Que a Academia se engana não é novidade para ninguém. Que a Academia negligencia soberbos actores enquanto uns pobretanas já têm um Óscar na estante também não. Mas, pelo menos até à década de 1980, a Academia costumava, mais cedo ou mais tarde, remediar os seus erros através da atribuição do seu famoso Óscar Honorário, como aquele que finalmente honrou Cary Grant em 1970 ou Fred Astaire em 1950. Isto é, excepto quando ia tarde de mais, no caso de actores que morreram relativamente jovens, como Richard Burton (7 nomeações), Peter Sellers (3), James Dean (2, ambas póstumas) ou Montgomery Clift (4), nunca honrados com Honorários…
Contudo algo aconteceu e o número de actores a receber Óscares Honorários diminuiu vertiginosamente. Eu tenho uma teoria sobre isso (o leitor pode julgar se eu tenho ou não razão). Em 1980 a Academia deu o Óscar Honorário a um Henry Fonda de 75 anos. No ano seguinte, Fonda conseguiu finalmente o seu Óscar de Melhor Actor por ‘On Golden Pond’. Em 1985, a Academia deu o Óscar Honorário a outro grande senhor na terceira idade, Paul Newman. Quis o destino que logo na cerimónia seguinte, Newman ganhasse o seu Óscar de Melhor Actor por ‘The Color of Money’ de Scorsese. A Academia ficou embaraçada. Duas vezes em cinco anos sentiram que ‘desperdiçaram’ um Honorário. Portanto agora têm medo de o dar. É tão simples quanto isso. Salvo raríssimas excepções (Peter O’Toole) o Honorário nunca mais foi dado a um actor da velha guarda, não vá o senhor ganhar um Óscar de competição antes de bater a bota e a Academia sentir que se enganou outra vez. Ridículo.
Portanto, se nem grandes actores conceituados conseguem receber uma estatueta, quanto mais talentosos actores mais jovens. Ganhar um Óscar hoje em dia já não é uma questão de talento. Tem muito a ver com a moda, a imagem, o marketing e claro, grande sorte. O papel ‘certo’, no filme ‘certo’ no ano ‘certo’, ou seja, num em que não haja a concorrência de um filme popular, ou de alguém a interpretar um papel ‘baseado numa pessoa real’. Veja-se este ano, em que Michael Keaton perdeu para Eddie Redmayne a estatueta que mais que merecia.
Aqui está então o meu Top 10 de actores favoritos do passado e do presente que nunca ganharam um Óscar (de competição ou honorário). Duas notas apenas. Primeiro: estou já a admitir que as hipóteses que um actor não anglo-saxónico tem de ganhar um Óscar são praticamente nulas por isso não os incluo neste top. Segundo: estou a falar dos meus actores preferidos, o que quer dizer que poderão não ser propriamente os mais dotados, pelo menos do ponto de vista dramático…
Edward Norton
Tal como DiCaprio (ver abaixo) Edward Norton é um dos mais talentosos actores da nossa geração. Ao contrário de DiCaprio, contudo, é um que demonstra essa imensidade de talento desde o seu primeiro papel em ´Primal Fear’ (1996), pelo qual também recebeu a sua primeira nomeação para o Óscar. Desde então já se seguiram nomeações por ‘American History X’ (1998) e recentemente ‘Birdman’ (2014), mas pelo meio há papéis de uma dimensão enorme. ‘Fight Club’ (1999) será obviamente destacado por muitos, mas que dizer da intensidade e profundidade da sua interpretação contida em ‘25th Hour’ (2002), ou do seu extenuante trabalho em ‘Leaves of Grass’ (2009), em que interpretou dois gémeos contracenando um com o outro graças aos avanços tecnológicos? Não tivesse este sido num filme independente que poucos ouviram falar, não estaria aqui material para Óscar? Norton é bom. É muito bom. E regressa constantemente com enormes interpretações. Podemos dizer o mesmo de muitos óscarizados recentes que aparecem para ganhar o prémio quando estão na moda e desaparecem logo a seguir?
Albert Finney
Albert Finney. Meu Deus. Um dos melhores actores da história do cinema, nomeado cinco vezes para o Óscar ao longo de outras tantas décadas, nenhuma vitória e sem qualquer perspectiva de que alguma vez irá receber o Óscar Honorário. Inacreditável. Finney é um monstro, um poço de força performativa, que come os papéis e depois os cospe com interpretações viscerais e incrivelmente genuínas, que a sua voz cavernosa exacerba. Foi o melhor Poirot da história do cinema em ‘The Murder on the Orient Express’ (1974) – escandalosamente perdeu o Óscar; a sua interpretação em ‘The Dresser’ (1983) (também nomeada) é absolutamente genial, e é nada menos que soberbo em tudo o que entra, do fabuloso drama conjugal ‘Shoot the Moon’ (1982) a ‘Miller’s Crossing’ (1990) a ‘Big Fish’ (2003), a ‘Skyfall’ (2012), o seu último filme até hoje. Hoje com 80 anos de idade e semi-retirado, Finney precisa de ser reconhecido pela Academia. Um Óscar honorário é imperativo.
