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The Blind Side

Ano: 2009

Realizador: John Lee Hancock

Actores principais: Quinton Aaron, Sandra Bullock, Tim McGraw

Duração: 129 min

Crítica: Eu só vi ‘The Blind Side’ (em português com o parecido título ‘Um Sonho Possível’) apenas uma vez, na altura do seu lançamento em 2010. E, sinceramente, já me chegou. É um daqueles filmes que me deixou completamente indiferente, durante e depois do seu visionamento. Nem era excessivamente bom, nem era excessivamente mau. Era simplesmente um filme absolutamente banal, o género de entretenimento simpático que não ofende, nem enaltece, nem exige muito esforço intelectual para ver. O género de entretenimento que, ostensivamente baseado numa história verídica, tem uma moral simples pouco subtil para o espectador interiorizar com facilidade, ficar comodamente chocado, mas depois aplaudir, ficar inspirado e discutir com convicção na praça pública. Tudo, claro está, com ritmo e humor para não enfadar ninguém (o que é um ponto a favor), mas a contenção suficiente para não perder a seriedade do seu drama, drama esse também contido, para não tornar o material pesado.

O leitor já percebeu perfeitamente o filme que estou a descrever. É o que nos dias de hoje se chama um ‘filme Óscar’ – esse género de filmes inspiracionais, de fórmulas estereotipadas, baseados em histórias verídicas, semi-engraçados, semi-dramáticos e historicamente conscientes que invadem a América e o Mundo todos os anos de Novembro a Janeiro. E se ‘The Blind Side’ é alguma coisa, é um filme Óscar. A forma como logo cataloga as personagens em classes bem definidas, a sua história do ninguém que se torna alguém, a sua mensagem de vontade e coragem (o tal “sonho possível") e do ver para além das fachadas (o “lado escondido” – blind side), e até a forma como assenta e faz piadas à custa dos costumes americanos, desde os sotaques sulistas ao futebol americano, tudo contribui para a sua bem-sucedida aura social-comercial.

Infelizmente, esfregando a superfície, encontra-se muito pouca profundidade no material. Aliás, é engraçado constatar que para mim o filme funcionou precisamente ao contrário. Detestei as supostas cenas ‘sérias, reais e dramáticas’ porque estavam cheias de clichés, estereótipos e aqueles clássicos dilemas e desentendimentos que procuram gerar momentos de tensão mas que acabam por ser artificiais e frouxos, como se tivessem sido escritos por estudantes do primeiro ano de uma escola de cinema. Mas gostei muito mais das cenas ‘ligeiras’, de ‘escape cómico’, de ‘passagem do tempo’ ou da ‘rotina familiar’. Porquê? Porque não estavam sob pressão de transmitir uma mensagem, e assim ficaram livres para ser muito mais naturais, muito mais reais, e como consequência, muito mais interessantes e poderosas.

Lançado nos Estados Unidos em Novembro de 2009, mesmo em cima da época das nomeações para os grandes prémios, e na maioria dos restantes mercados na semana dos Óscares, em Março seguinte (uma pessoa pergunta-se, ou não, porquê), ‘The Blind Side’ foi realizado por John Lee Hancock. Sempre preocupado com os valores americanos, e tendo a queda para o cinema comercial, a sua carreira contava então com o drama de basebol ‘The Rookie’ (2002) e o filme histórico ‘The Alamo’ (2004). ‘The Blind Side’ surgia como o seu trabalho mais pessoal, aquele que apesar de tudo melhor conseguia equilibrar a sua, chamemos-lhe, americanice, com a intimidade do seu drama. Hoje, após ter realizado ‘Saving Mr. Banks’ (2013) já não tenho tanta certeza que ‘The Blind Side’ seja o seu melhor trabalho.

