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Tropa de Elite 2: O Inimigo Agora é Outro

Ano: 2010

Realizador: José Padilha

Actores principais: Wagner Moura, Irandhir Santos, André Ramiro

Duração: 115 min

Crítica: (Nota: Crítica inicialmente escrita a 10 de Abril de 2011, quando vi o filme no cinema. Inédita em EU SOU CINEMA, com alguma actualização das referências. Não voltei a ver o filme, mas pelo que escrevi, devia!)

Algures em 2008, numa das suas viagens ao Brasil, o meu pai trouxe-me o DVD de um filme que no ano anterior tinha causado um enorme furor, não só no Brasil, mas na cena internacional; ‘Tropa de Elite’. Eu nunca tinha visto o filme, mas como a maior parte dos cinéfilos mais atentos, já tinha ouvido falar dele e tinha acompanhado a sua marcha crítica e comercial pelos festivais deste mundo fora. Foi com interesse então que imediatamente o vi, e com enorme prazer que imediatamente o desfrutei. Numa única palavra, ‘Tropa de Elite’ é um fabuloso filme de acção. Tão bom, que é um dos melhores, senão o melhor filme de acção realista da década. E sim, estou a incluir os filmes americanos.

Na década de 2000, o cinema brasileiro teve uma projecção internacional que já não tinha desde os anos 1960 e o cinema de Glauber Rocha. Não posso dizer que sou grande especialista de cinema brasileiro (não sou), nem que o acompanhei ao longo das décadas, mas tornou-se impossível ser indiferente ou desconhecer a nova vaga de talentos deste país, que depressa conquistou o cinema mundial. Após ‘Cidade de Deus’ (2002) Fernando Meirelles fez o salto para Hollywood com filmes como ‘The Constant Gardner’ (2005) ou ‘Blindness’ (2008). Walter Salles, cujo ‘Linha de Passe’ (2007) já critiquei em Eu Sou Cinema, fez ‘Central do Brasil’ (1998), ‘Diários de Motocicleta’ (2004) e filmes em Hollywood como ‘On the Road’ (2012). E depois surgiu também José Padilha. ‘Tropa de Elite’ foi a sua primeira longa-metragem, mas já antes tinha feito o seu nome com documentários sociais como o altamente aclamado ‘Onibus 174’ (2002).

‘Cidade de Deus’, ‘Linha de Passe’ ou ‘Tropa de Elite’ não só chamaram à atenção para a dura realidade social brasileira, como também a conseguiram capitalizar brilhantemente em termos fílmicos. Por muito que a reprovem na vida real, as pessoas gostam de ver violência no cinema. É por isso que os filmes de gangsters se tornam de culto. Mas há uma fina linha entre a arte e o gratuitismo. É por isso que, apesar de ‘Cidade de Deus’ se ter tornado um filme muito mais popular e de culto que ‘Tropa de Elite’, para mim é muito menos completo. ‘Cidade de Deus’ é poderoso e é chocante (tanto que me fiquei pela primeira visualização, nunca mais o revi), mas senti que era demasiado poderoso e demasiado chocante para ser icónico e até (pode parecer um contrassenso) verdadeiro. Muitas vezes opta por uma perspectiva propositadamente exagerada para atingir efeitos dramáticos e de crítica social (a realização estilizada só o exacerba), e cria personagens glamorosamente maléficas, que podem não estar longe da realidade, é certo, mas que dentro de um filme parecem demasiado convenientes e artificiais. Já ‘Tropa de Elite’ é muito mais terra-a-terra e portanto consegue entranhar-se no espectador sem que este tenha a perfeita consciência de que está a ver um filme. Mostrando a perspectiva de um pelotão de elite da polícia militar do Rio de Janeiro, o filme é um poderoso abrir de olhos para a estrutura de poder dentro das favelas brasileiras, ao qual se associam cenas de acção extraordinárias, intensas e vibrantes (entretenimento puro com o sabor amargo da realidade). E, preenchendo as partes emocionais, o filme ainda oferece uma poderosa personagem principal, o Tenente Nascimento (Wagner Moura, um fabuloso actor num fabuloso papel), um homem movido pelo sentido do dever que é o líder da Tropa e o narrador do filme. É a tripla ameaça de virtuosismo argumental, brilhantismo cénico e poderosa interpretação principal que torna ‘Tropa de Elite’ um filme muito especial.

