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Wall Street: Money Never Sleeps

Ano: 2010

Realizador: Oliver Stone

Actores principais: Shia LaBeouf, Michael Douglas, Carey Mulligan

Duração: 133 min

Crítica: (Crítica escrita em Setembro de 2010, na semana de estreia do filme em Portugal. Apenas actualizei um pouco as referências)

Em 2010 a personagem Gordon Gekko regressou ao grande ecrã, depois de um interregno de 23 anos. Isso eram boas notícias? Bem, dependia do ponto de vista.

Por um lado, quando o filme foi anunciado fiquei interessado, pois é raro vermos uma interpretação vencedora do Óscar de Melhor Actor regressar para a sequela. Em 1987, no filme ‘Wall Street’, Michael Douglas ganhou o único Óscar de actuação da sua carreira (ganhou outro por produzir ‘One Flew Over the Cucko’s Nest’ em 1975) pela interpretação do investidor financeiro Gordon Gekko. Não estou totalmente contra a atribuição do galardão, a sua performance é intensa e fascinante (um verdadeiro ‘tubarão’ de Wall Street), mas não era propriamente material para Óscar. De notar contudo que hoje em dia seria impossível ter ganho. Douglas não estava a interpretar nem uma personagem real, nem uma com um atributo socialmente relevante (deficiência, homossexualidade, etc), por isso é sempre bom recordar os tempos em que a Academia ainda atribuía os prémios pela qualidade da interpretação e não pelo papel (nos últimos 10 anos apenas 3 vencedores do Óscar de Melhor Actor não estavam a interpretar pessoas ‘reais’...). Depois do Óscar, Michael Douglas manteve uma carreira regular em grandes produções mas poucas delas memoráveis  e verdadeiras obras de arte cinematográfica (‘Basic Instinct’, ‘Traffic’). Era interessante então descobrir se conseguiria trazer de volta a magia do velho Gekko. 

Mas por outro lado, este regresso de Gordon Gekko traria inevitavelmente o regresso do realizador de ‘Wall Street’; Oliver Stone. ‘Wall Street’ havia sido feito no período mais bem-sucedido de Stone, entre a sua obtenção do Óscar de Melhor Filme e Melhor Realizador por ‘Platoon’ (1986) e a sua vitória no Óscar de Melhor Realizador por ‘Born on the Fourth of July’ (1989). Nos 23 anos entre os seus filmes de Wall Street, salvo raras excepções (‘Alexander’, 2004), Stone continuou a focar-se nos males da sociedade americana através de incisivos épicos urbanos e sociais, mas que, com o passar dos anos, se foram tornando cada vez mais críticos, cada vez mais activos politicamente, mas muito menos apelativos do ponto de vista cinematográfico. Com isto quero dizer que, sim, entendemos perfeitamente as mensagens e as críticas sociais por detrás de ‘Platoon’, ‘Wall Street’ ou ‘JFK’ (1991), mas, independentemente disso, estes eram também, em si próprios, enormes monumentos à arte de fazer cinema. O mesmo já não se pode dizer de produções mais recente como ‘World Trade Center’ (2006) ou, quando o começamos a ver, de ‘Wall Street: Money Never Sleeps’ (em português ‘Wall Street: O Dinheiro Nunca Dorme’).

Salta logo à vista porque Stone e Douglas trouxeram de volta Gordon Gekko. O filme é um fortíssimo ataque ao despoletar da crise financeira mundial (que em 2010 já se fazia sentir, e bem), e que não se acanha em atirar as culpas aos senhores de Wall Street. Contudo, para fazer esta análise crítica, negligenciou-se aquilo que faz com que um filme seja apelativo a um público alargado, e que o original ‘Wall Street’ possuía no seu retrato da ascensão e queda de Gekko e Fox (Charlie Sheen) – uma boa história e personagens cativantes para além do seu contexto. Não há dúvidas que ‘Wall Street: Money Never Sleeps’ consegue ser bom, incisivo e até, em alguns momentos, poderoso (quem sabe, como Oliver Stone, nunca esquece), mas não me parece que o filme consiga ter um apelo universal. O seu contexto é o dinheiro. Quem o tem e quem o não tem, quem o controla, quem o gere e quem fica a arder. Para Stone, só isso interessa neste filme, é esse o seu cerne e o seu fio condutor. As personagens, neste enquadramento, são atiradas para a berma e é por isso que este filme não é para todos os públicos. Apelará a um público mais intelectual, mais preocupado com questões políticas e financeiras, que olha para o cinema como uma forma de consciente expressão social, mas não a um público que olha para o cinema como uma forma de escape e entretenimento, e que nesta sequela apenas queria assistir ao regresso de uma grande personagem e a uma história apelativa, dramática e intensa. Por tão boa que seja a interpretação de Douglas (não perdeu o jeito nem o poder de Gekko), fica completamente abafada pelo contexto financeiro, como aliás todas as restantes personagens. A mensagem poderá passar, disso não haja dúvidas. Mas é o filme, como filme, que fica a perder.