A história começa por nos apresentar Michael, um jovem afro-americano interpretado pelo então praticamente estreante Quinton Aaron, naquela que é indiscutivelmente a melhor performance do filme (Bullock inclusive). Michael, proveniente dos bairros pobres, dorme onde pode de dia para dia e não tem muda de roupa. Através de uma feliz sucessão de eventos fortuitos, Michael é aceite numa escola americana, daquelas que não se importam de ter a custo zero alunos de baixas classes sociais, desde que haja uma contrapartida. No caso de Michael, um rapaz possante e encorpado, embora extremamente tímido e simples, a contrapartida é pôr as suas brilhantes capacidades atléticas ao serviço das equipas da escola. Mas apesar desta nova oportunidade na sua vida, Michael continua a não ter uma casa para ir (por isso dorme escondido no pavilhão da escola), dinheiro para comer (os caixotes do lixo da escola são o seu restaurante) e é muito mau aluno, pois não tem ninguém que o ajude (o que pode pôr em risco a sua bolsa de estudos e a sua grande oportunidade na vida). Mas até neste retrato incisivo e degradante da personagem, o filme tem um enorme lustro, como se estivesse ciente (está realmente) de que isto é só o enquadramento da praxe, facilmente esquecível, antes do início do conto de fadas.

Nem de propósito, “a fada madrinha” não demora a surgir. Eis que entra em cena Leigh Anne, a típica sulista branca católica de classe alta (um cliché de si própria) interpretada com gusto por Sandra Bullock. Os filhos dela andam na mesma escola que Michael e um dia, quando os vai buscar, apercebe-se da vida que Michael está a levar. Sem hesitar, sem qualquer dúvida (o que não deixa de ser estranho, apesar de ser de louvar) decide levá-lo para sua casa e tratá-lo como se fosse o seu próprio filho. Isto é o início de uma nova vida para Michael, que aos poucos se integra na família (que pouca ou nenhuma dificuldade tem também em aceitá-lo) e, graças ao incentivo de Leigh Anne, começa a ter melhores resultados na escola e ganha interesse no seu próprio talento como jogador de futebol americano. Em breve, já se torna um jogador popular cobiçado pelas melhores universidades, embora tenhamos que admitir que a sua técnica como jogador estranhamente se assemelhe à de Adam Sandler em ‘The Waterboy’ (1998)!

Mas isto não seria um drama baseado numa ‘extraordinária história verídica’, se não tivesse alguns solavancos pelo caminho para lhe dar (ou pelo menos tentar dar) maior dimensão. Fazemos uma viagem ao passado com Michael, enquanto ele visita os lugares e as pessoas do velho bairro, e fica dividido entre a sua antiga e a nova existência. Vemos alguns falhanços em campo até que finalmente (e inevitavelmente) se torna o herói da equipa. Assistimos aos trâmites da adopção legal de Michael por parte da família de Leigh Anne e (alguma) controvérsia social associada. E, mais importante que isso (pelo menos para o filme) assistimos à paixão feroz de Leigh Anne para o inspirar e fazer singrar, no campo de futebol e na vida, o que promove algumas cenas engraçadas (como sua clássica descascadela ao treinador). Mas tenho a dizer que a sua personalidade enerva e é muito pouco realista. Leigh Anne é uma santa, é uma cavaleira andante, sabe sempre tudo, raramente tem dúvidas e nunca se engana, e consegue levar tudo avante. Portanto a pergunta que se impõe é se realmente acreditamos, ou pelo menos aceitamos, esta manipulação emocional que o filme nos impinge.

Por um lado, sendo baseado numa história verídica, não podemos realmente criticar o fio condutor da história, mas temos que admitir que a falta de surpresas é um turn-off. Hoje sabemos que o verdadeiro Michael é um bem-sucedido jogador da NFL (alguns famosos do futebol americano fazem ostensivos cameos – mais um elemento de apelo all-american do filme), e portanto o filme não se foca tanto nos factos da sua odisseia em si, mas mais na versão cor-de-rosa das atribulações por que teve de passar. Contudo, isso acaba por não ser necessariamente mau, já que a perspectiva humana consegue inevitavelmente ganhar vantagem e Hancock consegue gerir o material com o toque apropriado.