Colin Farrell
Colin Farrell é um dos meus actores preferidos do século XXI. A sério. Há uma enorme naturalidade na sua imprevisibilidade, na forma nervosa como oscila entre estados, como pode ser galã mas psicótico ao mesmo tempo, que revelam a marca de um verdadeiro artista e fascinam o cinéfilo. Pode ser tudo inato, é verdade, mas isso não tira o poder às suas interpretações. Não é por acaso que este bad boy irlandês, apesar dos seus looks, nunca foi o actor principal numa comédia romântica, abaixo das suas claras potencialidades. Em vez disso siderou-nos com performances incrivelmente intensas em ‘Tigerland’ (2000), ‘Miami Vice’ (2006) – onde está absolutamente incrível; no soberbo filme de culto ‘In Brugge’ (2008), pelo qual ganhou o Globo de Ouro, ou no delicado ‘Ondine’ (2009) onde, para quem tinha dúvidas, fica revelada a sua profunda veia dramática. Mas há ainda mais uma performance imaculada: para Woody Allen em ‘Cassandra’s Dream’ (2007). É vergonhoso que não tenha sequer sido nomeado para o Óscar de Melhor Actor Secundário. Fui um acérrimo defensor que não só devia ter sido nomeado, como deveria ter ganho. Por qualquer motivo, por entrar em blockbusters, por ser um bad boy, não é tido como um actor ‘sério’. Parvoíce. Tem a imprevisibilidade e a energia gutural de um Brando, mas pode ter a delicadeza de um James Dean, e o toque de comédia de Cary Grant. O pacote completo.
Edward Everett Horton
Para muitos leitores este nome não quererá dizer absolutamente nada. Mas para alguns cinéfilos mais dedicados será imediatamente reconhecido com um sorriso. Edward Everett Horton já tinha quase 40 anos e uma longa experiência teatral quando chegou ao cinema mudo, e depois teve alguns problemas em adaptar-se ao som devido à sua voz peculiar característica. Até que realizadores como Lubitsh encontraram a forma perfeita de o capitalizar: como o secundário par excellence da idade de ouro das comédias românticas screwball das décadas de 1930 e 1940, o straight man para fazer dueto cómico com actores principais como Fred Astaire ou Cary Grant. Ver uma performance de Edward Everett Horton é ver um génio da comédia a exibir a sua arte sem presunção, a fazer o seu papel rotineiro (que inúmeras vezes era semelhante de filme para filme) sem ofuscar a estrela, mas com a enorme consciência de que conseguia roubar, sem esforço, cena após cena após cena. E claro, o seu timing cómico estava só ao nível dos grandes. Entrando em grandes clássicos como ‘Trouble in Paradise’ (1932), ‘Design for Living’ (1933), ‘The Gay Divorcee’ (1934, o seu primeiro de vários filmes com Fred & Ginger), ‘Top Hat’ (1935), ‘Lost Horizon’ (1937), o genial ‘Holiday’ (1938), ‘Here Comes Mr. Jordan’ (1941) e claro ‘Arsenic and Old Lace’ (1944), eu creio que terá sido prejudicado pela categoria de Melhor Actor Secundário só ter sido criada em 1936. Foi honrado com uma estrela no passeio da fama em 1960, e só viria a falecer dez anos depois, mas a Academia nunca o homenageou com um Honorário. Como é possível?
