Minions

Ano: 2015

Realizador: Kyle Balda, Pierre Coffin

Actores principais (voz):  Pierre Coffin, Sandra Bullock, Jon Hamm

Duração: 91 min

Crítica: ‘Minions’, o mais recente filme da Illumination Entretainment, é a mais perfeita prova de que a sofreguidão do rendimento e um mau, ou pelo menos um infeliz marketing, podem destruir a qualidade, aos olhos dos críticos e do público, de um filme que tinha (e tem) tanta para dar. O prazer de um bom filme, tal como uma boa refeição ou uma boa ride num parque de diversões, está também no prazer da antecipação. Para isso é que existem os trailers, para nos aguçar a curiosidade, para nos provocar, para criar expectativa, que depois se materializa na experiência de ver o filme em si. Se tudo for bem feito, sentimo-nos satisfeitos, encaramos cada surpresa com o prazer que brota do desconhecido e, quer gostemos ou não realmente do resultado final, podemos até dizer que a experiência valeu a pena. E o que é a sétima arte, para nós viciados, senão a experiência suprema?

O problema é quando o filme não revela nada de novo. Isso acontece, por exemplo, quando o filme tem uma fórmula tão batida que já a vimos em centenas de filmes anteriormente e conseguimos adivinhar o que ele nos vai apresentar a cada curva. Não é esse caso de ‘Minions’, que parte de uma das ideias de personagem de comédia mais originais das últimas décadas. Mas também pode acontecer quando já se revelou tanto do filme, nos teasers, nos trailers, nas featurettes, que quando finalmente, depois de um ano a sermos bombardeados com publicidade, se vai ver o filme, se descobre que afinal já tudo estava visto. É como se o trailer de ‘The Usual Suspects’ revelasse que Kevin Spacey era Keyser Soze. Quem queria ver o filme pela primeira vez depois disso? Este já é mais o caso de ‘Minions’.

Quando a Illumination Entretainment surgiu em 2010, cedo se destacou, pelo menos para mim, como o melhor estúdio de animação a aparecer na América desde a Pixar. A mistura perfeita entre o produtor Chris Meledandri, ex-presidente da 20th Century Fox Animation (dos filmes do Blu-Sky Studios como ‘Ice Age’) e o estúdio de animação francês Mac Guff deu um toque de magia especial e de frescura que há muito faltava nos meandros da animação CGI americana. ‘Despicable Me’ (2010) é hilariante, e uma fabulosa mescla do imaginário dos heróis/vilões e dos clássicos valores familiares, ‘Hop’ (2011) pode não ser um grande filme, mas é um grande filme familiar de Páscoa (e aí está o segredo) e ‘The Lorax’ (2012) é, muito simplesmente, uma obra-prima do cinema de animação e o melhor filme que este estúdio já produziu.

Mas enquanto ‘Hop’ e ‘The Lorax’ estavam a ser feitos, ‘Despicable Me’ não só tinha sido um sucesso de bilheteira (o que quer dizer imediatamente ‘sequela’), como os pequenos Minions, os deliciosos capangas de Gru, e extraordinários apartes hilariantes deste filme, se tornaram um sucesso de merchandising. A consequência foi primeiro uma série de curtas-metragens com estes bichinhos amarelos e depois que ‘Despicable Me 2’ (2013), que já critiquei, tivesse, como escrevi, “um ênfase desmesurado na capacidade cómica dos Minions”, algo que desequilibrou todo o filme. Os Minions eram apartes, e funcionavam precisamente porque eram escapes de comédia, tal como o Scratt nos filmes de ‘Ice Age’. Mas a tentação de os exibir a cada oportunidade em ‘Despicable Me 2’ afectou claramente a profundidade de todas as outras personagens e a construção da história. Ou seja, a inserção de mais e mais momentos de comédia (e não nos enganemos, eram hilariantes) afectou a qualidade do filme. Parece um paradoxo, eu sei, mas é verdade.

