Realizador: Michael Bay
Actores principais: Shia LaBeouf, Rosie Huntington-Whiteley, Tyrese Gibson
Duração: 154 min
Crítica: Algures em Junho de 2011 só havia uma pergunta que me interessava responder: teria Michael Bay conseguido?! Teria Michael Bay conseguido expurgar-se de um algo desastroso segundo filme dos Transformers; ‘Revenge of the Fallen’ (2009; estou a falar de qualidade não de sucesso financeiro), para retomar o seu lugar na elite dos realizadores comerciais, e oferecer ao espectador a típica marca registada do seu cinema: acção, explosões, mais acção, mais explosões? E a resposta, após de mais duas horas e meia numa sala de cinema, foi um retumbante SIM. Conseguiu. Oh yeah! O espectador agradece.
Todos sabemos aquilo que podemos esperar de um filme de Michael Bay. Os críticos nem sempre olham com simpatia para o seu cinema, mas como escrevi na minha crítica a ‘Tower Heist’ (2011), “Se o argumento diz "e então o autocarro explode", sabemos que Michael Bay o vai filmar muito melhor que Godard, Scorsese ou Ozu”. E isso é que é fascinante no seu cinema. Com ‘Bad Boys’ (1995) e ‘The Rock’ (1996), os seus dois primeiros filmes, Bay não fez coisa pouca: revolucionou o cinema de acção dos anos 1990; um cinema desenvolvido em formato videoclip (era o que fazia antes de rumar a Hollywood), com montagens frenéticas e a câmara em contínuo movimento (atrevo-me a chamá-lo balético?!) a acompanhar uma sucessão de veículos em velocidade, paradas de equipamento militar (Cameron, aprende como se faz), explosões, meninas e paisagens bonitas, e diálogos entre o humorístico e o cliché dados no momento oportuno. O objectivo não é ser arte nem apelar aos críticos. O objectivo é ser um massivo objecto de entretenimento e agradar ao público. O melhor Bay consegue-o. Facilmente.
“Se o argumento diz "e então o autocarro explode", sabemos que Michael Bay o vai filmar muito melhor que Godard, Scorsese ou Ozu. E isso é que é fascinante no seu cinema."
Após ter inventado o género ‘épico de acção lamechas’ com ‘Armageddon’ (1998) e ‘Pearl Harbor’ (2001), Bay precisava urgentemente de regressar à sua melhor forma. Não foi com ‘The Island’ (2005), mas seria dois anos depois com o primeiro ‘Transformers’, para mim uma verdadeira obra-prima. Vi-o pela primeira vez no cinema com amigos numa sexta à noite, e é uma daquelas experiências cinematográficas das quais sempre me recordarei. O filme tem uma química incrível e uma gigantesca cumplicidade com o espectador, balançando de forma fabulosa um argumento hilariante (quase todas as cenas têm piadas de chorar a rir, muito fruto da capacidade de improvisação cómica do seu elenco) com set pieces de acção fantásticas que nos fazem suster a respiração e arregalar os olhos, e que incluem carradas de efeitos especiais que se entrecruzam bem com a acção real. Mas dois anos depois, apesar de ter ido ver o segundo filme com enorme expectativa, saí da sala bastante desapontado. Pode ser mais épico, ter mais acção e ser mais ruidoso, mas toda a química e humor se perderam no meio da barulheira, e a história é demasiado fraca, até para um filme desta natureza.
Portanto quando decidi ir ao cinema em 2011 dar uma olhadela ao terceiro filme, munido dos óculos 3D (estávamos no pico da moda), não sabia bem o que ia encontrar. Ou a saga dos Transformers iria enterrar-se de vez, ou por um milagre Bay tinha conseguido dar-lhe a volta. E, por incrível que possa parecer, foi precisamente isso que aconteceu. ‘Transformers: Dark of the Moon’ (em português simplesmente ‘Transformers 3’) é um típico produto de Bay, é certo, mas é, ao contrário do segundo filme da franchise, um digno sucessor do primeiro. Os críticos podem dizer o que quiserem, e podem facilmente desconsiderar o filme como um comercial produto de entretenimento. Mas a imutável verdade é que este filme não tem pretensões de ser um milímetro mais do que aquilo que realmente é: um espectacular filme de acção, cheio de massivos (e eu quero mesmo dizer massivos!) efeitos visuais e sonoros, tais como eu, muito sinceramente, nunca antes tinha visto nos anais do cinema. ‘Avatar’ (2009) pode ser bonito, mas ‘Transformers: Dark of the Moon’ é pura adrenalina. Não podemos nem devemos julgar os filmes de Bay pela sua estrutura, argumento ou actuações. Devemos julga-los pelo tamanho das suas explosões. E nesse sentido ‘Transformers: Dark of the Moon’ é absolutamente imbatível. Com 2h30min é o maior, mais duro, mais barulhento, mais espectacular e mais kick-ass de todos os épicos de acção de Bay. E hoje, em 2016, apesar de um quarto filme dos Transformers (‘Age of Extinction’, 2014), ainda continua a ser.
