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Top 3 – Experienciar filmes antigos no grande ecrã

Confesso que não tenho o hábito de ir ver filmes antigos ao cinema. Para começar, quando estava a crescer, na cidade do Porto, tinha muito poucas oportunidades para o fazer. A Cinemateca portuense esteve fechada durante anos e só reabriu há um par de anos. E raras vezes fui levado pelos meus pais ou pelo meu irmão mais velho aos parcos festivais de cinema que existiam nesta cidade. Por outro lado, para compensar, a descoberta do cinema foi toda feita no lar, primeiro na televisão (através de programas icónicos como as ‘Cinco Noites, Cinco Filmes’ da RTP 2), depois com os VHS que me foram oferecendo, e por fim quando comecei eu próprio a criar a minha biblioteca cinematográfica, que hoje tem, modéstia à parte, um tamanho invejável.

Portanto, mesmo quando comecei a ficar mais velho e a ganhar independência, nunca tive grande interesse em ir ver os velhos clássicos ao grande ecrã. Não sou um daqueles puristas que diz que ver um filme no cinema é muito melhor que ver um filme na televisão. Concordo quando só havia VHS e os malditos pan-scans que arruinavam o glorioso widescreen, mas já não posso concordar nesta era moderna de home-cinemas, televisões widescreen 3D e sistemas de som 5.1. Mas não é só isso. Acho que fiquei demasiado habituado a ver cinema em casa. De 300 filmes que vejo por ano, nem 25 vejo no cinema, portanto, fiquei um pouco imune à magia da sala de cinema, já que a maior parte dos grandes prazeres da minha vida cinematográfica foram obtidos no sofá. Vi sempre melhores filmes em casa do que no cinema (com a minha idade só comecei a ir regularmente ao cinema pós ano 2000) e em casa posso escolher ver um clássico em qualquer altura – o mesmo já não posso fazer se me apetecer ver o mesmo clássico numa sala de cinema. Se tiver sorte terei de esperar vários anos, ou até para sempre, para que tal aconteça!

Por isso mesmo o motivo principal para não ir ver muitos clássicos que são restaurados e repostos nas salas de cinema é bem mais simples. Já vi os filmes, já tenho os filmes na minha biblioteca pessoal, portanto porque é hei de gastar mais dinheiro a ir ver o mesmo filme numa sala de cinema?! Foi esse precisamente o argumento que tive com o meu pai há um par de anos quando os filmes de Hitchcock, ‘Psycho’ e ‘Vertigo’, regressaram às salas de cinema. Eu tenho o DVD de ‘Psycho’ (aliás, foi até o meu pai que mo ofereceu; ele é que já se esqueceu disso!). Eu tenho o DVD de ‘Vertigo’. Portanto, não vou gastar mais 5 euros para ver no cinema um filme que já vi em casa mais de 10 vezes! Claro que não! Já não teria prazer nenhum na descoberta, já não ia experienciar nada de novo. Ou pelo menos, suponho que não. Claro que não sou contra a reposição destes filmes no cinema. Muito pelo contrário. Quem nunca os viu, ou os viu já há muitos anos e nunca mais os reviu, tem aqui uma excelente oportunidade para os desfrutar, com todo o esplendor do restauro e do grande ecrã. Mas para alguém como eu isso não faz muito sentido. Esta semana estreia nas salas portuguesas a versão restaurada de ‘Johnny Guitar’. Ora, eu tenho o DVD de ‘Johnny Guitar’ a dois passos de mim, ali na estante. Portanto, obviamente, não irei pagar um bilhete para o ir ver de novo! 

Resumindo e concluindo, quando puxo pela cabeça para me recordar das vezes em que fui ao cinema ver clássicos, não são muitas as que consigo contar. Mas cada uma delas foi marcante, precisamente, creio eu, porque todas corresponderam à primeira vez que assisti a esses filmes, e a primeira vez é sempre especial. Fica aqui o Top 3 comentado dessas minhas experiências cinematográficas.


My Darling Clementine (1946)

Não sei há quanto tempo é que isto ocorreu. Algures nos anos 1990 certamente, pois o mítico cinema Charlot do centro comercial Brasília já tem as suas portas fechadas desde o ano 2000. Mas foi aí, com pouco mais de 10 anos de idade, que vi pela primeira vez numa sala de cinema um filme clássico. O filme foi ‘My Darling Clementine’ (em português ‘A Paixão dos Fortes’), o clássico de 1946 realizado por John Ford e com Henry Fonda no papel de Wyatt Earp. O motivo foi um qualquer ciclo de cinema clássico que este cinema estava a exibir. E o catalisador foi o meu irmão mais velho, a primeira pessoa a incutir em mim a chama do cinema. Foi ele que me levou consigo a esta sessão, e lembro-me perfeitamente que fomos a pé e demoramos mais de meia-hora a percorrer o caminho de nossa casa até lá. Eu já vi ‘My Darling Clementine’ talvez umas dez vezes depois disso, mas nunca me vou esquecer dessa primeira vez. Gravados no meu cérebro estão para sempre dois momentos desse dia, desse filme. O primeiro, o momento em que a sala ficou escura e se iniciou o genérico, com as letras cravadas no poste de sinalização, e a música animada. Estava prestes a entrar na aventura! O segundo, o momento em que Fonda se senta relaxadamente na cadeira no alpendre e coloca as pernas contra a viga. Não sei se foi o primeiro filme que vi com Henry Fonda (é mais que provável), mas foi nesse momento que me apercebi da sua presença, da sua verdadeira, gigantesca e poderosa presença, no grande ecrã, e para sempre fiquei fã da sua arte.