Ninguém consegue gerir, no entanto, os clichés do filme Óscar e do filme all-american. Aqui tudo é feito para ser limpinho e preto no branco, critico sem nunca ser controverso, e sempre leve com escapes cómicos, para fortalecer as personagens ‘boas’ e denegrir as ‘más’. Ou seja, aqui tudo é feito, como dizem os críticos que se babam com este tipo de filme, para ser inspirador. Mas sentimo-nos realmente inspirados a assistir a cenas como aquelas que nos mostram que todos os amigos de Leigh Anne, praticamente sem excepção, a criticam e ostracizam por querer adoptar um rapaz afro-americano? Sentimo-nos realmente inspirados quanto todos os amigos de Michael do velho bairro, sem excepção, são más influências? Sentimo-nos realmente inspirados quando, no primeiro jogo em que Michael enverga as cores da escola, de toda a vasta audiência, a câmara decide focar-se precisamente nos dois idiotas que gritam piadas racistas para o campo (provavelmente as duas únicas pessoas no estádio que o fizeram)? Ou serão estes elementos, como fortemente suspeito, completamente artificiais, um jogar sujo por parte dos argumentistas e do realizador?

Mas há pior. Quando assistimos ao imediato desagrado de colegas e professores em relação a Michael (que o catalogam baseado na sua aparência), e mais tarde ao esbater inevitável desse desagrado quando Michael atinge o sucesso, que moral exactamente é que o filme nos está a dar? Que temos de ser bons no desporto e na escola para sermos aceites na comunidade?! Se Michael fosse um mau aluno e um mau desportista mesmo após as explicações pagas (Kathy Bates num pequeno papel como a tutora), mesmo depois dos treinos, e mesmo que mantivesse a sua personalidade simpática, já não seria acolhido por ninguém?! Isto é uma história inspiradora só porque ele atingiu o sucesso escolar e desportivo, ou porque encontrou uma família? O filme quer-nos dizer que foi por ambas as coisas, mas na verdade não consegue ser muito convincente, pelo menos na parte da família. O ‘dilema’, o clássico desentendimento para gerar tensão no final do segundo acto, quando alguém tenta convencer Michael, erroneamente, de que a família só o adoptou para o ludibriar a ir jogar futebol americano para uma certa e determinada Universidade, é o elemento que o filme arranja para nos tentar convencer da sua moral. Como os restantes aspectos, pode realmente ter ocorrido, mais coisa menos coisa, na vida real, mas retratado tão forçadamente perde toda a intensidade fílmica que poderia ter.

Como o bom filme-Óscar que é, mas faltando-lhe a qualidade para se transcender, ‘The Blind Side’ teve as parcas nomeações costumeiras. Primeiro, com as novas regras dos 10 filmes, foi nomeado para Óscar de Melhor Filme (no ano de ‘Hurt Locker’, em que ‘Avatar’ e ‘Inglorious Basterds’ também foram nomeados). Uma grande conspiração parva para tentar vender mais uns bilhetes. Segundo, foi nomeado, e venceu (!!), o Óscar de Melhor Actriz Principal para a menina Sandra Bullock. Todos sabemos aquilo que foi o Óscar de Melhor Actriz nos anos 2000; basicamente um prémio-carreira para actrizes queridas da América (não necessariamente grandes actrizes), que se estavam perigosamente a aproximar dos 40 anos de idade e que em breve iriam deixar de ter papéis principais em grandes produções. Julia Roberts, Nicole Kidman… e Sandra Bullock. Na realidade este Óscar de Bullock é muito parecido com aquele de Roberts. Ambas actrizes que fizeram o seu nome pela sua carinha simpática em comédias românticas ou filmes leves de acção. Ambas que tentaram forçadamente entrar no reino do drama só o tempo suficiente para serem levadas a sério e ganharem um prémio. Ambas com papéis baseados em pessoas verídicas com sotaques, com uma cena em que dão uma ensaboadela dramático-cómica a alguém com um monólogo intenso e bem escrito, cena essa que circulou o mundo e foi repetida até à exaustão nos trailers, featuretes e ‘for your consideration’s, garantindo-lhes assim a estatueta.