Jerry Lewis
Comediantes não têm qualquer hipótese de receber Óscares por actuação. Ponto final. Já tiveram essa possibilidade outrora, como actores secundários, raramente como actores principais (Jimmy Stewart em ‘The Philadelphia Story’, 1940, uma notória excepção), mas hoje em dia isso seria um sacrilégio. Mas é para isso que servem os Honorários. Chaplin recebeu um Óscar Honorário em duas ocasiões. Lloyd e Keaton também receberam. Laurel recebeu um Honorário depois de Hardy falecer. Mel Brooks nunca recebeu um Honorário, mas pela simples razão que tinha recebido um Óscar de Melhor Argumento em 1967. E se quisermos um exemplo mais recentes, até Steve Martin recebeu um Honorário o ano passado. Mas então e Jerry Lewis? Então e o comediante mais bem-amado e mais bem-sucedido na bilheteira, não só na América mas no Mundo, entre 1950 e 1970? How quick they forget. O cinema de Lewis é mágico, a comédia inocente, familiar e inspiradora de filmes como ‘The Bellboy’ (1960) ou ‘The Geisha Boy’ (1958) não tem comparação, portanto é inexplicável como nos últimos 30 anos a Academia não tenha mexido uma palha. Na verdade, em 2009 deram-lhe o prémio humanitário Jean Hersholt. Merecido, sem dúvida, mas parece ter sido uma solução de compromisso que sabe a pouco. Um Óscar Honorário pelo seu legado cinematográfico seria o mínimo para um dos mais brilhantes comediantes que o cinema já conheceu. Estão à espera de quê? É o síndrome Fonda-Newman? Até parece que Lewis tem andado a fazer muitos filmes nos últimos vinte anos. Uma vergonha, é o que é.
Roger Moore
Roger Moore é o Homem. É o rei no universo dos heróis de testosterona. Sim, quando chegou o cinema explosivo de acção dos anos 1980, de heróis como Willis, Stallone ou Schwarzenegger (aqueles que agora entram no ‘Expendables’…), Moore já tinha a sua idade, mas até lá não há herói de acção que se equipare ao homem que foi o Santo, Brett Sinclair, James Bond e o glorioso ffolks (sim, o f é minúsculo!) em ‘North Sea Hijack’ (1979). Durante toda a sua carreira, Moore foi acusado de actuar sempre da mesma maneira. Mas isso não é inteiramente verdade. A sua personalidade era (e é) tão forte, o seu carisma é tal, que conseguia moldar papéis que estava a interpretar a si próprio. E por haver essa naturalidade, nem notamos que por detrás está uma enormidade de talento, que deveria ser reconhecido. E há duas interpretações muito especiais que constituem o grito de Moore para ser levado a sério como actor; Harld Pelham em ‘The Man Who Haunted Himself’ (1970) e o já citado ffolkes. Há uma profundidade, uma intensidade, uma instintiva força poderosa que guia a sua actuação nestes dois papéis que é invejável, e que só parece não ter sido explorada mais na sua carreira porque Moore apreciava mais a comédia, ou pelo menos a acção mais relaxada. Mas ele é um ícone da sétima arte, um rosto reconhecível mundialmente, portanto onde está a homenagem devida da Academia?! Ridículo que só tenha tido uma estrela no Walk of Fame em 2007! Imagine-se. Sophia Vergara recebeu uma este ano e o que tem no currículo; um papel numa série famosa?! Ridículo que nunca tenha sido homenageado com o Óscar Honorário. Ridículo que não lhe tenham dado sequer o prémio humanitário Jean Hersholt. Audrey Hepburn recebeu-o pouco antes de falecer em 1993 pelo seu trabalho como embaixadora da UNICEF, e Roger Moore foi o seu sucessor nesse cargo após a sua morte (a pedido da própria Hepburn, há que dizer); um cargo que mantém, a tempo inteiro, até hoje. Por isso, de que é que a Academia está à espera? Que Moore faleça? Até Angelina Jolie recebeu um Jean Hersholt o ano passado. Disse e repito-o. Ridículo.
Clive Owen
Eu gosto de Clive Owen. É um actor com estilo e presença, algo que é difícil de encontrar no cinema moderno. Houve algo de genuinamente excitante quando ele surgiu nas grandes produções de Hollywood a meio da década de 2000, depois de uma década a fazer filmes menores para a televisão inglesa. Entre 2004 e 2006 Owen deu-nos quatro incríveis performances, em ‘Closer’ (a sua única nomeação para o Óscar, até hoje), ‘Sin City’, ‘Inside Man’ e principalmente ‘Children of Man’, um soberbo filme que Owen leva às costas com um misto de naturalidade e instinto gutural, fragilidade e testosterona que de qualquer forma ele consegue equilibrar. Nesse mistério reside o segredo do seu génio. O incrível é que Owen já tinha mais de 40 anos quando fez estes papéis e atingiu a ribalta em Hollywood (não parecia nada!). Mas este Owen de Hollywood foi uma moda que cedo se esgotou com filmes de acção menores como ‘Duplicity’ (2009). Nos últimos anos contudo, Owen tem-se voltado para filmes menos custosos e mais sérios e até tem regressado à TV (‘The Knick’). Pode ser que uma destas interpretações desperte o interesse da Academia, se já tiver passado tempo suficiente para se esquecerem do seu pico como anti-herói de acção (que como sabemos não podem, por qualquer motivo, receber Óscares). Mas quando chegar esse Óscar, se alguma vez chegar, será certamente inteiramente merecido.
