura em que a evolução de Andy já se tinha sobreposto à veia didáctica dos filmes, ou melhor, esta veia surgia como uma natural consequência do seu crescimento, é uma pena constatar que este filme volta a inverter as suas prioridades. Principalmente porque este tema da diferença de classes não é propriamente novo ('The Hardys Ride High' já explorara todos os ângulos possíveis deste assunto), e a viagem a Nova Iorque, na dicotomia ‘grande cidade vs. pureza da pequena América’, funciona nos mesmos moldes que viagens anteriores a Detroit (em ‘Ride High’) ou Washington (em ‘Judge Hardy's Children’).
Até a habitual conversa pai-filho ocorre face aos grandes monumentos da cidade (incluindo a Estátua da Liberdade) tal como havia acontecido em Washington. E é precisamente nesse passeio que um comentário ocasional vai levar, mais uma vez, o Juiz a perceber como solucionar o seu problema e salvar o orfanato. Só quando isso acontece é que Andy finalmente percebe que alguém da pequena cidade pode bater-se por grandes causas e contra membros mais ricos e influentes da sociedade. Assim, tenta ele também fazer as coisas pela via honesta, suportado pela família e os amigos. Desse modo, apercebe-se que a solução para todos os seus problemas (incluindo a perda de um alfinete de gravata valioso do pai de Betsy; um desinteressante e extremamente forçado aparte), estava mesmo à frente do seu nariz…
Quando estes problemas todos são resolvidos de uma forma bastante previsível, o filme finalmente fica livre para ter os raios de entretenimento que estávamos à espera desde o início. E eles surgem, felizmente, com um sorriso nos lábios. A sequência da noite do baile das debutantes é sem dúvida a melhor do filme. Não tanto porque finalmente temos um pequeno cheirinho de Diana Lewis como Daphne, onde Andy desconstrói a sua ilusão dela (Lewis acabaria a carreira pouco depois para casar com o actor William Powell e seria a mulher deste mais de quarenta anos, até à sua morte). Mas principalmente porque Judy interpreta ‘Nobody’s Baby’ e Andy começa a olhar para Betsy com outros olhos. Diz ela a uma amiga: "Oh, listen, I've got a song that if it doesn't wake Andy Hardy up, he must be made out of concrete!”. E tem razão!
Verdade que o filme termina numa nota elevada. Verdade que gostamos de ver quando Betsy e Andy partilham o seu primeiro beijo. Verdade que até nos comovemos um bocadinho quando se despedem, supostamente a abrir a porta para um futuro romance (“Betsy, I’ll come back some day”), que infelizmente nunca se materializaria. Verdade que gostamos quando Andy regressa à terriola (não há nada como a nossa casa!), com um nico de maturidade a mais e as lições de moral no bolso. E é verdade que até nos rimos quando os papéis se invertem e é ele que está confiante e Polly arrependida, no típico final da saga.
"O final é agridoce. Até não podemos deixar de sorrir ao perceber que o que se perpetua não é (...) o crescimento de Andy, mas antes a sua adolescência eterna. Mas o filme paga um preço demasiado elevado por isso. (...) Quase como se recusasse forçadamente Andy a crescer (...) escolhe sempre a moral em prol do entretenimento (...) e é muito pouco dinâmico, precisamente porque Andy passa mais de metade do tempo deprimido (...) Falta a dinâmica cómica de Rooney"
Mas é também um final agridoce. Por um lado até não podemos deixar de sorrir ao perceber que o que se perpetua não é, como nos dois filmes anteriores, o crescimento de Andy, mas antes a sua adolescência eterna. Mas o filme paga um preço demasiado elevado por isso e fá-lo de uma forma algo artificial, quase como se recusasse forçadamente Andy a crescer. Aliás, se fosse uns anos mais velho até seria algo dúbio o que faz; nomeadamente fazer promessas a Betsy para no dia seguinte estar outra vez a namorar Polly. Andy diz a Polly, na sua forma fanfarrona extremamente confiante de outrora “Can I help it if I have irresistible charm?” e Polly responde: “That’s not charm, that’s polygamy” (certo!), mas acrescenta: “But Oh Andy, how we women love it”, o que não deixa de ser um comentário datado que cai algo mal no espectador de hoje. O próprio Andy termina o filme consolidando a sua reputação como o adolescente mais sortudo e icónico da história cinematográfica americana, ao entrar em casa entoando o tema da saga e depois alinhando a foto de todas as suas pretendentes em cima da cómoda exclamando: “Gosh, how one's women do mount up!". Acho que funcionaria excelentemente há três ou quatro filmes atrás. Mas não neste ponto na sua evolução.
Por outro lado, pelo menos para mim, estes breves acordes finais não são suficientes para salvar o resto, porque o filme escolhe sempre a sua moral em prol do entretenimento. O filme tem um ritmo morno e é muito pouco dinâmico, precisamente porque Andy passa mais de metade do tempo deprimido, com uma voz arrastada. E não é uma depressão séria e sentida como a de 'Andy Hardy Gets Spring Fever’; é uma depressão que tenta ser cómica e exageradamente infantil (de novo forçando a “adolescência” de Andy), que não tem tanta piada como os produtores pensam e já é demasiado imatura para o que ele havia atingido. Mas o que mais sinto falta é a dinâmica cómica de Rooney. Ao contrário de todos os filmes Hardy deste período, Andy quase não diz, ou não diz mesmo, os seus míticos one-liners cómicos, e o filme, infelizmente, quase não tem cenas de comédia.
Embora nunca se deva negligenciar o poder moralista destas obras para a família e os jovens (existe sempre, e com qualidade), o filme está tão preocupado com isso que descura o resto. Por esses motivos, porque a fabulosa energia que a saga estava a ter é subitamente quebrada, é que considero este filme uma gigantesca decepção. Tenho pena. Tenho muita pena. Mas mesmo assim o filme merece ser visto. Garland e Rooney não contracenaram assim tantas vezes quanto isso (dez no total) pelo que qualquer oportunidade de os ver juntos é uma bênção. O filme é salvo por isso, se pouco pelo resto. De facto, as críticas da altura reconhecem isso mesmo. Escreveu a Variety em Julho de 1940: “Miss Garland is prominent and lovely”, e a Time no mesmo mês: "Mickey Rooney thrives on his ability and determination to steal anything up to a death scene from a colleague”.
"Embora nunca se deva negligenciar o poder moralista destas obras (existe sempre, e com qualidade), o filme está tão preocupado com isso que descura o resto. (...) Mas mesmo assim o filme merece ser visto. Garland e Rooney não contracenaram assim tantas vezes quanto isso (...) pelo que qualquer oportunidade de os ver juntos é uma bênção. O filme é salvo por isso, se pouco pelo resto."
Mesmo com o seu argumento fraco, artificial e repetitivo, não é uma surpresa recordar que o filme foi mais um gigantesco sucesso para a MGM, arrecadando 1 milhão e meio de dólares na bilheteira mundial (o que corresponde a cerca de 25 milhões agora). A saga Hardy estava mais viva do que nunca, e se o argumento e realização dos filmes por vezes não correspondiam, a popularidade de Rooney e Garland tratavam do resto. O ano seguinte, 1942, veria a estreia de mais dois filmes da saga, e Judy Garland regressaria para a sua terceira e última interpretação como Betsy. Mais importante que isso, a saga recuperaria o seu vibrante ritmo. Andy Hardy estava prestes a terminar o liceu e a fazer-se ao mundo…
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