‘Wall Street: Money Never Sleeps’ começa por nos mostrar o que aconteceu a Gekko desde que o deixamos em 1987. Já cumpriu a sua pena e agora sai da prisão; um tubarão de regresso a um oceano que conhece como a palma da mão. Posto isto, o filme muda a atenção para a personagem de Jake, interpretada por Shia LaBoeuf, o jovem actor que na altura estava na berra depois dos primeiros dois filmes dos Transformers (2007, 2009) e do quarto Indiana Jones (2008). Aqui, pessoalmente, ainda gostava dele e achava que tinha futuro. Por eventos e filmes mais recentes já não tenho tanta certeza… Jake é um jovem corrector em ascensão no mundo das finanças, aliás tal como Charlie Sheen havia sido no original ‘Wall Street’ (e por falar em Sheen, de notar a sua breve aparição especial!). E, coincidência, coincidência, Jake está noivo de Winnie, a filha de Gekko (ele tinha de encaixar na história de alguma maneira, não?!), interpretada pela não muito bela mas extremamente talentosa Carrey Mulligan.

A personagem de Jake é uma de contrastes. Por um lado vemos a sua vontade gananciosa em subir na vida e em fazer a sua fortuna no menor tempo possível. Por outro, é-nos dado a conhecer o seu amor verdadeiro por Winnie, e o seu trabalho filantrópico em empresas de “energia verde”, que ajudam a caracterizar a sua personagem de uma forma mais simpática, para que o público possa criar empatia com ele. Para o filme Jake não é um mero caçador de fortunas. É um rapaz bastante simpático que tem a infelicidade de ter uma fraqueza pelo sucesso, e que se deixa seduzir pela teia da alta finança.

Jake trabalha para uma companhia que vai à falência. Contudo, consegue arranjar um emprego numa companhia melhor, cujo presidente é um fantástico Josh Brolin (o vilão da história), e que foi a que supostamente levou a primeira companhia à falência. Os detalhes destas trocas e baldrocas financeiras são um pouco técnicos. Um pouco a favor. Vou reescrever. São demasiado técnicos. Metade do tempo percebi pouco ou nada destes diálogos da alta finança. Ou melhor, posso perceber, se estiver atento, mas sinceramente não me apetece. Para quem trabalha no sector, para um investidor financeiro, para um banqueiro, para um corrector da bolsa, estou certo e seguro que as tramas da primeira hora e meia do filme serão espectaculares, absolutamente na muche. Mas para o espectador normal, que já está farto de ouvir estes termos técnicos nas notícias todos os dias, bem… Stone mete-se dentro do sector com o realismo e com a intensidade que caracterizam a sua obra. Mas esqueceu-se que o cinema para além de realismo, tem de convencer e apelar a um espectro mais alargado de públicos. É este tipo de pormenores que torna este filme desinteressante. Pessoalmente, não tenho muito interesse na alta finança, por isso a primeira metade do filme, porque não compensa com grandes cenas, grandes diálogos ou grandes personagens, também não me despertou muito interesse.

Mas a história lá vai passando o suficiente para não perder completamente o espectador. Gekko obviamente perdeu o seu poder na indústria do capitalismo e os seus milhões, mas ainda não foi ao tapete. Nas sombras, no anonimato, Gekko prepara o seu comeback, e vê no jovem Jake uma oportunidade para regressar ao topo da pirâmide. Não só se torna o seu mentor (como só ele sabe!) e aproveita para se reconciliar com a sua filha (que por este momento já está grávida), como apanha a onda da ascensão de Jake para o usar para os seus próprios ardis obscuros: a vingança ao velho rival (quem mais, Josh Brolin) e a recuperação do seu império financeiro.