Mas isso nem foi o pior. O pior foi que todas (e eu quero mesmo dizer todas) as cenas com os Minions de ‘Despicable Me 2’ já tinham sido vistas nos elementos promocionais do filme, portanto, quando essas cenas apareceram no filme não me ri. Já me tinha rido, e muito, em casa. No cinema já soava a piada batida. E quando me apercebi que ‘Minions’ ia ser lançado este ano e ‘Despicable Me 3’ em 2017 profetizei “Parece-me que estão a sugar a galinha dos ovos de ouro demasiado depressa. Se agora ainda lhes acho graça (muita graça diga-se), para o ano já tenho a distinta sensação que vou começar a fartar-me…”.

Infelizmente, acertei no meu prognóstico. É impossível não gostar dos Minions. Recordam-nos uma era de comédia mais pura, baseada no visual (daí ser irrelevante percebermos ou não o que eles dizem) para além de, admitamos, serem extremamente fofinhos. Mas quando deixam de ser apartes e passam a ser o todo, quando deixam de ser escapes cómicos e passam a ter de suster um filme inteiro, conseguem resultar? Sim, se o filme for executado nos mesmos moldes, assentar nas mesmas bases de comédia que constituem o segredo do seu sucesso – muito humor visual, muita parvoíce e lidarem com gadgets maiores que eles próprios que não conseguem controlar. Mas ‘Minions’, o filme, tem pouco, ou nada, disto. Contudo, o humor que realmente tem seria suficiente porque o filme tem frescura, dinamismo e é bastante simples e colorido na sua comédia para satisfazer miúdos e graúdos.

Mas isso é estragado pelo facto de já termos visto tudo o que de bom há neste filme nos spots promocionais. ‘Minions’ é um gigantesco trailer expandido, em que cada cena tem apenas mais um ou outro elemento adicional para fazer as pontes entre as cenas e as piadas que andamos a ver no último ano. Até nos momentos finais do filme, ainda estávamos a ver piadas e pérolas cénicas que os vários trailers já nos tinham mostrado! Como é possível? A Illumination devia despedir o gajo do marketing. Revelaram tudo, e o filme, coitado, não consegue fazer jus, em comparação, à beleza cómica condensada nos trailers, esses sim verdadeiras, e brilhantes, curtas-metragens de comédia. Mas claro, há pessoas que não viram os trailers. Para essas ‘Minions’ vale a pena? Pois claro, mas não tanto como seria de supor. No limite a verdadeira questão é se os Minions têm o que é preciso para suster um filme sozinhos.

Os primeiros 6 ou 7 minutos do filme correspondem quase na íntegra aos primeiros teasers que vimos há um ano. Os Minions surgem, algures na pré-história, saídos do mar e com uma origem desconhecida (um pormenor que não deixa de ser interessante e inteligente). Rapidamente, o filme avança milénios, enquanto os vemos, desastradamente e por culpa sua, a perder ‘chefe malvado’ atrás de ‘chefe malvado’; os dinossauros, os homens das cavernas, os egípcios, Drácula na Idade Média e até Napoleão. Lamentei esta introdução ser demasiado rápida (pensei que iam dedicar mais tempo a isso), lamentei já ter visto todas as cenas e acima de tudo lamentei a voz off de Geoffrey Rush a narrar o filme e a dar-nos o insight dos sentimentos dos Minions. Os Minions falam uma língua nonsense com pitadas de inglês, francês, espanhol e outras coisas (interpretada pelo próprio realizador Pierre Coffin), portanto o espectador português vai perceber (e rir-se) muito com a sua linguagem. Mas o espectador inglês não vai perceber patavina e por isso os produtores lá deverão ter achado que a voz off era necessária. Não era. Pior, ela funciona contra o filme, no sentido em que impede os realizadores de pensarem em soluções visuais para construir a história e as piadas. Por necessidade elas existiam nos filmes de ‘Despicable Me’. Devido à voz off, não existem em ‘Minions’.

