Realizador: George B. Seitz
Actores principais: Lewis Stone, Cecilia Parker, Mickey Rooney
Duração: 78 min
Crítica: ‘You're Only Young Once’ (em português ‘As Férias da Família Hardy’) é o segundo filme daquela que ficaria para sempre conhecida como a saga de ‘Andy Hardy’. O primeiro filme da saga, ‘A Family Affair’, feito como um pequeno filme familiar (tem apenas 70 minutos) de morais simples mas preciosas, e retratando a família Hardy como o arquétipo da família americana, havia estreado em Março de 1937, e havia sido um inesperado sucesso. Na minha crítica introdutória ‘A Family Affair – o início da saga Andy Hardy: uma das maiores, mas mais esquecidas, sagas da história do cinema’, tracei longamente a génese deste filme, as suas humildes ambições, as suas personagens, e revelei os segredos para a forma como acabou por resultar tão bem. Portanto, caro leitor, se não conhece a saga, leia esta crónica primeiro, antes de prosseguir com a viagem nostálgica pelos restantes filmes que me propus fazer nestas páginas.
Numa época em que não havia televisão, cabia a estes tipo de filmes fazer as vezes das actuais séries; filmes que podiam ser produzidos rapidamente em estúdio, de duração mais pequena (geralmente entre 70-80 minutos), que introduziam os programas cinematográficos e enchiam as matinés antes do filme principal ser exibido. Com ‘A Family Affair’, a MGM rapidamente descobriu que tinha em mãos este tipo ouro cinematográfico. A recepção desse filme foi tão calorosa, a sua capacidade de identificação com as famílias americanas que estavam a lutar para sair da Grande Depressão foi tão grande, que imediatamente se pôs em marcha uma sequela, ‘You're Only Young Once’, que ficou pronta para estrear na época natalícia desse mesmo ano. Aliás, a MGM decidiu imediatamente arriscar e, numa manobra praticamente nunca antes vista no cinema, no final deste filme, Lewis Stone (que interpreta o Juiz Hardy), sentado no seu sofá, dirige-se directamente ao espectador, anunciando mais sequelas (tradução minha):
“Senhores e Senhoras, espero que tenham desfrutado das aventuras da minha… quero dizer, da família do Juiz Hardy, porque a MGM tem em preparação mais revelações dos amores, das esperanças, dos medos de Marion, de Andy, da Tia Milly, da Mãe e já agora de mim próprio. Pessoalmente, ou melhor, como Juiz Hardy, espero que as lições recebidas em Catalina tenham sido bem aprendidas, mas conhecendo a Marion e o Andy algo intimamente, temo que não. Sabem, o Juiz Hardy não aceitaria um milhão de dólares em troca da sua família, e não daria um níquel por outra. Espero que nos encontremos muito em breve. Obrigado.”
"Com ‘A Family Affair’, a MGM rapidamente descobriu que tinha em mãos ouro cinematográfico. A sua recepção foi tão calorosa, a sua capacidade de identificação com as famílias americanas que estavam a lutar para sair da Grande Depressão foi tão grande, que imediatamente se pôs em marcha uma sequela"
Mas para iniciar esta senda de sequelas, a MGM teve que operar algumas mudanças decisivas do primeiro para o segundo filme que marcariam definitivamente a saga. O casal Hardy em ‘A Family Affair’ havia sido protagonizado por dois actores de topo: Lionel Barrymore interpretara o Juiz e Spring Byington a sua esposa. Obviamente, o estúdio não podia prender dois dos seus mais conceituados actores a uma série. Portanto o Juiz passou a ser interpretado, nos restantes 14 filmes, pelo menos conhecido Lewis Stone, que contudo se tornou tão identificável que é difícil recordar que Barrymore alguma vez deteve o papel. Já a sua esposa passou a ser interpretada por Fay Holden, que deu ao seu papel uma aura respeitável de conscienciosa dona de casa, sem nenhuma da exuberância com que Byington o havia apimentado, o que não deixa de ser, em retrospectiva, uma pena.