Metropolis (1927)

Fantasporto, o grande festival de cinema da cidade onde moro. Nunca fui muitas vezes, o que parece um contrassenso, provavelmente pelos motivos que descrevi na introdução a este top. E quando fui, nunca fui ver os independentes filmes de terror que nos chegam desse mundo fora. Sempre fui mais fã de ir ver os clássicos. E como os clássicos que costumam passar já os vi quase todos, acabo muitas vezes por não ir. Lá está, é uma pescadinha de rabo na boca. Mas uma vez, na adolescência, num longínquo ano que não consigo precisar (inícios da década de 2000 provavelmente) fui ao Fantas com o meu irmão ver um filme que ambos nunca tínhamos visto: ‘Metropolis’, a obra mestra de Fritz Lang que estava a ser lançada numa edição restaurada com mais alguns minutos extra e intertítulos explicativos nas partes consideradas perdidas (as tais que entretanto já foram encontradas na Argentina). A hora foi o início da tarde, o local foi a sala pequena do Teatro Rivoli e a experiência foi alucinante. Com a excepção de ‘The Artist’ em 2011, não me recordo de alguma vez ter visto outro filme mudo no grande ecrã. Portanto primeiro senti alguma impaciência que começou lentamente a converter-se em excitação miudinha e depois em total rendição. Acho que foi extremamente bem jogado da minha parte ter visto ‘Metropolis’ pela primeira vez no grande ecrã, para sorver o magnífico design de produção, a espectacular concepção cénica e o incrível magnetismo que este filme contém. Tal como os outros filmes desta lista, já o vi muitas vezes depois disso em casa. Mas recordo sempre aquela primeira vista da cidade futurista, tornada ainda mais imponente por estar projectada na gigantesca tela. Apesar do que disse na introdução, rendo-me à evidência de que há cenas que resultam muito melhor numa sala de cinema.


The Exorcist (1973)

Nesse dia algures em Abril de 2001, com 16 anos de idade, acordei sem saber que iria ter uma excelente experiência cinematográfica. A minha mãe e a minha irmã decidiram ir ao cinema e convenceram-me a ir com elas. Contudo, quando chegamos aos cinemas do Norteshopping, apercebi-me que tinham em mente ir ver uma qualquer comédia romântica ou filme similar. Qual não me recordo, obviamente. O que me recordo, isso sim, é que não me senti nada inclinado em partilhar dessa experiência com elas e, com a rebeldia típica da idade que tinha, decidi nesse segundo que iria ver outro filme, outro qualquer que me apelasse e cuja sessão fosse à mesma hora, outro qualquer que não aquele ‘chick flick’ que elas estavam decididas a ir ver. Então olhei para os posters e fez-se luz. Lá estava ela, acabadinha de estrear, a re-edição do clássico de 1973 ‘The Exorcist’, do qual já tinha ouvido falar claro, mas nunca tinha visto. Era o director’s cut, uma versão inédita, restaurada, com mais 11 minutos de duração, que tinha sido lançada no ano anterior mas que só então chegava aos cinemas portugueses. E a sessão era praticamente à mesma hora do outro filme. Era uma oportunidade demasiado boa para desperdiçar. E não a desperdicei. Enquanto a minha mãe e a minha irmã foram para uma sala eu, destramente, fui para outra, sozinho e beneficiando do facto de já ter 16 anos, precisamente a idade mínima para a compra do bilhete para este icónico filme de terror! Foi brutal. Como estava a ver o filme pela primeira vez, senti como se estivesse em 1973 na estreia desta obra, a sentir cada cena com o nervoso da incerteza e o êxtase da antecipação. Da primeira à última cena, recordo-me de todas as emoções desse dia e quando revejo esta obra-prima do terror (sou hoje o orgulhoso proprietário do blu-ray) é às emoções desse dia que sempre retorno. Não me parece que a minha mãe e a minha irmã sintam o mesmo em relação ao filmezeco que foram ver nesse dia!

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Miguel. Portuense. Nasceu quando era novo e isso só lhe fez bem aos ossos. Agora, com 31 anos, ainda está para as curvas. O primeiro filme que viu no cinema foi A Pequena Sereia, quando tinha 5 anos, o que explica muita coisa. Desde aí, olhou sempre para trás e a história do cinema tornou-se a sua história. Pode ser que um dia consiga fazer disto vida, mas até lá, está aqui para se divertir, e partilhar com o insuspeito leitor aquilo que sente e é, quando vê Cinema.

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