Se o filme fosse americano, dir-se-ia que a sequela era inevitável. Sendo brasileiro, as chances eram mais curtas, mas tal acabou por acontecer três anos depois. O filme estreou nas salas brasileiras em Outubro de 2010, mas só na Primavera do ano seguinte percorreu os mercados europeus. Foi em Abril de 2011 que estreou em Portugal e nessa altura, com uma excitada antecipação, vi-o no cinema. No primeiro filme a Tropa de Elite lutava contra o inimigo dentro da favela; a longa rede de traficantes de droga, de senhores do crime, e de um séquito de drogados e capangas que existia, e continua a existir nos labirínticos meandros destes perigosos locais. Aqui os vilões eram completamente definidos. Já no segundo filme, esta percepção fica mais dúbia e o conteúdo bastante mais ousado. Como o título sugere, o inimigo agora é outro. Pode não ser tão abertamente violento, mas acaba por ser muito mais ameaçador, e para o derrubar o herói precisa de se esforçar, e sacrificar, muito mais. É isso certamente aquilo que se quer de uma sequela de um filme de acção, mas só muito raramente surge nos moldes que vemos em ‘Tropa de Elite 2 - O Inimigo Agora É Outro’.

Tomando a deixa dos recentes escândalos de corrupção das mais altas esferas brasileiras (que hoje, 5 anos depois, ainda continuam a fazer parte das notícias), Padilha faz com que o seu herói, o Tenente Nascimento, aponte as armas aos políticos corruptos e ao próprio sistema viciado. O primeiro filme mergulhava de cabeça na acção, mas essa cabeça tinha um cérebro bastante desenvolvido, ou seja, era um filme imensamente inteligente em alternar o lado emocional das personagens com as descargas de adrenalina. Já o segundo filme toma muito mais os contornos de uma saga épica à la Scorsese, seguindo a ascensão e queda de um conjunto de personagens cujos caminhos se vão cruzando ao longo de meia dezena de anos. Seguimos o percurso de um polícia corrupto que vai ascendendo até se tornar um autêntico líder da máfia. Seguimos o caminho de um inicialmente insignificante político que acaba por se tornar um homem poderoso e influente. As personagens do Capitão Matias (André Ramiro) e do Tenente Coronel Fábio (Milhem Cortaz) também regressam para a sequela, e cada uma delas tem também a sua ascensão e queda. E apanhado no meio deste turbilhão, o Tenente Nascimento também tem um arco, de comandante das forças especiais no primeiro filme até à sua promoção, de conveniência, para um trabalho ‘de gabinete’, como o supervisor das operações da Secretaria da Defesa.

Enquanto desbobina este épico novelo, e quase paradoxalmente, o filme arranja ainda espaço para explorar ainda mais profundamente o lado emocional de Nascimento (outro feito raro das sequelas), nomeadamente na forma como o seu trabalho afecta a sua vida familiar. Já tínhamos tido um vislumbre disso no primeiro ‘Tropa de Elite’, mas aqui toda a sua condição já se alterou. De novo, Nascimento tem que pôr o dever acima de tudo; do seu filho agora crescido, da sua agora ex-mulher, mas se os quiser proteger tem de fazer escolhas difíceis. Nesta vertente a única coincidência que parece forçada é o facto do novo marido da ex-mulher de Nascimento ser o activista de esquerda que no inicio do filme quer combater o mal, mas que poderá estar disposto a ceder às tentações para ascender no mundo da politica. É um artifício demasiado conveniente para que a vida pessoal e profissional de Nascimento se liguem perigosamente, mas também faz, claro, aumentar a tensão e o peso das escolhas que terá que fazer.