Sem grande imaginação para arranjar novas desculpas para imiscuir os Transformers no planeta Terra depois dos eventos do primeiro e do segundo filme, ‘Dark of the Moon’ utiliza a pobre manobra clássica de adulterar reais eventos históricos. É uma manobra que sinceramente detesto, mas pelo menos este filme despacha essa parte rapidamente. Aparentemente, diz-nos o filme, a corrida à Lua na década de 1960 foi inteiramente causada pela presença de uma nave Transformers no nosso satélite. Os americanos acabaram por chegar lá primeiro que os russos (ufa!) e os famosos astronautas Neil Armstrong e Buzz Aldrin (que tem um cameo no filme) tinham como missão retirar uma amostra da nave e trazê-la de volta à Terra, onde tudo foi convenientemente abafado e a amostra guardada nas devidas instalações secretas. Claro que o filme não parece recordar-se que na década de 1970 houve mais cinco missões à Lua e parece estar a torcer para que o espectador também não saiba esse pequeno facto histórico. A ignorância é uma virtude nalguns casos, e este é um desses. Caso contrário o espectador torcerá o nariz, como eu o fiz…
"Não podemos nem devemos julgar os filmes de Bay pela sua estrutura, argumento ou actuações. Devemos julga-los pelo tamanho das suas explosões. E nesse sentido ‘Transformers: Dark of the Moon’ é absolutamente imbatível. Com 2h30min é o maior, mais duro, mais barulhento, mais espectacular e mais kick-ass de todos os épicos de acção de Bay."
Mas mal o filme muda para o presente, faz-nos imediatamente esquecer a fraca lição de história. Em grande estilo, regressamos ao ritmo cómico que tanto carisma tinha dado ao primeiro filme e cuja falta tanto tinha sido sentida no segundo. Após as declarações patéticas de Megan Fox de que os filmes dos ‘Transformers’ não eram verdadeiro cinema e que Michael Bay não lhe dava espaço para ‘actuar’ (jura?!), ela foi simplesmente afastada do terceiro filme sem desculpas nem justificações. Quando reencontramos Sam (Shia LaBeouf de novo na sua melhor forma nervosamente cómica) está em Washington depois de ter acabado o curso, e vive com a sua nova namorada, a escultural Carly (a modelo, anjo da Vitoria‘s Secret, Rosie Huntington-Whiteley no seu primeiro filme). Ninguém sabe que Sam ajudou a salvar o mundo duas vezes, ninguém sabe que ele tem em casa uma medalha de honra dada pelo presidente Obama, e apesar de estar a tentar arranjar emprego no mundo empresarial de Washington, na realidade Sam sente falta da adrenalina, e de estar com os seus amigos Transformers que há algum tempo não vê.
As cenas de Sam a arranjar emprego numa empresa liderada por John Malkovich são hilariantes, tais como são as com os seus pais, que aparecem na cidade para uma visita. Isto dá sabor e personalidade ao filme, e ajuda a manter as personagens principais frescas e dar-lhes uma enorme empatia com o espectador, quando por esta altura na maior parte das outras trilogias de acção já não as conseguimos ver à frente. Para além do mais, funcionam como um bom contraponto às cenas mais “sérias” onde a usualmente desinteressante linha argumental ‘plano do vilão’ é lentamente revelada. Sucintamente, tudo gira à volta da tal nave que está na Lua e do poder que ela trará a quem a conseguir activar. Os segredos para tal estão lentamente a ser descobertos quer pelos Transformers bons (os Autobots), os quer pelos maus (os Decepticons; Megatron está de volta, mas temos outra ameaça, Shockwave), e o resultado é uma nova corrida à Lua. O plano dos Decepticons não é nada de novo; usar a arma secreta da Lua para conquistar a Terra (onde é que eu já vi isto?!). A novidade é que desta vez vão ter um aliado humano, Dylan (Patrick Dempsey), por coincidência o patrão de Carly, que só a meio do filme irá ser revelado como tal, embora isso seja totalmente previsível para quem está atento. Dempsey na realidade não tem muito perfil de vilão (e a sua forte associação à ‘Anatomia de Grey’ não ajuda), mas está aqui porque na vida real partilha a paixão de Michael Bay por carros velozes…
Para impedir que os Decepticons sejam bem sucedidos, os Autobots têm de novo de unir esforços com os humanos. O major Lennox (Josh Duhamel) está de volta, e o filme introduz a nova chefe dos Serviços Secretos americanos (a oscarizada Frances MacDormand que também brilha com o seu timing cómico), uma digna sucessora da personagem de John Turturro nos dois primeiros filmes (que também irá aparecer para dar o ar de sua graça). E como não podia deixar de ser, o jovem Sam vai juntar-se à festa, mas desta vez para ele, como para inúmeros heróis de acção anteriormente, o assunto é pessoal. Carly é raptada por Dylan e levada para Chicago. É nessa cidade, perante um iminente ataque dos Decepticons, que o destino do mundo será decidido…
"As cenas de Sam a arranjar emprego são hilariantes, tais como são as com os seus pais (...) Isto dá sabor e personalidade ao filme, e ajuda a manter as personagens principais frescas (...) Para além do mais, funcionam como um bom contraponto às cenas mais “sérias” onde a usualmente desinteressante linha argumental ‘plano do vilão’ é lentamente revelada."