Após Napoleão, os Minions ficam a viver sozinhos durante dois séculos numa caverna, perdendo a vitalidade e a esperança de alguma vez voltarem a servir um chefe malvado. Até que um Minion, Stuart, decide aventurar-se para fora da gruta e descobrir um novo amo para servir. Com ele vão outros dois Minions, o aparvalhado Kevin e o infantil Bob (a manobra do filme para se focar só em 3 personagens e não em mil). Estamos no final dos anos 1960. A sua viagem leva-os primeiro a uma Nova Iorque hippie, depois a Orlando à secreta convenção de vilões ‘Vilain-Con’, que descobrem por acaso, e por fim, quando se tornam, de novo por acaso, capangas da grande supervilã Scarlett Overkill (voz de Sandra Bullock), a Londres. É aqui que Scarlett, que sonha tornar-se rainha de Inglaterra, os convence a roubarem as jóias da coroa. Com a ajuda das gadgets do marido de Scarlett (uma engraçada personagem com voz do ‘Mad Man’ Jon Hamm), os Minions lá vão roubar as jóias (mais uma sequência demasiado rápida que já se tinha visto num dos trailers) e inúmeras peripécias acabam por acontecer, incluindo o próprio Bob ser declarado o novo rei. Mas Scarlett vai procurar a vingança, e a própria rainha de Inglaterra ainda pode ter uma palavra a dizer sobre o assunto… Como se não bastasse, os restantes Minions também decidem sair da caverna e estão todos a caminho de Londres…

Há várias coisas que se distinguem em ‘Minions’ e que o colocam na vanguarda do cinema de animação. Ao contrário de produções recentes da Disney ou da Pixar, ‘Minions’ não está muito preocupado com dar uma grande moral familiar. Aliás, um dos pontos mais cativantes sobre os Minions é a ambiguidade da sua natureza, que apela aos nossos instintos (das crianças principalmente) mais traquinas e de malvadez simpática. Na realidade estamos a falar de serventes de vilões, de seres que uma e outra vez provam ser algo fúteis ou interesseiros, mas no entanto identificamo-nos com eles. Porquê? Não é apenas porque são fofinhos e engraçados. É porque por entre a história revelam sempre lealdade uns para com os outros, uma credibilidade inocente no afecto (até quase ao fim, ainda não percebem que Scarlett os está a usar), uma paixão pelos pequenos seres, pelas pequenas coisas e pelos prazeres simples da vida, e nunca se esquecem que são todos uma grande família. A moral não está na história (nem de perto nem de longe) mas nos próprios Minions, o que torna estas personagens incrivelmente apelativas e, subtilmente, o filme muito mais eficaz para conseguir entrar no imaginário do público jovem.

Portanto, em primeiro plano, o filme dedica-se única e exclusivamente à comédia pura e dura, simples mas não simplória, extremamente colorida, extremamente movimentada, extremamente musicalizada (depois do sucesso de ‘I Swear’ no filme anterior os Minions regressam ao karaoke umas quatro vezes ao longo do filme, mas nunca com a mesma chama), e (quase sempre) extremamente eficaz. Vamos esquecer por um momento que as piadas já tinham sido todas vistas nos trailers. Se o fizermos, descobrimos que este filme preocupa-se pouco com a história (não é muito imaginativa) mas continua fresco em arranjar coisas para os Minions fazerem, e vai debitando punchline atrás de punchline. Contudo, o primeiro grande senão, é que não me parece que estas piadas sejam tão eficazes quanto aquelas a que assistíamos no universo de ‘Despicable Me’. Os Minions extraiam o seu humor do manuseamento do material de laboratório e das tarefas domésticas. Agora, andando ao ar livre pelo mundo fora nesta espécie de road movie, há uma notória falta de adereços para satisfazerem as suas necessidades cómicas. Nota-se logo a diferença quando o marido de Scarlett lhes dá as gadgets para a mão. Aí, a comédia transcende-se. Mas depois de cada um usar a sua gadget uma vez (aquele chapéu, magnífico!), nunca mais pegam nelas e a aventura continua, mais frouxa…