Peter Sellers
O divino Peter. O homem que nos fazia rir com a sua multiplicidade de personalidades e a subtileza do seu humor físico e vocal (que infelizmente se foi tornando menos subtil com a idade), mas que ao mesmo tempo nos causava uma desconcertante incerteza incómoda ao dar a sensação de não estar a revelar tudo, algo que dava dimensão às suas personagens. O famoso inspector Jacques Clouseau, por exemplo, hilariante por ser trapalhão e bronco, às vezes dava a impressão de o estar a ser propositadamente, para baixar a defesa das senhoras e dos vilões. Nunca o saberemos. Ao mesmo tempo, Sellers tinha uma enorme humanidade e podia emanar calma e paz. O seu sorriso contido em ‘Being There’ (1979) é inacreditavelmente apaziguador. Kubrick não era um realizador qualquer e ele viu e explorou, como ninguém, esta dualidade em Sellers, primeiro numa interpretação absolutamente genial em ‘Lolita’ (1962), rudemente descartada pela Academia, e depois em ‘Dr. Strangelove’ (1964) pelo qual recebeu a sua primeira nomeação para Actor Principal. Apenas receberia mais uma nomeação, no seu penúltimo filme, ‘Being There’, e de novo voltou, bastante injustamente, a perder, para Dustin Hoffman em ‘Kramer vs. Kramer’. Acho que se a Academia soubesse que Sellers iria falecer poucos meses depois, em 1980 com 54 anos de idade, lhe teriam dado o prémio. Não o fizeram e depois já era tarde de mais. Sellers nunca recebeu um Honorário e nem sequer tem uma estrela no passeio da fama de Hollywood. Dá para acreditar?
Michael Keaton
Para mim Michael Keaton é, acima de tudo, um grande cómico, mas é também, como provou ao grande público em ‘Birdman’, um actor multifacetado (ao cinéfilo já tinha provado numa série de filmes menores). Como actor, este homem que é ainda hoje o melhor dos Batmans, não está na liga dos restantes desta lista. Mesmo assim, tem de ser incluído porque já foi duas vezes (sim, duas vezes!) injustamente roubado de um Óscar. A primeira foi em 1993 em ‘Much Ado About Nothing’, a solarenga adaptação shakespeariana de Keneth Brannagh. Como o absolutamente genial guarda Dogberry, Keaton nem sequer foi nomeado para o Óscar de Melhor Actor Secundário, num ano em que quem levou a estatueta para casa foi Tommy Lee Jones numa interpretação popular, mas efémera, em ‘The Fugitive’. A segunda foi bem recentemente, ao perder o Óscar de Melhor Actor para Eddie Redmayne. Na primeira ocasião foi penalizado por não ser um actor “da moda” (Johnny Deep ou Bradley Cooper hoje a fazer aquele papel, pior, tinham ganho o Óscar). Na segunda foi penalizado porque não interpretou uma personagem “baseada numa pessoa real”. Provavelmente, Keaton não terá terceira oportunidade. É pena.
Leonardo DiCaprio
Quando DiCaprio apareceu detestava-o. Um tipo de cara bonita, vítima do overacting e que dizia todas as frases da mesma maneira. Hoje em dia já não sou da mesma opinião. A primeira interpretação que realmente me siderou de DiCaprio foi para Edward Zwick em ‘Blood Diamond’ (2006), mas esta já foi a sua terceira nomeação para o Óscar. Em 1993, com 19 anos de idade, foi nomeado para Melhor Actor Secundário por ‘What's Eating Gilbert Grape’ (a Academia pensou, como todos, que ele era bastante mais novo, digo eu…), e depois de alguma contestação social por não ter sido nomeado por ‘Titanic’ ou ‘Gangs of New York’, finalmente teve a sua primeira nomeação para Actor Principal por ‘The Aviator’ (2004). Mas desde então DiCaprio amadureceu num dos maiores e mais memoráveis actores da nossa geração e não tenho vergonha nenhuma em reconhecê-lo. Os seus papéis em ‘Revolutionary Road’ (2008), ‘Shutter Island’ (2010), ‘Inception’ (actores podem ter boas interpretações em filmes de qualquer género embora a Academia não reconheça isso), e o seu delicioso papel secundário em ‘Django Unchained’, todos podiam ser merecedores de Óscar. Curiosamente, não foi nomeado por nenhum destes filmes e a sua nomeação número quatro surgiu apenas em 2013 por ‘The Wolf of Wall Street’. Estamos todos a ficar fartos deste snub da Academia. Precisa de fazer de Einstein?! Give the man an Oscar already! Se há actor moderno de topo que o merece, é ele. Será que é este ano por ‘The Revenant’?
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