Aliás, esta demanda para tornar a saga totalmente respeitável e o produto de entretenimento nº 1 da família americana (demanda essa 100% conseguida em pouco tempo) fez com que a filha mais velha do casal, Joan (interpretada por Julie Haydon), que no primeiro filme está em vias de se divorciar (demasiado polémico para a década embora dê algum inesperado peso a esse filme), fosse totalmente cortada, como se nunca tivesse existido. Assim, a partir do segundo filme, a família tem apenas dois filhos, Marion (Cecilia Parker), cujas características já descrevi na primeira crítica, e claro, o rapaz que iria tomar conta da saga: Andy (o genial, genial, genial Mickey Rooney). A última mudança importante no elenco que se deve salientar é a da constante namorada de Andy, Polly Benedict, que no primeiro filme foi interpretada por Margaret Marquis (cuja carreira realmente nunca despoletou; só faria mais quatro filmes), mas que a partir daqui ficaria para sempre associada a Ann Rutherford. Ela é, para todos os efeitos, a verdadeira Polly.
Mas apesar destas mudanças e da concepção de uma exímia linha de montagem dentro das fileiras do estúdio (num bom ano chegariam a lançar três filmes) não se pode dizer que a engrenagem da saga da família Hardy tenha ficado perfeitamente oleada à cabeça. A saga é incrivelmente memorável principalmente como um todo e sustêm-se graças a incríveis pormenores, a uma enorme capacidade de identificação, à força crescente de Mickey Rooney como actor e ao brilhantismo de alguns dos filmes posteriores. Não, note-se, pela qualidade individual das primeiras duas ou três sequelas, mais esquecíveis porque seguem demasiado perto um modelo a papel químico que não estava ainda suficientemente limado e não tinha as suas prioridades bem definidas, quer em termos de objectivos/morais a perseguir, quer em termos de enfoque nas personagens. Quem iria adivinhar, por exemplo, a ascensão meteórica de Mickey Rooney ao topo do mundo cinematográfico com 18 anos de idade?
"Não se pode dizer que a engrenagem da saga da família Hardy tenha ficado perfeitamente oleada à cabeça. (...) Na realidade ‘You're Only Young Once’ não é um filme muito interessante. Ou melhor, até poderia ser, se o primeiro não existisse. Mas porque existe não podemos deixar de sentir (...) que o segundo filme se limita a reciclar as ideias do primeiro, na boa forma (...) de “um remake mascarado de sequela”"
Por isso mesmo, na realidade ‘You're Only Young Once’ não é um filme muito interessante. Ou melhor, até poderia ser, se o primeiro não existisse. Mas porque existe não podemos deixar de sentir, principalmente nas primeiras cenas, que o segundo filme se limita a reciclar as ideias do primeiro, na boa forma daquilo a que o leitor sabe que gosto de chamar “um remake mascarado de sequela”. O filme começa exactamente como o primeiro tinha começado, e termina igualmente da mesma forma. Ou seja, abre de novo no tribunal (um artifício recorrente), onde o Juiz acaba de resolver mais um pequeno caso na sua forma peculiar (outro padrão que se repercutiria pela saga). Depois, o Juiz dirige-se aos seus aposentos onde se lhe apresenta outro problema que, descobriremos mais tarde, esconde mais um caso de corrupção na pacata vila de Carvel, onde o Juiz e a sua família residem.
Na senda da história do aqueduto que estava no centro do primeiro filme, um dos homens que detinha essas terras (e que o Juiz perdoou) está agora em risco de as perder, e convence o Juiz a ser seu fiador para ganhar tempo até arranjar o capital que necessita. Mas não conta a história bem contada e pouco depois o Juiz descobre que agora são as suas poupanças que estão em perigo. Mas de vítima inocente o Juiz, com a ajuda acidental (mais uma vez) da sua família e amigos, vai num final quase tirado a papel químico do primeiro filme encontrar uma solução legal para os seus problemas no seu estilo característico: com calma, honestidade, inteligência, e sempre, para criar alguma tensão, no último minuto.