Na realidade o argumento não é muito interessante e tem demasiados buracos, mas em retrospectiva acaba por servir de suficiente desculpa para atingir os 90 minutos de fita e enquadrar a última hora do filme, o seu verdadeiro objectivo. A sequência de acção em Chicago que enche o último terço de ‘Transformers: Dark of the Moon’ é, sem dúvida alguma, uma das melhores sequências de acção da história do cinema. Não há como contornar este facto e é inegável que concebeu o modelo que iria ser reproduzido logo no ano a seguir no primeiro ‘The Avengers’ (2012) e depois nos inúmeros filmes de super-heróis carregados de efeitos especiais que se seguiram até hoje. Por uma hora inteirinha, à medida que o inferno se abate sobre Chicago, Michael Bay, auxiliado por soberbos efeitos especiais da Industrial Light & Magic, da Digital Domain e da Legend 3D, faz o que faz melhor. Oferece-nos uma batalha final para acabar com todas as batalhas finais; uma espectacular, épica, e incrivelmente intensa batalha a larga escala, que nunca se inibe nem nunca perde a atenção do espectador, muito embora se estenda por um inacreditável período de tempo.
Eu já vi este filme duas vezes. Primeiro no cinema e depois em casa em blu-ray, tirando partido do meu sistema de som 5.1. E das duas vezes os meus ouvidos ficaram a zumbir graças aos contínuos e intensos efeitos sonoros, e a minha cabeça quase que ficou tonta a tentar acompanhar a incrível densidade de explosões, tiros e a colossal destruição que a batalha acarreta. Mas são sensações que se tornam inebriantes no contexto que Bay constrói. A primeira vez que vi o filme sustive a minha respiração pela duração de toda a batalha, extasiado pela constante injecção de adrenalina, seduzido pela mestria visual. Foi simplesmente extraordinário. A segunda visualização nunca é tão satisfatória porque já se sabe o que vai acontecer. Mas confirmou-me que a sequência é absolutamente memorável.
Realmente só tenho a apontar duas coisas. A primeira é a incrível qualidade dos construtores civis de Chicago, que merece ser realçada. Aqueles edifícios são totalmente trespassados, com andares inteiros destruídos, pedaços arrancados da fachada, incêndios múltiplos, e mesmo assim a maior parte não cede, como cederam por exemplo as Torres Gémeas. Incrível… A segunda coisa está relacionada com o 3D. No pico da moda que durou maioritariamente entre 2009, ano de ‘Avatar’, e 2013, o filme foi filmado com as novas câmaras especiais de 3D, e portanto seria de supor que os efeitos de perspectiva fossem fabulosos. E são, isto é, nas cenas em que os humanos são realmente filmados por essa câmaras. Nas cenas com efeitos visuais (por exemplo quando só os Transformers aparecem), e que portanto foram feitas num computador, parece que alguém se esqueceu de ligar o botão do 3D. Visto que essas cenas constituem cerca de 80% do filme, é um pouco decepcionante que tal aconteça…
"A sequência de acção em Chicago (...) é, sem dúvida alguma, uma das melhores sequências de acção da história do cinema (...) Por uma hora inteirinha Michael Bay (...) oferece-nos uma batalha final para acabar com todas as batalhas finais; uma espectacular, épica, e incrivelmente intensa batalha a larga escala, que nunca se inibe nem nunca perde a atenção do espectador, muito embora se estenda por um inacreditável período de tempo."