Não me interpretem mal, a performance de Bullock como Leigh Anne é muito boa, mas lá está, apenas nessas cenas em que o argumento está tão bem escrito que permite que a sua personagem seja forte e atrevida e engraçada, e que o papel fique na retina. Mas nas restantes cenas, nas cenas ‘normais’ em que não há essas situações transcendentes e memoráveis, Bullock é Bullock e tem uma interpretação dentro dos padrões normais, somente para cumprir os requisitos do papel. Ela não faz nada que melhore o que está escrito na folha, ao contrário de muitas actrizes que conhecemos que o conseguiriam fazer facilmente. Uma moda é algo muito imprevisível, e Bullock, neste papel, foi uma moda. “Vamos dar o Óscar à nossa queridinha Bullock este ano”. “Sim, vamos lá”. "Pois, é agora ou nunca!". Sem querer deitar abaixo aquela que é provavelmente a melhor interpretação da sua carreira (a de ‘Crash’ também me ficou na retina), não era merecedora de Óscar. Muito mais impactante é o papel de Quinton Aaron. Não há dúvidas de que iria perder (obviamente) para Christoph Waltz em ‘Inglorious Basterds’, mas é vergonhoso que não tenha sequer sido nomeado. Não faz sentido nenhum. Bullock ganha a estatueta e Aaron nem é nomeado? É o fosso entre a popularidade e a qualidade, que todos sabemos que existe hoje em dia nos Óscares.

‘The Blind Side’ é um filme dramático tão leve quanto os padrões comerciais do filme de qualidade-Óscar permitem, existe num mundo de personagens pré-concebidas e estereotipadas, e embora seja baseado numa história real, é mais uma espécie de conto de fadas em que tudo é preto no branco, com um manto cor-de-rosa por cima. Vê-se bastante bem por causa disso (apelará a vários públicos) e é interessante até certo ponto, mas não passa disso. Pode-se chamar-lhe ‘inspirador’, mas somente porque a história real em que o filme é baseado é inspiradora em si, não por qualquer cena específica que o filme contenha. É a inevitável sina destes filmes, que me canso de escrever nestas páginas. Acham que a história de base é suficiente e que o resto surgirá naturalmente, por artes mágicas. Os próprios Óscares reflectem, sem querer, isso. Nomeado para Óscar Melhor Filme, mas para nenhuma categoria técnica ou artística. O que fica na retina é a mensagem, não qualquer elemento fílmico. Este é um filme de modas, que passada a award-season é esquecido (como já foi), sendo destinado a ser exibido de quando em quando numa tarde de fim-de-semana, para alguém ver com meio olho, quando não tem nada para fazer, está a dormitar no sofá e não se importa de ter uma boa dose de inspiração artificial. Há posts de facebook que se tornam virais, há artigos de revista cor-de-rosa, e há também filmes destes. Viva!

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Miguel. Portuense. Nasceu quando era novo e isso só lhe fez bem aos ossos. Agora, com 31 anos, ainda está para as curvas. O primeiro filme que viu no cinema foi A Pequena Sereia, quando tinha 5 anos, o que explica muita coisa. Desde aí, olhou sempre para trás e a história do cinema tornou-se a sua história. Pode ser que um dia consiga fazer disto vida, mas até lá, está aqui para se divertir, e partilhar com o insuspeito leitor aquilo que sente e é, quando vê Cinema.

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