Se esta história principal é uma mera repetição da do primeiro filme, e não oferece muito mais moral do que o primeiro filme havia oferecido (apenas um motivo para criar tensão e o Juiz estar preocupado durante todo o miolo da película), na hora de permeio o filme decide levar a família Hardy a banhos. Esta manobra é, neste filme, não só original (embora depois seja replicada em filmes seguintes) como uma excelente ideia por dois motivos. Primeiro porque nos tira da pequena cidade de Carvel, que a saga rapidamente percebeu que não tinha muito mais para oferecer. Segundo porque ao fazer com que o Juiz leve a sua família duas semanas de férias para a ilha Catalina, na Califórnia (precisamente o tempo até à hipoteca do terreno do aqueduto expirar), o enfoque da saga começa a ser, pela primeira vez, os filhos. Aliás, o Juiz pouco mais faz que pescar (anseia apanhar um grande peixe) e pensar no seu problema, e a mãe e a tia Milly (de novo interpretada por Sara Haden), pouco são vistas fora da casa alugada, num pedaço de datado sexismo. De facto, a mãe inclusive passa o tempo todo de avental a cuidar da casa, como o faz quando está em Carvel. Coitada, que férias!
"Na hora de permeio o filme decide levar a família Hardy a banhos. Esta manobra é uma excelente ideia por dois motivos. Primeiro porque nos tira da pequena cidade de Carvel, que a saga rapidamente percebeu que não tinha muito mais para oferecer. Segundo porque (...) o enfoque da saga começa a ser, pela primeira vez, os filhos, (...) que vão ter as aventuras que dão sabor ao filme"
Portanto, são os dois filhos, Marion e principalmente Andy, que vão ter as aventuras que dão sabor a este filme. No lado mais sério, Marion, num padrão que se tornaria moroso e recorrente nos filmes seguintes, apesar de ter deixado em Carvel o namorado (ver primeiro filme) tem uma paixão arrebatadora por um nadador salvador, Bill (interpretado por Ted Pearson), que acaba por se revelar um homem casado. Ele convence Marion de que se vai divorciar para casar com ela mas, numa cena bem gerida e que mostra o bom coração do Juiz, este acaba por fazer Bill confessar que isso não é verdade.
Do lado mais humorístico, Andy, também deixando Polly em Carvel, conhece uma herdeira rica, Gerry (Eleanor Lynn), que está lá também a passar férias. Gerry inicia uma longa lista de paixonetas de Andy ao longo da saga, ao seduzi-lo com a vida ‘rápida’ e ‘sofisticada’ e ao tentar-lhe ensinar os ‘factos da vida’. Mas ao contrário de Marion, Andy é ainda demasiado novo (a sua relação com Polly é ainda muito ‘infantil’) e ele cedo vai perceber que não pode ser aquilo que não é, que o dinheiro não trás felicidade e que a vida que Gerry leva não é aquela que deve levar um jovem americano com valores. “If this is your idea of a good time you can have it. I’ll take football” diz Andy, ao seu melhor estilo, na cena em que se despedem. E esta constatação culmina na primeira grande conversa pai-filho entre Mickey Rooney e Lewis Stone, algo que se tornaria uma das cenas incontornáveis em todos os filmes da saga, e o local ideal para as morais dos filmes serem dadas de forma natural e didáctica.