O que é comum a todas as principais personagens deste filme é que para evoluírem, acompanharem a máquina do sistema e conseguirem atingir os seus objectivos, vão ter que ceder e cair na tentação de contrariar os seus próprios princípios. A grande mensagem que ‘Tropa de Elite 2’ transmite com sucesso é que, heróis ou vilões, todos fazem parte do sistema, e não conseguem escapá-lo, para o bem ou para o mal. Pode-se seguir as regras e combater o mal usando as leis do sistema, mas ao fazê-lo uma pessoa nunca será bem-sucedida pois torna-se parte do próprio sistema. E esse sistema está viciado e corrupto. Com enorme destreza, ‘Tropa de Elite 2’ vai lentamente fazendo com que esta realidade seja apreendida pelo espectador. E fá-lo com tanta eficácia e perfeição que se torna claro que a corrupção das esferas políticas e policiais deste segundo filme é bem maior, e mais danosa para o país e para a sociedade brasileira, do que aquela dos míseros traficantes de droga do primeiro filme…

Com ‘Tropa de Elite 2 - O Inimigo Agora É Outro’, José Padilha (que entretanto já realizou ‘Robocop’ em Hollywood, e um dos segmentos de ‘Rio, Eu Te Amo’, já criticado em Eu Sou Cinema), não só conseguiu fazer história no Brasil com o filme mais visto de sempre nesse país (ultrapassando ’Avatar’) e o filme brasileiro mais rentável de sempre, como conseguiu algo raro no universo das sequelas, principalmente as de filmes de acção. Conseguiu criar um complemento digno ao primeiro filme, um épico que facilmente, mas muito facilmente, rivaliza com muitos dos épicos de polícias e gangsters de Hollywood. Ao mesmo tempo ‘Tropa de Elite 2’ é muito mais do que ‘apenas’ um filme de acção. É uma arma poderosa de crítica social, é um claro e forte ataque ao sistema. Já não se preocupa exclusivamente com a adrenalina fílmica. Olha muito mais cuidadosamente para os contextos políticos e sociais (o que deve ter apanhado as altas esferas brasileiras de surpresa), mas isso não significa que passa do oito para o oitenta. A sequela de ‘Tropa de Elite’ não abdica da força do entretenimento cinematográfico. Continua a deixar o espectador sem fôlego com as suas magníficas cenas de acção. Continua a gerir a tenção de uma forma soberba, terminando um sem número de cenas em suspenso, agarrando assim o espectador com mestria para a cena seguinte e a seguinte e a seguinte. Continua a existir num universo tão realista que ficamos embrenhados nele até que rolam os créditos finais.  Ou seja, tal como acontecia no primeiro filme.

A luta continua, e Padilha é o seu líder. Esperemos que Padilha não se perca no conformismo de Hollywood e que regresse com mais filmes com este fascínio e poder. Mesmo que seja um ‘Tropa de Elite 3’. Com tanta sequela que anda por aí, ao menos esta seria justificada pela qualidade dos primeiros dois filmes. No seu segmento de ‘Rio, eu te Amo’, Padilha era o único de todos os realizadores do filme a não mostrar uma versão embelezada do Brasil. É esse espírito crítico e inconformado que lhe dá valor, com mais um importante detalhe; não cede qualidade fílmica (quer seja dramática, cómica ou de acção) para ter mais consciência social (muitas vezes inevitavelmente artificial) na sua película. Padilha encontra um equilíbrio onde ambas as vertentes podem co-existir, e aí está o poder do seu cinema. “Tropa de Elie 2’, continua a retratar, seria e sobriamente, a luta do povo brasileiro contemporâneo, mas não deixa de ser um invejável pedaço de sólido entretenimento. O melhor de dois mundos.

‘Tropa de Elite 2 - O Inimigo Agora É Outro’ é um grande filme de acção, com um cérebro bem desenvolvido e uma intensa consciência social. Que mais se pode querer?

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Miguel. Portuense. Nasceu quando era novo e isso só lhe fez bem aos ossos. Agora, com 31 anos, ainda está para as curvas. O primeiro filme que viu no cinema foi A Pequena Sereia, quando tinha 5 anos, o que explica muita coisa. Desde aí, olhou sempre para trás e a história do cinema tornou-se a sua história. Pode ser que um dia consiga fazer disto vida, mas até lá, está aqui para se divertir, e partilhar com o insuspeito leitor aquilo que sente e é, quando vê Cinema.

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