Outra notória falha do filme é o seu design de produção de época. Estamos nos anos 1960, mas não parece. Claro, quando chegam a Nova Iorque, vemos imediatamente uns hippies, pessoas com vestidos e penteados esquisitos e ‘O Santo’ a dar na televisão. Mas é isto. Especialmente depois de se transladarem para Londres, bem que o filme se podia passar agora. Não se vê diferença alguma. E obviamente, a cultura Londrina na perspectiva dos produtores americanos resume-se ao chá (que todos bebem), aos dentes grandes da rainha, às jóias da coroa, aos autocarros vermelhos e ao cruzamento de Abbey Road. Pela mesma lógica estereotipada deviam ter mostrado obesos na América. Mas não mostraram. E presto, assim se ensina às crianças um pouco de cultura.

No final, tenho a dizer que fiquei bastante desapontado com ‘Minions’. Estranhei mais uma vez revelarem tanto material nos trailers promocionais, mas como estávamos a falar de um filme inteiro pensei que isto seria apenas a ponta do iceberg e que o filme estava a guardar os seus segredos mais hilariantes para a tela. Não estava. Quem viu todos os trailers como eu consegue seguir a história do filme praticamente do primeiro ao último plano. O filme é apenas um pro forma, com um pouco mais de enchimento. Por outro lado, acho que a escolha da história das origens dos Minions (podiam ter inventado qualquer uma!) não é a mais famosa, e a aventura em que se envolvem (o roubo das jóias da coroa…) não é a mais adequada para melhor explorar o seu potencial cómico. O filme está demasiado preocupado em andar de um lado para o outro a tentar não parar a sua sucessão de gags, para se aperceber que esta história não é nada ‘Made in Minion’, ou seja, não é uma que pertença ao seu imaginário peculiar, e que tanto cativou o público mundial nos últimos anos. É uma aventura de animação costumeira, que podia ter como protagonistas, sem grandes diferenças, tanto os Minions como os Pinguins de ‘Madagascar’ como outros seres hilariantes que para aí andam.

Podem fazer (e provavelmente farão) mais filmes dos Minions, mas nunca farão uma história de ‘origens’ outra vez (até porque, no final, a história inevitavelmente liga a Gru). Nesse sentido lamenta-se que para sempre, seja esta a origem insossa que fique registada, lamenta-se que esta galinha dos ovos de ouro tenha sido tão sugada que a sua piada intrínseca já comece a fazer apenas sorrir em vez de fazer rir às gargalhadas, e lamenta-se que se tenha optado por uma aventura anónima e muitas vezes desinspirada, que expandiu o universo dos Minions mas que ao fazê-lo, teve necessariamente de perder aquilo que os fazia funcionar tão bem. Com ‘Despicable Me 3’ ao virar da esquina, em princípio voltaremos a uns Minions mais contidos em termos de tempo de antena mas, espera-se, muito menos contidos em termos de potencial cómico. Fingers crossed.

Mesmo assim, não posso deixar de reforçar a ideia de que para o espectador menos exigente e para as crianças que vão ao cinema ver seres fofinhos e aventuras cheias de cor e piadas fáceis de digerir mas honestamente engraçadas, ‘Minions’ não desapontará. Mas se é um aceitável filme para crianças, que as entreterá com qualidade, não se pode chamar a este filme uma grande comédia de animação. Não está na liga de ‘Despicable Me’ nem de ‘The Lorax’, citando exemplos da própria Illumination. E como consequência, está também a anos-luz de ser um grande filme. É desapontante, para quem esperava o filme de animação do ano…

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Miguel. Portuense. Nasceu quando era novo e isso só lhe fez bem aos ossos. Agora, com 31 anos, ainda está para as curvas. O primeiro filme que viu no cinema foi A Pequena Sereia, quando tinha 5 anos, o que explica muita coisa. Desde aí, olhou sempre para trás e a história do cinema tornou-se a sua história. Pode ser que um dia consiga fazer disto vida, mas até lá, está aqui para se divertir, e partilhar com o insuspeito leitor aquilo que sente e é, quando vê Cinema.

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