A glória destes acontecimentos, para além da moral, por vezes mais, por vezes menos batida, é que o espectador tem o primeiro vislumbre da luz da natural genialidade de Mickey Rooney. Como escrevi na crítica a ‘A Family Affair’, apesar de só ter 17 anos de idade, a sua carreira já levava mais de uma década, mas foi neste ano que se tornou um fenómeno e o proverbial ‘boy next door’, ao fazer nada menos que seis filmes; os dois primeiros como Andy Hardy, mas também ‘Captains Corageous’, que valeu o Óscar a Spencer Tracy e ‘Thoroughbreds Don't Cry’, o seu primeiro emparelhamento com Judy Garland. Apesar de Cecilia Parker estar em segundo lugar nos créditos, atrás de Lewis Stone, e Rooney aparecer apenas em terceiro (afinal a história da irmã tem muito mais relevo no filme), é de Andy, e da sua aventura, que mais nos recordamos quando o filme termina. É a sua energia que mais vibra, tal como havia acontecido no primeiro filme, e é com ele que queremos continuar, porque é ele o único que, na realidade, tem espaço para evoluir como personagem. E Mickey Rooney assume esse peso com um incrível à vontade. É um autêntico rei que subjuga a câmara e mais uma vez somos recordados, em retrospectiva, do impacto que teve e porque é que tomou conta da saga, fascinando o público mundial.
"É de Andy, e da sua aventura, que mais nos recordamos quando o filme termina. É a sua energia que mais vibra (...) e é com ele que queremos continuar, porque é ele o único que tem espaço para evoluir como personagem. E Mickey Rooney assume esse peso com um incrível à vontade. É um autêntico rei que subjuga a câmara e mais uma vez somos recordados, em retrospectiva, do impacto que teve e porque é que tomou conta da saga"
Quando todos regressam a casa das suas férias e o Juiz resolve o seu problema no último minuto possível com alguma comoção, tudo está bem quando acaba bem. E quando o filme se despede do espectador com Andy a dar o seu primeiro verdadeiro beijo apaixonado a Polly, não podemos deixar de ter um sorriso de orelha a orelha. ‘You're Only Young Once’, apesar de ser uma cópia algo desinspirada do primeiro filme, é no entanto um filme que nos seduz com a sua leveza e que nos vai divertindo ao longo dos seus parcos 80 minutos de duração. Mais do que a batida história de corrupção na cidade, um mero aparte para manter o elo com o primeiro filme, é nos romances de Verão dos filhos que se encontra o espaço para a transmissão de valores ao jovem público americano. E de facto, apesar da abordagem não ser fresca, nem os arcos das personagens serem 100% credíveis (porque a pequena duração do filme obriga a que tudo se processe com rapidez e sem espaço para a ponderação), as proverbiais morais familiares resultam bem. É esta a grande constatação: resultam bem.
Em pleno século XXI, quase 80 depois deste filme ter sido feito, temos uma grande vantagem. Podemos olhar para a saga como um todo, ao contrário do público dos anos 1930 que a foi tendo aos poucos. Por isso mesmo, conseguimos apreciar mais ‘You're Only Young Once’. Suponho que alguém como eu em 1937 tenha acusado o filme de ser um “remake mascarado de sequela”. É. Mas hoje podemos notar que envelheceu muito bem, os valores que ensina aos jovens não estão datados, são universais, e portanto não importa muito que se repitam de filme para filme. E por isso mesmo também não importa que os actores que fazem de pais tenham mudado. Porque há uma essência que se mantém do primeiro para o segundo filme e que garante a sua continuidade. A essência do verdadeiro filme de família. A essência da sinceridade, da verdade, num filme sem pretensões dramáticas, sem condescendências. Num filme que quer estar perto do seu espectador, que quer ser didáctico e entretenimento ao mesmo tempo, misturando o drama com a comédia em doses bem ponderadas e bem servidas. Num filme que quer ser consciente e humilde, como o Juiz, mas possuir riqueza nos seus valores. E possui.
"Apesar de ser uma cópia algo desinspirada do primeiro filme, é no entanto um filme que nos seduz com a sua leveza e que nos vai divertindo ao longo dos seus parcos 80 min de duração (...) Apesar da abordagem não ser fresca, nem os arcos das personagens serem 100% credíveis (...) as proverbiais morais familiares resultam bem. É esta a grande constatação: resultam bem."
‘You're Only Young Once’ não é, nem nunca será, um dos melhores filme de Andy Hardy. Mas rege-se por estes princípios, e isso chega. E depois anuncia, de uma forma que o primeiro filme não havia feito, a ascensão de Mickey Rooney como Andy. E isso é ainda melhor.
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