Realizador: John Curran
Actores principais: Mark Ruffalo, Laura Dern, Peter Krause
Duração: 101 min
Crítica: (Critica escrita a 4 de Maio de 2010. Uma das minhas primeiras, mas inédita em Eu Sou Cinema)
‘We Don't Live Here Anymore’ (em português ‘Desencontros’) é um filme que poderia ser bem melhor do que aquilo que realmente é com muito pouco esforço. Infelizmente, esse esforço não foi feito, o que é uma enorme pena.
O filme é realizado por John Curran, que até aqui só havia realizado um único filme, ‘Praise’ (1998), um hoje pouco recordado drama de casal que eu nunca vi. Em ‘We Don't Live Here Anymore’ Curran prossegue com os dramas conjugais, no contexto da América suburbana, o lugar preferido do cinema americano para este tipo de temática, desde o cinema de Douglas Sirk até ao extraordinário ‘Revolutionary Road’ (2008). Mas há muito pouco de extraordinário em ‘We Don't Live Here Anymore’.
O filme conta a história de dois casais (um interpretado por Laura Dern e Mark Ruffalo, o outro por Naomi Watts e Peter Krause), ambos já com filhos, que num Verão quente e pachorrento vêm os seus casamentos ir por água abaixo. Acabam por ter um caso extra-conjugal cruzado, ou seja, Dern envolve-se com Krause, enquanto Rufallo envolve-se com Watts, supostamente sem que cada elemento do casal saiba do caso do outro. O filme contém em excesso cenas de discussão aberta entre os casais, reflectindo vontades incompreendidas e a perda do amor, e muitas cenas de fachada, quando os quatro estão juntos, ricas em discretos olhares significativos, insinuações indirectas, sentimentos embutidos e a ilusão do escape. Assistimos ao desenrolar da história em cenas que dão arcos análogos entre as personagens, apesar das suas personalidades diferentes: mentem, arrependem-se, buscam o significado da vida, a essência do amor, a felicidade. Enfim, nada que já não tenhamos visto, e melhor, num drama de casal, com a agravante de que aqui assistimos (ainda por cima) a dobrar.
John Cassavetes faria um filme fantástico com este material. Já Curran não é nenhum Cassavetes. Dá-nos os factos com o seu valor superficial e esquece-se de que por detrás da traição, das indiscrições, das discussões, do arrependimento, tem que haver uma profundidade, uma justificação emocional (que falta ao filme) para que personagens e história ganhem dimensão e sejam apelativas. Senti que a única personagem que realmente brilha emocionalmente é a de Laura Dern, mas também não é segredo que é a melhor intérprete do quarteto. Os outros três actores (e recordemo-nos que Watts e Ruffalo ainda não tinham a bagagem que têm hoje) cingem-se ao argumento pouco imaginativo sem lhe darem grande vida ou grande inovação, o que é de lamentar.
As discussões a dois, que deveriam constituir o baluarte desta película, são demasiado lamechas e impregnadas de lugares comuns; as cenas de “quem sou eu e para onde vou” não têm profundidade, e as cenas a quatro, em que todos usam máscaras emocionais e (tentam) esconder os seus verdadeiros sentimentos e as suas traições, nunca conseguem atingir um grande grau de tensão. O espectador sente-se ligeiramente incomodado porque sabe a verdade, mas esse incómodo nunca é realmente perceptível no filme. Outra coisa que me chamou a atenção pela negativa foram as crianças. É normal que um filme destes se foque nos adultos, mas mesmo que os filhos apareçam poucas ou nenhumas vezes, o ambiente familiar tem de ser credível. Neste filme, as crianças são uns autênticos zombies, aparecem completamente por favor, raramente abrem a boca, e quando o fazem, fazem-no mais que mecanicamente. Se era para isto mais valia terem arranjado uma desculpa qualquer. Os miúdos vão para um campo de férias e os pais ficam sozinhos…
Mas o pior de tudo é que os quatro protagonistas não parecem muito reais num filme que supostamente deveria ser um drama da vida real. Durante dois terços do filme são animais a jogar jogos emocionais uns com os outros, guiados pelos seus desejos e pelos seus instintos, pouco pensando nas consequências. Mas de repente, do nada, no último acto, todos procuram a redenção. A montanha russa emocional está ausente, e esta mudança abrupta de posição não é minimamente justificada pelos eventos do filme. Admito que os humanos e a emoção humana são por vezes completamente irracionais, mas mesmo assim…
Do material de base, este filme tinha o potencial para ser um drama sólido, para oferecer ao espectador muito mais do que aquilo que acaba por dar. Do mesmo modo, não gostei nada da forma como o filme escolheu acabar. Mas isso talvez seja já uma questão de gosto pessoal. Gostei do conceito e enquadramento da história. Gostei da personagem de Laura Dern (a melhor do filme) e da forma como ela a interpreta. Mas não gostei particularmente quer das outras personagens, quer do caminho que o filme percorre. Creio que não consegue atingir o nível emocional que se requeria de uma história, e de um filme como este.
Quando escrevi esta crítica, Curran apenas tinha feito mais um filme, ‘The Painted Veil’ (2006) com Edward Norton e Naomi Watts. Desse filme sim, já gostei bastante, conjugando um convincente retrato de época com o tal nível emocional que falta a ‘We Don't Live Here Anymore’. Hoje já podemos ver mais dois filmes dele, ‘Stone’ (2010), com Norton e DeNiro, e ‘Tracks’ (2013), com Mia Wasikowska, mas infelizmente ainda não vi nem um nem outro. O cinema de Curran parece-me delicado emocionalmente e atento ao pormenor, mas se vi isso a acontecer claramente em ‘The Painted Veil’, não o vi muito, tanto quanto me recorde, em ‘We Don't Live Here Anymore’. Um dramazito suburbano, com um conceito interessante, actores que hoje são bem mais reputados do que na altura, mas que nunca consegue dar aquele salto para ser mais do que o seu conceito.
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