Tudo somado, ‘Transformers: Dark of the Moon’ é um filme que consegue adicionar fantástica acção e alguns interessantes twists, visuais e argumentais, a uma fórmula que no seu todo já está bastante gasta. Ao fazê-lo esquece-se de algumas regras básicas quer de cultura geral, quer da ‘escola de argumentistas’, o que constitui o maior turn-off do filme. Por exemplo, se uma das personagens principais, interpretada por um actor famoso, morre demasiado cedo, então todos os espectadores mais atentos irão suspeitar de que é uma morte falsa, e que mais cedo ou mais tarde essa personagem vai re-aparecer como se fosse uma grande surpresa! Isto não é propriamente o ‘Psycho’! A adulteração de eventos da história da humanidade dá igualmente aso a inúmeras inconsistências que nunca caem bem. E já agora, como é que uma civilização extra-terrestre incrivelmente avançada não sabe que se se puxar um planeta para a órbita da Terra isso irá criar uma enorme disrupção no equilíbrio gravitacional do nosso sistema solar que o poderá, muito simplesmente, destruir?!
A desculpa para estas falhas está, claro, no facto de primeiro isto ser um blockbuster e segundo Bay estar muito mais interessado na acção do que no argumento. Mas podemos realmente culpá-lo por isso? Provavelmente não, porque a acção é tão boa que eclipsa tudo o resto, que basicamente só está aqui para fazer de conta que temos algum interesse no lado humano destas personagens. Não temos. Pode ser um filme com muito pouco cérebro, mas tem muito músculo e algumas das melhores cenas de acção com efeitos especiais que alguma vez foram concebidas. No fim de contas, é tudo isso o que nos interessa. Não há arte neste filme, pelo menos no sentido que os puristas culturais e os críticos cinematográficos dão ao termo. Mas para o espectador sedento de um incrível espectáculo visual de acção, o que ‘Transformers: Dark of the Moon’ oferece no seu último terço é um verdadeiro maná dos céus, e quem somos nós para dizer que isso não é arte também?! É.
Por esses motivos, e porque faz regressar à saga dos ‘Transformers’ as cenas engraçadas que contextualizam a acção, exacerbadas pela química hilariante entre as personagens protagonizadas por actores de topo que têm bons timings cómicos, não podemos descartar ‘Transformers: Dark of the Moon’ como apenas mais uma sequela, como apenas mais um filme de acção. É um filme imensamente desfrutável, é um épico de efeitos visuais como deviam ser todos os épicos de efeitos visuais (ainda hoje não acredito que perdeu os três Óscares técnicos para o qual estava nomeado para 'Hugo'). E visto que ‘Age of Extinction’ (2014) decidiu recomeçar a saga com personagens novas (LaBoeuf também teve os seus próprios problemas com a fama entretanto…), ‘Transformers: Dark of the Moon’ acaba por ser uma mais que digna despedida destas personagens, um perfeito fecho para esta trilogia. A batalha de Chicago marca uma era no cinema de acção de ficção científica moderno. Excedê-la é praticamente impossível, senão impossível, como aliás ‘Age of Extintion’ provou, ao estar bastantes patamares abaixo. Portanto é assim que se termina uma trilogia. Em beleza. Em nota alta. E se por mais nada, ‘Transformers: Dark of the Moon’ valerá sempre por isso, terá sempre a sua última hora, imutável, incrível, irrepetível, para responder a todos os críticos.
"Não há arte neste filme, pelo menos no sentido que os puristas culturais e os críticos cinematográficos dão ao termo. Mas para o espectador sedento de um incrível espectáculo visual de acção, o que ‘Transformers: Dark of the Moon’ oferece no seu último terço é um verdadeiro maná dos céus, e quem somos nós para dizer que isso não é arte também?! É."
Para terminar só queria dizer a Michael Bay que, pelo menos desta vez, foi bastante desinspirado a escolher o seu eye-candy. Megan Fox podia ter os seus defeitos no departamento de actuação, mas é uma daquelas actrizes que tem enorme intimidade com a câmara, para além dos seus óbvios atributos físicos. Já Rosie Huntington-Whiteley é apenas uma modelo, sem qualquer química com a câmara, sem qualquer chama interior que esta possa captar. É só pose. E posar é tudo o que faz do primeiro ao último minuto do filme, em roupas justas e curtas à beira da outra grande paixão de Bay: os carros. É totalmente inútil para a história, a sua personagem é convencida e enervante, e só está ali para exibir os seus atributos, fazendo até pose à beira de edifícios destruídos para ser fotogénica no meio da guerra. Ridículo. Volta Megan, estás perdoada.
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