Traições corporativas, a ascensão e queda de acções da bolsa, negócios que dão para o torto, fusão e falência de empresas, crise financeira, fortunas feitas e desfeitas, há um pouco disto tudo em ‘Wall Street: Money Never Sleeps’ – um autêntico épico do género ‘filme sobre a alta finança’. Gekko aguarda o seu momento para atacar a jugular e tornar-se de novo o rei da selva, e Jake aprende a mal a realidade dura deste mundo, até que chegam os surpreendentes twists finais. Na realidade, a última porção do filme é para mim a melhor parte. Por esta altura, a linguagem técnica já foi deixada para trás, o retrato do mundo financeiro nova-iorquino também, e por isso o filme fica livre para finalmente (finalmente!) se focar nas personagens, nas emoções humanas, por detrás dos milhões feitos e perdidos. Aqui, finalmente, ‘Wall Street: Money Never Sleeps’ deixa de ser um, como lhe chamei, ‘filme sobre a alta finança’, e passa a ser, realmente, ‘um filme’. Muito embora seja com pesar que se nota que tal acontece apenas por um brevíssimo período de tempo antes do desfecho, o que é uma grande perda para o filme.

Tudo somado ‘Wall Street: Money Never Sleeps’ pode ser um filme política e socialmente relevante, pelo olhar incisivo e a visão ‘de dentro’ que tem do mundo da alta finança, mas achei que o seu alto nível de tecnicidade era um grande turn off para o espectador comum, que encontrará poucas emoções (humanas) no drama. O filme chocará, obviamente, e funciona como uma reflexão crítica directa e um ‘abre olhos’ para as origens da presente crise, mas se Stone ambicionava realismo e focagem apenas nos 'factos financeiros' bem que poderia ter feito um documentário. Como filme, e usando uma personagem familiar do público, foi levar a coisa um pouco longe de mais. Claro que se havia altura para Gordon Gekko voltar ao cinema, era esta. Está completamente no seu meio, mais até se calhar agora do que nos anos 1980. Mas o filme parece um pouco cegado pelo seu ataque crítico para pensar no resto.

O 'resto' contudo é de certo modo salvo pelas brilhantes, soberbas, actuações. LaBeouf, no pico da sua jovem carreira, consegue estar taco a taco com os grandes nomes à sua volta e não se sai nada mal. Josh Brolin está brutal como o financeiro sem escrúpulos. O primeiro mentor de Jake, um financeiro da velha guarda, é interpretado por Frank Langella, um actor que na terceira idade finalmente encontrou o seu lugar nas grandes produções de Hollywood dignas do seu talento (quem o viu em ‘Cutthroat Island’, 1995, coitado, chegou a duvidar). Susan Sarandon é a mãe de Jake, uma investidora imobiliária de pouco sucesso e Eli Wallack (então com 95 anos mas tão jovem como nos anos 1960) é líder do ‘board of directors’ da empresa. Mas acima de todos está Michael Douglas. Ninguém esperou que fosse outra vez nomeado para o Óscar, mas provou, mais do que em qualquer filme desde ‘Traffic’ (2000), que ainda tem o que é preciso para ser um grande actor de Hollywood. Neste filme, ainda consegue mudar de autêntica víbora para o seu clássico eu charmoso num segundo, e tornar a transição credível. Mais do que tudo, fá-lo com classe, embora tenha-o achado algo cansado na maior parte das cenas. Hoje sabemos que teve um cancro grave pouco tempo depois. Talvez os sintomas já o estivessem a afectar na altura das filmagens.

Mas independentemente destas actuações de mestre o filme tem uma e só uma personagem principal: o dinheiro. Influencia tudo o resto e todas as cenas ficam, digamos, condicionadas por ele. ‘Wall Street: Money Never Sleeps’ é um bom filme de Oliver Stone, um dos melhores, senão o melhor da última década (o seu único filme desde então, ‘Savages’, 2012, era péssimo!). É um filme que olha de uma forma nua e crua para uma cidade que ele tão bem conhece (como Woody Allen, como Spike Lee, Stone também tem a sua Nova Iorque) mas que acaba por estar demasiado envolto em si próprio, na sua própria inteligência e nas intrincadas complexidades do sistema, para ser apelativo nas suas partes dramáticas e emocionais. O filme é socialmente relevante? Com certeza. É de realização ousada? Sim senhora. Ataca o sistema? Ataca. Mas não é assim tão interessante como uma obra de entretenimento cinematográfico. Mas lá está, certamente, não era esse o objectivo.

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Miguel. Portuense. Nasceu quando era novo e isso só lhe fez bem aos ossos. Agora, com 31 anos, ainda está para as curvas. O primeiro filme que viu no cinema foi A Pequena Sereia, quando tinha 5 anos, o que explica muita coisa. Desde aí, olhou sempre para trás e a história do cinema tornou-se a sua história. Pode ser que um dia consiga fazer disto vida, mas até lá, está aqui para se divertir, e partilhar com o insuspeito leitor aquilo que sente e é, quando vê Cinema.

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